Arquivo de etiquetas: Faust

Faust – “Faust” + Faust – “So Far” + Faust – “The Faust Tapes” + Faust – “Seventy Minutes Of… (“Munich & Elsewhere + The Last LP)”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 11.11.1992

REEDIÇÕES


REGRESSO DE UMA LENDA

FAUST
Faust (10)
So Far (10)
CD Polydor, import. Contraverso
The Faust Tapes (10)
Seventy Minutes Of… (“Munich & Elsewhere + The Last LP) (7)
CD Recommended, import. Contraverso


Na década de todos os regressos, coube a vez aos Faust de ressuscitar da sepultura. Seria impossível imaginá-los, 17 anos volvidos sobre a sua extinção, a actuar de novo ao vivo. Mas foi o que aconteceu, a 23 de Outubro passado, quando a lendária banda germânica pisou o palco do Marquee Club, em Londres. De novo tudo volta a ser possível. Os discos, com lugar reservado na eternidade, foram reeditados em compacto.
Coincidindo com a onda de renovado interesse pelos Faust, a Polydor japonesa reeditou em compacto dois álbuns da banda germânica, que, à entrada dos anos 70, criaram uma alternativa credível ao “rock sinfónico”: “Faust”, de 1971, e “So Far” (inclui reproduções das gravuras que faziam parte do pacote da primeira edição), de 1972. Estas reedições vieram juntar-se a “The Faust Tapes” (1973) e “Seventy Minutes Of…” (junção inéditos dispersos contidos em “Return of a Legend: Munich & Elsewhere” e “The Last LP” ou “The Party Album” como também é conhecido) que a Recommended já havia lançado, no mesmo formato, anteriormente no mercado. À época, a crítica inglesa arrumou o grupo alemão no compartimento geral do “krautrock”, onde cabiam tendências estéticas tão diversificadas como a ala cósmico-planante, representada por Klaus Schulze, Tangerine Dream e Ashra; os “místicos” classicistas como Popol Vuh, Wallenstein, Parzival, Höelderlin, Yatha Sidhra e Mythos; os “rockers” mais ou menos radicais, Guru Guru, Jane, Amon Düül II, Grobschnitt; os electrónicos / industriais / repetitivos Kraftwerk, Cluster, Neu, Harmonia, La Düsseldorf. E os Can, que não se pareciam com ninguém. Hipotético denominador comum entre todos, o psicadelismo levado aos limites. Da vibração cósmica pura (Klaus Schulze), por um lado, ao telurismo tribal (Can), por outro. Em qualquer dos casos, a vontade de transe hipnótico, à custa da repetição e da exploração exaustiva de timbres. A par de uma concepção totalitária da música, à maneira romântica, que encontrou inspiração nos clássicos, sobretudo Wagner, e em mestres da música contemporânea erudita – do minimalista Terry Riley ao concretista Stockhausen. Formados em 1971 por Werner Diermaier, Rudolph Sosna, Gunther Wusthoff, Joachim Irmler e Jean-Hervé Peron, a banda, logo no álbum-estreia, “Faust”, conseguiu surpreender tudo e todos. “Faust” era, em múltiplos aspectos, um disco revolucionário. Desde a apresentação (capa original, vinil e folha informativa transparentes) até à música, totalmente original, construída a partir de colagens sonoras, que aliavam a música concreta, electrónica em estado bruto, guitarras “velvetianas” no limite da distorção, vagas instrumentais wagnerianas, declamações fonético / melódicas plurilinguísticas, citações dilaceradas dos Beatles, Rolling Stones e Beach Boys, e fragmentos de canção pop que se colavam irremediavelmente ao ouvido. Neste disco os Faust inauguravam fórmulas musicais até então inéditas na pop (exceptuando talvez o caso dos Mothers of Invention), que viriam a ser compreendidas e recuperadas, melhor do que