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Skolvan + Fairport Convention – “Bretões Skolvan Escrevem Página Dourada No Segundo Dia Do Intercéltico – O Sangue E O Circo”

cultura >> segunda-feira, 10.04.1995


Bretões Skolvan Escrevem Página Dourada No Segundo Dia Do Intercéltico
O Sangue E O Circo



AO CONTRÁRIO do que aconteceu na noite de estreia, o cinema do Terço, no Porto, esgotou no sábado, segundo dia do Intercéltico, para ouvir os Skolvan e os Fairport Convention, duas bandas com nome feito embora por razões diferentes. Os primeiros são “só” o melhor grupo tradicional da Bretanha da actualidade, e o seu último álbum, “Swings & Teras”, um dos melhores do ano, para a maioria das publicações europeias da especialidade. Os segundos já foram importantes, há cerca de um quarto de século atrás, quando o folk rock ensaiava à sua custa os primeiros passos na Grã-Bretanha. O público, cá como lá fora, claro, é que não liga peva a essas coisas e aclamou a banda de velhotes como heróis.
Sem sombra de espectáculo, preocupados exclusivamente em tirar o máximo partido das danças típicas da Bretanha, os Skolvan empolgaram pela positiva. Foram certeiros na abordagem e tratamento das “gavottes”, “laridés”, “ridées”, “na dros”, “dans plinn” e “dans fisel” que ainda hoje animam as noites de dança na Bretanha. Não se limitando a uma atitude de veneração basbaque, exploraram ao máximo as fundações da tradição para com elas erguer um edifício ao futuro. Youenn Le Bihan foi operário e artista de um quarteto que fez sangue, rasgando cada tema até lhe espremer o sumo. Na bombarda, instrumento que exige do executante uma “endurance” especial, e no “piston” (afinal não o instrumento popular com este nome, muito utilizado no século passado, que havíamos referido num texto anterior, mas uma invenção do próprio Le Bihan, espécie de oboé rústico, de timbre mais doce que o da bombarda) o som agreste mas insinuante das palhetas duplas teve no músico um intérprete de excepção. E se o Terço não se transformou numa “festoù-noz” foi porque não havia espaço e a música dos Skolvan, quando a ocasião o exige, faz também mover o espírito. Yann-Fanch Perroches funcionou como uma máquina, na concertina. Grande parte dos contrapontos melódicos passaram pelas suas “drones” nos foles. Com idêntica função esteve o guitarrista Gilles le Bigot, que num dos raros temas lentos da noite, “Les pêcheurs”, do álbum “Swing & Tears”, solou com o balanço moldado a profundidade e espuma das ondas do mar. Fanch Landreau, além do ocasional “biniou” (gaita-de-foles) – nos diálogos com a bombarda, característicos dos “sonneurs” – violinizou com ligeireza, mostrando de quando em vez uma certa queda para as cadências irlandesas. Em conjunto, os Skolvan são caçadores. Há um sentido certo na sua música, um caminho plenamente delineado, um alvo a atingir. O sangue, as rochas, o mar, as lendas, a magia da Bretanha, têm no grupo uma voz nova. Serviram de exemplo. O mesmo não se pode dizer dos Fairport Convention. As dificuldades técnicas surgidas no início do espectáculo não podem servir de desculpa para uma actuação que viveu das recordações e se propôs entreter com um número de circo. Temas antigos como “Matty groves”, “Sir Patrick Stevens” ou o “medley” “Dirty Linen” já não são o que eram mas nem sequer foi isso o mais grave. O que se lamenta é a atitude de recusa em assumir responsabilidades – é preciso não esquecer que Simon Nicol, Dave Pegg e Dave Mattacks estão no grupo praticamente desde o início – criadas por um passado escrito em letras douradas por músicos como Richard Thompson, Dave Swarbrick e Sandy Denny. E por falar nesta última, lamenta-se que o grupo se tenha esquecido de referir o seu nome na apresentação de “Crazy Man Michael”, uma das interpretações antológicas desta cantora no álbum “Liege & Lief”. Em vez disso dedicaram a canção a uma tal Sheena, presente na sala.
Os Fairport Convention querem dar ares de banda eternamente rejuvenescida, cujos músicos jamais envelhecem, eternos brincalhões que se podem dar ao luxo de fazer o que bem entendem. Ninguém lhes nega esse direito e até lhes ficaria bem se a música não estivesse, como está, ultrapassada. Nico e Pegg são os folgazões de serviço. Martin Allcock esteve para ali, a mostrar a sua guitarra de dois braços. Ric Sanders toca rápido, é um facto, mas com um dispêndio de gestos e de energia desnecessários. Com um terço da canseira e uma elegância que Sanders nunca será capaz de possuir, Dave Swarbrick, além da sensibilidade, conseguia tocar ainda mais rápido. Dave Mattacks, o baterista, mostrou ser o único à altura do nome que tem. Pertence a outro universo musical. Pôs a funcionar uma fábrica de ritmos e silêncios. À noite, na gruta do castelo de Santa Catarina parecia uma criança, agarrado a um tambor, a acompanhar as gaitas e pandeiretas dos galegos Luar na Lubre. Festa até às tantas, como de costume.

