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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #52 – “Residents (‘Eskimo’) vs. Biosphere (FM)”

#52 – “Residents (‘Eskimo’) vs. Biosphere (FM)”

Fernando Magalhães
12.12.2001 150332

Então cá vai a minha opinião.

Biosphere é uma aurora boreal. “Eskimo” a noite polar, com os seus demónios a uivar.

São dois universos que não se chegam a tocar.

Um disco como “Cirque” dispõe à contemplação. “Eskimo” perturba e arranca-nos do conforto. Exige um tipo de audição mais “tensa”, o risco é maior.

E convém não esquecer que Geir Jenssen é norueguês enquanto os Residents são americanos. É toda uma diferença de sensibilidades e formas de encarar o som musical.

Pessoalmente, e sem fazer grandes juízos de valor, considero, cada um no seu território, dois discos fundamentais.

FM

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #48 – “Fennesz, Biosphere… (FM)”

#48 – “Fennesz, Biosphere… (FM)”

Fernando Magalhães
03.12.2001 160415

Olá a todos

Comecemos pelo “concerto” dos BIOSPHERE. Que concerto? Em casa ouve-se melhor a música dos excelentes “Substrata” e “Cirque”. Faço minas as palavras de outros forenses que estiveram presentes em Serralves. Que diabo, não teria ficado assim tão caro arranjar um suporte visual qualquer para acompanhar a belíssima música de Geir Jenssen (embora, ao vive, fique sempre a suspeita de estarmos a ouvir, na maioria, sons pré-gravados…).
O anti-acontecimento do ano. Foi pena…

Bastante melhor foi, com efeito, o encontro dos forenses no Labirinto. Imagino que o Mário tenha pago para aí uns 20 contos nos Vodkas .
Também apreciei a celeridade da empregada que servia às mesas no jardim. Super rápida, a miúda! 😀

O Luis M, profundo conhecedor da cidade, confirmou ser um habitué das noites do Porto. 😀

Uma noite bem passada, em suma.

À saída do “concerto”, o Paulo Vinhas, da Matéria Prima, arranjou-me, finalmente, um exemplar do esgotadíssimo “Endless Summer”, do Christian FENNESZ (bem como o “Substrata 2”, de Biosphere e o disco do Rafael Toral, também para a Touch).

Apesar de ainda só ter ouvido o CD (do Fennesz) uma vez, confesso que senti alguma desilusão. Parece-me ser um bom disco, mas não um grande disco. O Fennesz revela-se aqui sobretudo como um “bricoleur” do som e do ruído “harmonizado”, mas os resultados parecem-me não estar à altura do álbum anterior (o do título com as coordenadas geográficas).
Há achados sonoros engraçados, como os do tema de abertura, em que o ruído sugere harmonias quase subliminares, vibrafones cristalinos e sugestões melódicas em temas como “Caecilia” mas sobram sequências demasiado longas daquilo a que chamo “chill out” com rugas…área na qual existe um álbum que reputo de excelente, verdadeiramente hipnótico, na forma como consegue induzir no auditor estados de consciência alternativa, chamemos-lhes assim…: “Pop”, do projecto GAS.
“Endless Summer” pode ser sonicamente mais variado mas não vai tão fundo na investigação psico/musical, como os GAS.

Para já um 7/10, 7,5/10 com alguma boa vontade. Mas é evidente que vou ter que o ouvir mais vezes.

Quanto ao “Substrata”, remasterizado, é uma verdadeira “trip”… já não na biosfera mas na estratosfera 

FM

César Laia
03.12.2001 160421

Tenho esse álbum dos GAS em mp3 há mais de um ano e nunca o ouvi! Se calhar está na altura ouvir 😀

Confesso que gosto muito mais do “Endless Summer” que do álbum das coordenadas. Mas gostos são gostos 

Ah, e a tua sugestão para ouvir Fridge foi preciosa, o “Happyness” é muito bom!  😀
O Número também foi uma semi-desilusão…

César

np: Safety Scissors “parts water”

Fernando Magalhães
03.12.2001 160445

Atenção, que o CD dos GAS não é de audição fácil. É uma espécie de “ambient” intoxicante, repetitiva, que funciona na forma como põe o cérebro a construir arquitecturas virtuais. Somos nós que acabamos por criar, a partir dos timbres “saturados” que o ouvido recebe, uma sinfonia irreal de sons.

Quanto aos FRIDGE…ehehe…eu recomendo a audição do grupo, sem dúvida, mas não através de “Happiness” (qu quase toda a gente neste forum venerou … ), que considero um álbum de certa forma “falhado”, em comparação com os anteriores e, estes sim, altamente recomendáveis, “Semaphore” e “Eph”.

