Deep Purple
Made in Japan (7)
2xCD, EMI, distri. EMI – VC
Abanem as carcaças de excitação, metaleiros, os deuses do “hard” regressaram da tumba, voltando a erguer a foice dos decibéis, para dar mais um bocado cabo dos vossos tímpanos. Não, não se trata de qualquer grupelho de meia-tijela, mas dos velhos e genuínos Deep Purple, os verdadeiros “speed kings” que há quase 40 anos deram um banho à concorrência, dos “bluesy” Tem Years After aos satânicos Black Sabbath. “Made in Japan”, gravado durante uma digressão dos Deep Purple pelo Japão em 1972, não esconde nada na manga nem na mesa de mistura. É tudo ao natural com a vantagem de agora soar com a pureza (?) da remasterização e a adição de três temas extra, remetidos para um segundo CD de 21 minutos onde cabem “Black night” (um dos primeiros “singles” do grupo), “Speed king” e “Lucille”. A versão longa de “Child in time”, com um solo demolidor de guitarra de Blackmore, é de fazer arrepiar os pelos do peito ao mais hirsuto fã do metal. Ian Gillan canta com o indispensável “falsetto” nos limites da histeria, Ian Paice bate, de princípio ao fim, forte e feio, na bateria. Roger Glover insufla ar quente no baixo. Jon Lord lá vai conseguindo esticar as tripas ao seu selecto órgão Hammond, depois de lhe terem tirado a guloseima da orquestra, em “Concerto for Group and Orchestra”, álbum de 1970. “Made in Japan” faz soltar adrenalina em quantidades industriais, atingindo o auge na fogueira final dos quase 20 minutos de “Space truckin”, onde Ritchie Blackmore volta a fazer miséria. O diácono soltaria uma das suas risadinhas de prazer. Não é o pão nosso de cada dia. Mas faz suar. Um clássico do género, para todos os efeitos.
Small Faces
Small Faces (6)
From the Beginning (7)
Deram, distri. Polygram
Noel Gallagher, dos Oasis, os Primal Scream, Ocean Colour Scene e Paul Weller são alguns dos admiradores incondicionais dos Small Faces, uma banda “mod” formada no início da segunda metade dos anos 60 que não conseguiu a perenidade alcançada pelos seus rivais, na época, The Kinks e The Who. Ser “mod” era vestir-se (com roupa apertada e, de preferência, às riscas) e ostentar um corte de cabelo como um branco e tocar a música dos negros, a soul e os rhythm’n’blues. “Small Faces”, de 1966, foi o álbum de estreia deste grupo que, até à entrada na década seguinte e antes de Rod Stewart chegar para voltar tudo do avesso (encurtando o nome da banda para Faces), foi um dos clientes assíduos dos tops britânicos. Agora remasterizado, o som dos Small Faces conserva, contudo, toda a rudeza desses primeiros anos, com a ênfase posta nos rhythm’n’blues e na força de clássicos como “Shake”, um original de Sam Cooke. “Sha la la la lee”, cançoneta vulgar, projectou-os no “hall of fame”, desencadeando em seguida uma pequena guerra de editoras, entre a Decca, para a qual o grupo então gravava, e a recém-criada Immediate, com quem o grupo assinou. “From the Beginning” é a derradeira jogada da Decca, que neste álbum juntou velhas gravações dos Small Faces com temas inéditos. Ainda descansando em versões soul de artistas como Marvin Gaye e os Miracles, “From the Beginning” inclui já apontamentos psicadélicos, como “My mind’s eye”, “Yesterday, today and tomorrow”, que indiciavam o salto para o álbum seguinte, o conceptual “Ogden’s Nut Gone Flake”, de 1968. As presentes reedições contam, ambas, com versões de canções editadas em França no formato EP.
The Moody Blues
Days of Future Passed (7)
In Search of the Lost Chord (9)
On the Threshold of a Dream (8)
To Our Children’s Children’s Children (7)
A Question of Balance (7)
Every Good Boy Deserves Favour (7)
Seventh Sojourn (6)
Deram/Threshold, distri. Polygram
Os Moody Blues sempre foram mal amados pela crítica. Mesmo no seu tempo, a partir da segunda metade dos anos 60, a sua música causava embaraços e um mal disfarçado mal-estar. Encaixados entre o psicadelismo, que abraçaram com uma inoportuna elegância, e o progressivo, que tornearam com um não menos inoportuno sentido comercial, os Moody Blues criaram um nicho próprio que, ultrapassadas três décadas, conserva intacto seu fascínio. Agora ainda mais, graças ao pacote de reedições enriquecidas por remasterizações de extraordinária qualidade que fazem jus à espacialidade da música do grupo.
Ultrapassado o disco de estreia, com data de edição de 1965, “The Magnificent Moodies”, orgulhosamente gravado em mono, os Moody Blues saltaram para os tops de ambos os lados do Atlântico, no ano mágico de 1967, com “Days of Future Passed”. Embebido nas orquestrações, demasiado ligeiras para as mentes psicadélicas, da London Festival Orchestra, e nos talentos de multinstrumentistas e melodistas natos dos cinco músicos que permaneceram juntos até à dissolução do grupo – Mike Pinder, Ray Thomas, Justin Hayward, Graeme Edge e John Lodge –, “Days of Future Passed” é o paradigma do álbum conceptual. Vinte e quatro horas do dia, entre a madrugada e a noite. Melhor, 24 horas dentro de uma cabeça razoavelmente medicada com o ácido. Que no caso dos Moody Blues, ostentava sempre o rótulo Chanel.