Vários (Fairport Convention, Skolvan, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men And A Dog, Realejo) – “Festival Intercéltico Anuncia Programa – AS JÓIAS DA COROA”

pop rock >> quarta-feira >> 01.03.1995


Festival Intercéltico Anuncia Programa
AS JÓIAS DA COROA



FAIRPORT CONVENTION, SKOLVAN, Boys Of The Lough, Luar Na Lubre, Four Men and a Dog e Realejo são os nomes que integram o programa do 6º Festival Intercéltico do Porto, que decorrerá nesta cidade de 7 a 9 de Abril, no cinema do Terço. No primeiro dia, sexta-feira, a honra de abertura caberá aos portugueses Realejo, de Fernando Meireles e Manuel Rocha, na altura em que será lançado no mercado o seu álbum de estreia. A noite conclui-se com osmeio irlandeses, meio escoceses Boys of the Lough, com o virtuoso do violino, no estilo de Shetland, Aly Bain; assim regressam ao nosso país depois de – como já vem sendo hábito – uma inglória passagem pela Festa do Avante! O novo álbum dos Boys chama-se “The Day Dawn”. Sábado verá no cinema do Terço uma banda inglesa tornada uma lenda, os Fairport Convention, papas do “folk rock” britânico, já com meio século de existência e uma passagem, esta inesquecível, por uma das primeiras edições da festa comunista; deles acaba de ser editado o novo “Jewel in the Crown”. No mesmo dia actuam, na primeira parte, os Skolvan, para muitos o melhor grupo da Bretanha da actualidade, cujo último álbum, “Swing & Tears”, foi considerado pela crítica, nacional e estrangeira, Poprock incluído, um dos melhores do ano passado. O Intercéltico fecha no domingo. Na primeira parte com os galegos Luar na Lubre, grupo de música sofisticada, cujo álbum mais recente, “Ara-Solis” (belíssimo), já se encontra disponível em Portugal. A festa vai ser festa mesmo, no concerto de encerramento, com o folk rock energético dos Four Men and a Dog (têm um álbum novo acabado de sair, “Doctor A’s Secret Remedies”), uma máquina de fazer dançar. Como se tornou hábito nas últimas edições, o Intercéltico, organizado como sempre pelo MC – Mundo da Canção, apresenta um vasto programa de actividades paralelas. Este ano, inclui uma exposição sobre José Afonso, uma feira do disco “Celtifolk”, um debate sobre “A imprensa folk europeia” – onde vão estar presentes, entre outros jornalistas, Andrew Cronshaw, da “Folk Roots”, Phillipe Krumm, da “Trad. Magazine”, e Pete Heywood, da “Living Tradition” -, uma Escapada Intercéltica, com visita à Citânia de Briteiros e um “repasto celta” na Penha, em Guimarães.