FM

Mário Z.
03.12.2001 160452

Há um pormenor que “facilita” a audição do álbum dos GAS. É que há por lá temas praticamente iguaizinhos uns aos outros… À “segunda” e à “terceira” já não se estranha tanto. 😉

Mais a sério: apesar de gostar bastante do tipo de som dos GAS (ou não fosse eu fã dos Biosphere), considero que o álbum é um disco em parte falhado, precisamente por causa das desnecessárias “repetições”…

Saudações

Mário

PS: Espero que com novas audições as qualidades do “Endless Summer” possam superar os eventuais defeitos… 

Fernando Magalhães
03.12.2001 170511

Se ouvires bem, não são bem “repetições”. Há diferenças subtis de tema para tema.
Também não creio que a música de “Pop” tenha muito a ver com a dos Biosphere. “Pop” terá muito mais a ver com (apesar de na aparência, o som remeter para uma certa ambient tecno…) as estruturas de composição de um Steve Reich ou do próprio Philip Glass da fase inicial. Música mântrica, enfim.

Assim: Espero que com novas audições as qualidades do “Pop” possam superar os eventuais defeitos… 

FM

aavv
03.12.2001 170539

Vocês podiam aconselhar-me um disco do Philip Glass para primeira audição? (nunca ouvi nadsa dele) Já há uns tempos que gostava de saber ao que soa, mas não sei por onde é qie hei-de começar.

aavv

Fernando Magalhães
04.12.2001 150353

Bom, há várias vertentes musicais no interior da obra do Philip Glass. Os discos mais recentes (anos 80) são para esquecer. PG a imitar PG, segundo uma fórmula que se institucionalizou por completo.

Para mim, o melhor dele é mesmo o 1º período, das peças monocromáticas, repetitivas e hipnóticas (um efeito semelhante ao dos Gas, embora com texturas sonoras diferentes) até à exaustão, mas ainda sem os tiques que viriam a marcar grande parte da sua discografia posterior. Refiro-me a “Music with Changing Parts” (71) e “Two Pages/Contrary Motion” (73/75), ambos editados pela Elektra Noinsesuch em versões remasterizadas.

Claro, há a ópera “Einstein on the Beach”, de 1978, considerado o seu magnum opus. Recomendo a versão aumentada, melhorada e remasterizada, de 1993.

Também acho muito curioso um disco pouco conhecido dele, o “North Star”, igualmente dos anos 70, em que o minimalismo se aproxima de um certo rock progressivo a la Magma, sob a influência de Carl Orff.

Claro que depois tens as BSO todas, as óperas grandiosas, enfim o PG average que ajudou a destruir o que de fascinante existia na 1ª geração do minimalismo norte-americano.

FM

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #47 – “Texto, sem cortes, dos Biosphere… (FM)”

#46 – “Texto, sem cortes, dos Biosphere… (FM)”

Fernando Magalhães
30.11.2001 150346

Para quem eventualmente estiver interessado em ler na íntegra o meu texto de hoje no Y sobre os Biosphere, aqui está ele, sem os cortes que tornaram demasiado abruptas determinadas passagens…

Nada de fundamental mudou, mas para o Mário, pode ser importante… 🙂

Há vida no espaço

A estreia nacional, no Porto, do projecto Biosphere, do norueguês, Geir Jenssen, poderá constituir um dos mais espectaculares concertos deste ano em Portugal. Imbuída de uma forte carga cinematográfica, a música electrónica de Biosphere conjuga — a partir de uma depuração da “ambient tecno” de que Jenssen foi percursor — a imensidão dos grandes espaços árticos e o brilho hipnótico de pequenas estrelas vivas. O novo álbum, “Cirque”, abrir-se-á numa dimensão multimédia, para ver, ouvir e sonhar. Como um planetário.

1 – ORIGEM

Biosfera. “A fina camada da superfície da terra e do mar que contém a massa total dos organismos vivos existentes no planeta, que processam e reciclam a energia e os nutrientes disponíveis no meio ambiente” (in “Enciclopedia Britannica”). Em 1990, ao tomar conhecimento do projecto “Biosphere 2 Space Station Project” — uma gigantesca cúpula de vidro fechada instalada no deserto do Arizona — o músico norueguês Geir Jenssen adaptou esta designação ao seu próprio projecto musical. Na estação “Biospehere 2” testava-se a viabilidade da manutenção, no espaço, de uma colónia terrestre auto-suficiente. Na cúpula “Biosphere 2” habitaram várias famílias em completo isolamento do mundo exterior, durante vários anos. Da mesma forma, a música de Biosphere evoca a solidão dos grandes espaços polares e recria a biodiversidade de organismos sónicos em permanante mutação. A sua serenidade advém de uma visão distanciada do planeta, observado a partir do espaço. Música genética que lança a semente das estrelas no húmus do solo da Terra.