ninguém, do outro lado do Atlântico, pelos Residents e, no seu país natal, por um dos alquimistas de som dos anos 90, Holger Hiller. Se “Faust” era a transparência absoluta, “So Far”, o álbum seguinte, era o oposto. Capa e rótulo interior negros. Em separata, gravuras coloridas alusivas a cada tema. “So Far” começa por uma sinfonia de martelo-pilão e acaba num “pastiche” ao jazz de New Orleans. Pelo meio, melodias sobrenaturais, ritmos de pesadelo, uma contenção máxima do vocabulário favorável a mil ambiguidades, “riffs” de guitarra saturada na melhor tradição dos Velvet Underground, um humor que não se julgaria possível em alemães (explorado em maior extensão em “Acnalbasac Noom”, “Casablanca Moon” ao contrário, com os Slapp Happy de Anthony Moore, Peter Blegvad – que chegou a integrar uma das formações dos Faust – e Dagmar Krause) e uma síntese final que, a cada segundo, apontava novas orientações estéticas passíveis de exploração.
“The Faust Tapes”, lançado em 1972, primeiro para a Virgin, foi posto à venda no Reino Unido por 49 pence – o preço de um “single”. Depois, para quem até essa altura se havia queixado de falta de informação, uma capa completamente preenchida por textos informativos. “Overdose” semântica que encontrava paralelo na grandiosa orgia de sons e ideias que até hoje permanece como uma das obras-orimas da música experimental de todos os tempos. São quarenta e tal minutos de uma faixa única (a versão em CD foi indexada em 26 partes), composta por fragmentos de estúdio, interligados num mosaico vertiginoso. Um trabalho genial do qual, ano após ano, foram brotando sementes, que aproveitaram a uma legião de novos nomes que na Recommended encontraram terreno fértil para se desenvolverem: 5 Uu’s, Motor Totemist Guild, La 1919/Luciano Margorani, When, Jocelyn Robert, Die Vogel Europas, After Dinner, Art Barbeque, Biota / Mnemonists, Expander des Fortschritts, entre outros, sem esquecer os Negativland e os Residents. O derradeiro álbum de originais gravado antes do grupo se extinguir, “Faust IV”, é mais contido e pensado que os anteriores. No início, uma paródia demencial à paranoia repetitiva a que alguns tinham reduzido o rock alemão (repetição que, num registo sério, fora levada ao limite do suportável, no disco grabado por alguns elementos dos Faust com o violinista Tony Conrad – “Outside the Dream Syndicate”), com o título precisamente de “Kraut Rock”, mostra até que ponto os Faust tinham tomado consciência da sua importância, o que, de certo modo, acabou por limitar um pouco a criatividade. As melodias são mais óbvias. É notório um tipo de alusões explicitamente “Faust”, quer dizer, a um som tornado já imagem de marca. Indispensável, apesar de tudo, e muitos furos acima da produção média dos anos 70. Alguns anos depois da aventura ter chegado ao fim (a extinção “oficial” do grupo é geralmente dada em 1975), a Recommended lançou os dois álbuns póstumos já mencionados, “Return of a Legend: Munic & Elsewhere” e “The Last LP”, com o objectivo de manter viva a lenda que o título do primeiro não disfarça, e de trazer para a ribalta algumas das peças que faltariam à conclusão do “puzzle”. A audição dá a perceber as razões que levaram os Faust, na altura, a deixar de foa este material, embora no primeiro caso este se destinasse a ser editado. Faz então sentido dizer que o “lixo” tem tanto valor como o “ouro” de outros. Com a actual reformação da banda, voltam a ser lícitas todas as expectativas.