Flautas, “sitars” e um “mellotron” de veludo (em oposição ao “mellotron” do inferno dos King Crimson) criavam suaves tapeçarias em canções como “Dawn is a feeling” e “Night in white satin” (tornado, por força do destino, num dos “slows” mais célebres de todos os tempos…) que transformavam a arte melódica dos Beatles num desfile de alta-costura.
“In Search of the Lost Chord”, de 1968, aproximou ainda mais os Moody Blues do psicadelismo. Embora instalado a uma confortável e segura distância da loucura, o grupo não hesitou em apresentar o seu próprio catálogo de visões (incluindo as das capas, um dos pontos fortes da estética global de ornamentação se rival na época) em temas declaradamente oníricos como “Ride my see saw” (outro “hit”, “House of four doors”, povoado de efeitos de estúdio bizarros, “Voices in the sky”, “The best way to travel”, “Visions of paradise” e “Om”. Numa demonstração do seu amor à causa do psicadelismo, dedicaram mesmo um dos temas, “Legend of a mind”, a Timothy Leary, profeta do LSD.
“On the Threshold of a Dream”, de 1969, começa com o tipo de efeitos electrónicos que os Pink Floyd viriam a utilizar em “Dark Side of the Moon”, incluindo a simulação da voz de um computador, numa veia experimentalista que marcaria o início da maior parte dos álbuns do grupo. “Dear diary” é um clássico do psicadelismo, banda sonora de um sonho, o sonho pop por excelência, com o seu ritmo arrastado, alado por uma flauta e pela voz à deriva de Ray Thomas. Mas o álbum está repleto de boas canções, como a “cosmic folk” de “Send me no wine”, o “brit pop” “avant la lettre” de “To share our love”, o extraordinário colorido de “To share our love”, os cânticos solares de “Lay day”, enfim, não há momentos mortos nesta cornucópia de melodias empaturradas de cordas e de luxo, sem os quais não existiriam hoje grupos como os Divine Comedy, Portishead, Mono ou Tindersticks.
“To our Children’s Children’s Children” indica “Higher and higher” como o caminho a seguir, logo no primeiro tema, uma partida de foguetão em direcção ao centro do cérebro. “Set the controls to the herat of the brain”. Os Moody Blues construíam aqui o seu próprio céu. Mas a viagem dos Moody Blues fazia-se com segurança. Através dos “Eyes of a child”, visão cristalina e inocente da música pop como era a dos Moody Blues, grupo de gente bem que apenas terá tido paralelo, na sua época, com os bastante mais obscuros mas não menos interessantes Nirvana (não, não são esses!…), dos quais valerá a pena reter o magnífico e menosprezado “The Story of Simon Simopath”.
“To our Children’s”, de novo recheado de boas canções, como “Beyond” ou o ultra-adocicado “Candle of life”, apresenta já, contudo, alguns sinais de decadência, tropeçando nos escolhos de uma ligeireza que sempre funcionou para os Moody Blues como uma faca de dois gumes.
No seu primeiro álbum da década seguinte, “A Question of Balance” (cuja capa é aqui reproduzida), de 1970, o próprio título parece traduzir a consciência desse problema de equilíbrio entre a manutenção de uma acessibilidade que mantivesse o grupo próximo do gosto popular e uma credibilidade capaz de o conservar afastado do espaço da música ligeira. A resposta continuou a ser dada através da presença de canções acima da média (“Question”, “Tortoise and the hare”, Minstrel’s song”, “Melancholy man”) que reuniam o gosto por arranjos sentidos enquanto orquestrações e um requintado trabalho de estúdio.
Ao contrário, porém, dos melhores grupos progressivos do início dos anos 70, cuja estética privilegiava a exploração constante de novas fórmulas e cruzamentos musicais, a música dos Moody Blues pecava pelo que, no início, fora uma virtude mas que agora se tornara num beco, o fecho sobre si própria, tornando cada tema numa unidade previsível, sem canais de respiração. O mesmo que aconteceu aos Pink Floyd, a partir de “Dark Side of the Moon”, álbum cuja audição será hoje, para muita gente, insuportável.
Assim, a inevitável “ousadia” electrónica que introduz “Every Good Boy Deserves Favour”, neste caso um amontoado de ruídos da natureza, colagens apocalípticas, batuques e cânticos rituais, “sitars” e flautas indianas, um clavicórdio barroco e o “mellotron” tornado imagem de marca, apoiando palavras de ordens terminadas em “ation” (“desolation”, “confusion”, “communication”), deixou de ser novidade, criando, em vez disso, um aglomerado de efeitos que funcionava como uma espécie de catálogo geral sonoro dos Moody Blues.
Mas esta previsibilidade continuava a ser compensada por canções que teimavam em recriar com extrema nitidez um mundo de sonhos preguiçosos, como “The story in your eyes”, “Emily’s song”, “After you come” e “My song” (um dos temas mais genuinamente progressivos dos Moody Blues, repleto de mudanças e transformações tímbricas e melódicas, mas era demasiado tarde para apanharem o comboio…), nas quais o grupo disfarçava a dolência com a evidência de guitarras eléctricas sabiamente controladas.
Em 1972, com “Seventh Sojourn”, era solto o último suspiro (os Moody Blues continuaram a gravar, claro, mas o seu tempo tinha-se esgotado) de uma banda que, seja qual for o juízo que sobre ela hoje se faça, era e continua a ser única. O segredo desta diferença estava no “moody”…