2 – AMBIENTE

Nos anos 80, Geir Jenssen integrou o grupo Bel Canto, responsável por dois álbuns editados na editora belga Crammed Discs, um dos quais, “White-out Conditions”, é considerado um clássico da chamada “pop atmosférica”. Atmosfera que viria a revelar-se ainda demasiado densa para a respiração e desejo de silêncio do músico norueguês. O passo seguinte dá pelo nome de Bleep. A electrónica liberta-se do formato da canção pop e passa a desenvolver-se através das pulsações da tecno ambiental, de que Geir Jenssen foi um dos percursores. É já como Biosphere que Jenssen grava os clássicos “Microgravity” e “Patashnik”, este último verdadeiro indutor de sonhos para a geração do “chill-out”. Transe boreal cuja síntese se encontra no cume gelado de “En trance”, tema paradigma da “ambient tecno”. Mas quando “Novelty waves”, retirado de “Patashnik”, é usado como anúncio da Levi, Geir Jenssen percebe que era chegada a altura de partir de novo. Viagem que culminaria nas paisagens de “arctic sound” de “Substrata” e da obra-prima “Cirque”.

3 – ESPAÇO

Depois de Bruxelas e Oslo, Geir Jenssen estabelece a sua residência fixa em Tromso, cidade norueguesa situada 400 milhas a Norte do Círculo Polar Ártico. Aí, longe do caos urbano, a atmosfera é mais límpida e o céu parece estar mais próximo. Biosphere é um telescópio apontado ao negro do firmamento, emissão galáctica, pesquisa de sinais de vida extraterrestres, mas também colónia de organismos microscópicos em agitação atómica sob o manto do “groove” electrónico. “Trabalho devagar”, declarou Geir Jenssen em 1994. O espaço resolve-se no tempo e na distância, que o norueguês considera essencial para a criação musical.

4 – CINEMA

Geir Jenssen afirma que toda a música que o entusiasma tem a capacidade de provocar visões na sua mente. Afinal o mesmo estímulo que o cinema. Não admira pois a relação estreita entre som e imagem que existe dentro da própria estrutura Biosphere, extensiva ao exterior, na composição de bioelectroentidades Biosphere para filmes. Como o clássico do cinema mudo soviético, “The Man with the Movie Camera”, 1929, de Dziga Vertov, com o tema “The silent orchestra”, ou “Kill by Inches”, 1999, de Doniol-Valcroze, bem como a totalidade da banda sonora de “Insomnia”, 1997, de Erik Skjoldbjærg. É ainda Jenssen quem aconselha o ouvinte a construir as suas próprias narrativas e visões.

5 – ILUMINAÇÃO

“Cirque”, editado no ano passado, é o culminar de um trabalho de depuração que em definitivo abandonou o macro-impacto auditivo da tecno. Da embalagem – um digipak luxuriosamente povoado de paisagens e texturas orgânicas que por si só iniciam a projecção do filme interior — ao conteúdo musical, é todo um universo de abstracções, temperaturas, ventos, topografias mentais e alucinações que se desenrola num espectro que vai da busca de auto-descoberta e des paisagens glaciares sem fim ao beat minimal. Cristais de gelo, fauna e flora subliminares, contraponto glaciar e estratosférico da selva tropical nocturna dos Can de “Future Days”. “Cirque” seviu-se como inspiração do livro “Into the Wild”, de Jon Krakauer, crónica de viagens de Chris McCandless que, após anos de viagens solitárias pela América do Norte, em busca da auto-descoberta e da iluminação, terminou a sua demanda nas paisagens desoladas do Alasca, onde o seu corpo acabou por ser encontrado morto, junto com uma nota de SOS.

6 – CRISTAIS

Além das obras já citadas, Geir Jenssen/Biosphere tem a sua assinatura impressa numa quantidade de outros álbuns, entre encomendas, compilações ou simples remisturas. De entre eles destacam-se “Nordheim Transformed”, uma recriação da música do compositor de música electrónica norueguês dos anos 70, Arne Nordheim, elaborada em colaboração com Deathprod, no selo Rune Gramophon, os dois volumes de “The Fires of Ork”, de parceria com o alemão mentor da editora Fax, Pete Namlook, e “Substrata 2”, lançado já este ano, outro digipak com embalagem de luxo, onde cabe a versão remasterizada de “Substrata”, considerado um dos melhores álbuns de sempre de “ambient tecno”. Também deste ano, “Light” reúne pela primeira vez a totalidade dos nove temas compostos para a banda sonora de “The man with the Movie Camera”.

Fernando Magalhães