Fairport Convention – “Fairport Convention” + “What We Did On Our Holidays” + “Unhalfbricking”

(público >> y >> world >> crítica de discos)
11 Julho 2003


FAIRPORT CONVENTION
Fairport Convention
8|10

What We Did on our Holidays
9|10

Unhalfbricking
9|10
Island, distri. Universal

fairport convention
quem sabe para onde o tempo vai



No manifesto de intenções de “Fairport Convention”, álbum de estreia de 1968 da banda que viria a tornar-se a instituição da folk rock inglesa, pode ler-se: “What we played – The best of the singers-songwriters, music of almost suicidal variety, mind boggling complicated arrangements of ostensibly simple songs, anything that other groups wouldn´t touch”. Ainda com Judy Dyble e Martin Lamble (que viria a morrer num acidente de viação), “Fairport Convention” arranca para este rally com o que poderia ser um clássico dos The Byrds, “Time will show the wiser”, de Emitt Rhodes, e prossegue com “I don’t know where I stand”, título apropriado para uma vocalização frágil e tocante de Dyble, na linha do que faria nos Trader Horne. Álbum variado, integra influências da pop psicadélica, britânica e americana (como na delirante versão de “Jack O’Diamonds”, de Dylan, algures entre os Grateful Dead e os Jefferson Airplane), com Ashley Hutchings, futuro fundamentalista da tradição rural, a revelar inusitada destreza na escrita de coisas tão bizarras como “The lobster”. A reedição, remasterizada, inclui quatro temas extra, entre os quais “Suzanne”, de Cohen, e “Morning glory”, de Tim Buckley. Um clássico menor e, para os que apenas conhecem fases posteriores do grupo, uma surpresa estonteante.
No ano seguinte, Alexandra Elene MacLean Denny, Sandy Denny, entrara já para o grupo, em substituição de Judy Dyble, fazendo de “What we Did on our Holidays” algo de especial que abre com o clássico que daria nome ao seu primeiro projeto fora do grupo, “Fotheringay”. Abrangendo ainda temas de Dylan (“I’ll keep it with mine”) e Joni Mitchell (“Eastern rain”), o psicadelismo, o “cajun” ou os “espirituais” (Denny a fazer de Joplin em “The Lord is in this place, how dreadful is this place?”), bem como um “Book song” de Ian Matthews, o álbum introduz o conceito de “folk elétrica” em “Mr. Lacey” ao mesmo tempo que aparecem os primeiros arranjos de tradicionais, entre os quais “Nottamun town” e “She moves through the fair”, prenúncio da direção que o grupo viria a seguir.
“I’ll keep with mine” vale pela vocalização de Denny, em veia já explorada no álbum de 1967 de apresentação dos Strawbs, “All of our Own Work”, e “Meet on the ledge”, um original de Thompson, com aquele “swing” característico dos The Byrds que os Fairport tão bem adaptaram a uma inconfundível “britishnes”, figura na galeria dos melhores temas do grupo.
Ainda de 1969, outra peça-chave, “Unhalfbricking”, título sugerido por Denny em mais do que provável estado de euforia etílica. “Genesis hall” ostenta a marca de uma voz em estado de graça. Poucas vezes Sandy Denny terá cantado como nesta canção de abandono, capaz de nos arrebatar naquele tom que apenas se encontrará, na música inglesa, em “I Want to See the Bright Lights Tonight”, de Richard e Linda Thompson. Denny que em “Si tu dois partir”, versão “cajun” e cantada em francês de um tema de Dylan, volta a abrir caminho ao “boom” do folk rock inglês dos anos 70, por bandas como os Steeleye Span, Matthews Southern Comfort ou Albion Country Band, e se mostra superlativa no jazzy “Autopsy”, onde está já tudo o que se pode encontrar na sua brilhante discografia a solo.
O mantra de 11 min. e único tradicional do álbum, “A sailor’s life”, é apresentado pela cantora de “world” Sheila Chandra como contendo os genes da música de fusão, na síntese de 2000 anos de canto tradicional védico com os timbres e modos da música irlandesa. O mesmo que, sem que ninguém desse conta, e na mesma altura, também fizeram os Mr. Fox e que em “Liege and Lief” iria ainda mais fundo. Depois, foi neste disco que os Fairport contrataram a sua estrela, o violinista Dave Swarbrick, aqui ainda um dos convidados, a par de Ian Matthews, Dave Mattacks (baterista que marcaria a rítmica futura dos FC) e Trevor Lucas (pilar dos Fotheringay). Apesar de três originais de Dylan, “Unhalfbricking” apresenta, pela primeira vez, o estilo distinto que levaria os Fairport ao estatuto mítico de que ainda hoje gozam. Mesmo que Denny lançasse ao vento as dúvidas e a interrogação ao destino – que para si seria trágico – em “Who knows where the time goes?”. “Não receio o tempo”, canta. E é todo um tempo de beleza gloriosa que desaba sobre nós.