Faust – “The Wümme Years, 1970-1973”

Y 22|DEZEMBRO|2000
discos|escolhas


FAUST
The Wümme Years, 1970-1973
5xCD Recommended, distri. Ananana
10|10

Cola-tudo



Acordem! Desfaçam as malas! Adiem a entrada no novo milénio! Desliguem a televisão à hora do “Big Brother”! Parem tudo o que estão a fazer e prestem atenção: acabou de ser reeditada – no formato de caixa, ideal para prenda de Natal – a obra completa e remasterizada dos Faust, correspondente às primeiras gravações alemãs, nos estúdios do castelo de Wümme. “The Wümme Years, 1970-1973” reúne os três primeiros álbuns de originais, “Faust” (1971), “So Far” (1972) e “The Faust Tapes” (1973), mais “71 Minutes of Faust” (“The Last LP” com Munic & Elsewhere”) e umas “The BBC Sessions” acrescidas de mais material disperse. Qualquer destes discos sairá posteriormente em separado, mas esta edição tem a vantagem de sair mais barata (13 mil escudos) e incluir um indispensável livrete com entrevistas inéditas a Jean-Hervé Peron e Joachim Irmler, elementos fundadores dos Faust, Kurt Graupner, engenheiro de som, e Uwe Nettelbeck, o produtor que vendeu a alma ao diabo para conseguir da editor Polydor a cedência aos seus meninos do estúdio em Wümme e um ano de experiências, a fundo perdido. Peter Blegvad, músico inglês que além de ter pertencido aos Slapp Happy e aos Henry Cow ainda conseguiu juntar-se aos Faust da última fase, relembra episódios marginais. Somos ainda presenteados com um conjunto de fotos inéditas e explicações detalhadas sobre os métodos de gravação, composição e equipamento.
Quanto à música… deixem-me antecipar o gozo que decerto terão, como eu tive, todos os que guardam religiosamente na estante as cópias em vinilo ou as anteriores versões japonesas em CD da Captain Trip.
Os Faust, como os Beatles, Zappa ou os Kraftwerk, mudaram o curso da história do rock. “Faust”, o álbum de estreia, era original em tudo, desde a embalagem e disco completamente transparentes à radiografia do punho fechado que passou a funcionar como símbolo do grupo. Neste álbum, mãe e pai de todas as transgressões, o ruído, as citações aos Beatles, Stones e Beach Boys, o romantismo, o rock ‘n’ roll e o experimentalismo eletro-acústico congregam-se numa colagem que parece ter origem numa orgia de som, com o estúdio a funcionar como substância lisérgica. Jogos de poesia fonética, bebedeiras de improvisação, relâmpagos no palácio de Bayreuth, tudo aqui se pronuncia com o adjetivo “novo”. Um marco.
“Faust so Far” é um pouco o negativo do disco de estreia. Capa e rótulos negros escondem uma série de ilustrações dedicada a cada “canção”, entre o surrealismo e o hiper-realismo. Um álbum que junta a violência Velvetiana (“It’s a rainy day, sunshine girl”, “Mammie is blue”) ao humor de Zappa (“I’ve got my car and my TV”) e fragmenta a golpes de rock minimalista e eletrónica alienígena os clichés do krautrock.
Culminando um período de criatividade demencial que antecedeu o estabelecimento da banda em Inglaterra, onde viria a gravar o seu último álbum oficial, “Faust IV”, “The Faust Tapes” é a enciclopédia definitiva da estranheza. Aqui a colagem é levada às últimas consequências, numa sequência de segmentos (nesta edição, e pela primeira vez, indexados e com a atribuição de títulos a algumas das “faixas”) que devem tanto à música concreta como a rock, a Novalis e Hoelderlin como ao LSD, numa linguagem tão universal quanto impenetrável, de que é exemplo a mítica parte vocal “C’est pas aux dents, j’ai mal aux dents aussi”, projetiva ao ponto de alguém a descodificar como “Shempal Buddah, ship on a better sea”…
Os Faust ressuscitaram entretanto nesta década como niilistas e anjos exterminadores mas foi nos anos de Wümme que teve lugar a verdadeira revolução.



Faust – “Faust Wakes Nosferatu”

Sons

2 de Janeiro 1998
DISCOS – POP ROCK


Faust
Faust Wakes Nosferatu (6)
Think Progressive, import. Ananana


faust

Nos anos 70, os Faust tornaram-se uma lenda. Nos anos 90, estes mesmos Faust, ou os dois elementos que restaram da formação original, Joachim Irmler e Werner Diermaier, têm-se encarregado de a destruir.
“Faust Wakes Nosferatu” é uma “banda-sonora”, mais uma, para o clássico filme de vampiros de Murnau, interpretada ao vivo por Irmler e Diermaier com o auxílio de uma série de convidados. O que nela choca mais não é tanto o clima de caos generalizado que atravessa todo o disco, mas a impressão de que esse caos foi encenado de maneira a coincidir com a imagem, gasta, de niilismo actualmente cultivada pelo grupo, na senda dos Einsturzende Neubauten.
Ficam as batidas secas de bateria de Diermaier, as lições de guitarra no limite da distorção e a arte de controlo do ruído, tudo o que os Faust já tinham feito há mais de um quarto de século, com outro requinte, e que agora se entretêm, metodicamente, a destroçar. Ficaremos a saber se os músicos da primeira geração do “krautrock” ainda têm, ou não, algo de novo para dizer, quando ouvirmos o álbum acabado de editar pelos Space Explosion, um supergrupo formado por Diermaier e Jean-Hervé Peron (outro Faust da formação original), Dieter Moebius, dos Cluster, Jurgen Engler, dos Die Krupps, Chris Karrer, dos Amon Düül II, e Mani Neumeier, dos Guru Guru.