Ryuichi Sakamoto – “Um Beijo No Rio” – Entrevista

Pop Rock

29 JANEIRO 1997

Brasil “sensual” de Ryuichi Sakamoto

“UM BEIJO NO RIO”

“Sensual”é o termo que Ryuichi Sakamoto utiliza para descrever o seu último álbum, “Smoochy”. As influências vão de Visconti e Godard a Miles Davis, mas a principal, como no caso de Arto Lindsay, é a música brasileira. O Rio de Janeiro, em versão “trip-hop” de um japonês “agarrado” à tecnologia, mas que receia ser subjugado pelo excesso de informação da Internet.


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“Smoochy” é o título do novo álbum do japonês Ryuichi Sakamoto. Influenciado pela música brasileira, prolonga uma tendência já demonstrada anteriormente, quando o antigo elemento dos Yellow Magic Orchestra sugeriu a Arto Lindsay que gravasse um álbum igualmente inspirado nos sons do Brasil. Arto concordou e o resultado foi “O Corpo Sutil” – já recenseado nas páginas deste suplemento –, sobre o qual o americano tece os comentários que podem ser lidos na página mesmo ao lado. Sakamoto produziu ainda a faixa “É preciso perdoar”, com Caetano Veloso e Cesária Évora, para a recente colectânea, “Red, Hot and Rio”.
“Smoochy”, do calão inglês “smooch” (“beijar”), é, nas palavras da editora, um álbum “sensual”, um título bastante apropriado, já que o disco, segundo o seu autor, “foi fortemente influenciada pela música brasileira, cujas melodias tendem para a sensualidade”. O alinhamento compreende 13 temas, nos quais colaboram com o japonês os brasileiros Jaques Morelenbaum, no violoncelo, e Everton Nelson, no violino, que já tinham tocado no álbum do ano passado, “1996”. Amadeo Pace, Arto Lindsay, Yoshiyuki Sahashi, Alexander Sipiagin, Miki Nakatani, Toshikori Mori, Vinicius Cantuária (outro brasileiro, presente em “O Corpo Sutil”), Lawrence Feldman, Vagabond Suzuki, Gil Goldstein e Hiroshi Takano são os restantes músicos convidados de “Smoochy”. O último tema, “Tango”, conta ainda com a participação de Soraya, cantora argentina na berra que preenche regularmente o pequeno ecrã no canal de música mexicano HTV.
Num exclusivo para o PÚBLICO, Ryuichi Sakamoto comentou cada um dos temas de “Smoochy”, explicando previamente as motivações gerais que levaram à sua feitura: “Comecei a escrever as canções para ‘Smoochy’ em Maio de 1995. Afadiguei-me como nunca para compor este álbum. Iniciei o projecto colocando a mim próprio algumas questões que nunca conseguira resolver desde que sou músico: ‘O que é que eu desejo realmente fazer?’, ‘o que é que procuro exprimir quando toco piano?’, ‘por que sinto vontade de escrever novas canções?’, ‘que prazer é que tudo isto me dá?’” Questões pertinentes, sem dúvida, as quais levam a que toda a gente retenha a respiração, na angústia que precede as grandes revelações.
Bom, Sakamoto alivia um pouco a tensão na explicação que dá a seguir: “Após todas estas interrogações pessoais, decidi levar em frente a ideia que já desenvolvera no meu álbum precedente, ‘Sweet Revenge’, isto é, sublinhar a melodia, tendo, desta vez, decidido explorar um pouco mais este potencial. Para isso, tive necessidade de escutar com mais atenção a voz do meu coração…”
Depois, uma espécie de confissão: “Mas, à medida que fazia este álbum, fiquei apanhado pela Internet. Esta interferiu, na medida em que a Internet é um vasto gerador de informação ilimitada. A minha criatividade sentiu-se ameaçada, porque compor é, essencialmente, criar nova informação. Absorver demasiada informação pode constituir um obstáculo para o artista, cuja tarefa é produzir algo de novo. Esta tarefa apela a uma ausência de informação. E a Internet é a antítese disso.”
Faixa a faixa, e apesar da tentação da Internet, o coração de Ryuichi Sakamoto decidiu o seguinte:

“Bibo no aosora”
“Inspirado pelo filme ‘Morte em Veneza’, de Visconti, é uma história acerca da morte, o mar e o céu azul, observados através de óculos com lentes infravermelhas. Mas as principais personagens são femininas, o que difere um pouco da história de Visconti.”

“Aishiteru, aishitenai”
“Põe em destaque a voz de Miki Nakatani, uma actriz japonesa. Após uma entrevista com ela de três horas, colei a sua voz à música. Este processo inspirou-se no processo de montagem utilizado por Jean-Luc Godard nos seus filmes dos anos 60.”

“Bring them home”
“Um ‘requiem’ pelos mortos que invoca uma sensação de profundo desespero. Inspirou-se numa canção muito triste intitulada ‘Five millions dead’.”

“Aoneko no torso”
“Para mim, é uma canção sobre uma sensualidade que não é quente, mas fria.”

“Tango”
“É a história de um homem que foge para a Argentina, depois de ter abandonado a sua terra natal e a sua amante.”

“Insensatez”
“Uma colagem de sons que gravei no Rio de Janeiro. Esta peça também sofreu a influência da obra de Miles Davis nos anos 70.”

“Poesia”
“Os tópicos centrais são o mar, os trópicos, assobiar e o estado de espírito de se estar optimista.”

“Dennogiwa”
“Um conto dos anos 90 sobre o ‘interface’ da ecologia com as redes informáticas.”

“Hemisphere”
“A minha perspectiva sobre uma canção ‘Samba numa nota só’ – a história de um homem que bebe rum todo o dia, sob um sol abrasador, de que se desprende uma sensação de resignação e remorso.”

“Manatsu no yo no ana”
“A primeira canção que escrevi para o álbum. O final é uma interpretação do ar calmo, mas sufocante de Times Square, à meia-noite, que traz à minha cabeça imagens da noite, da lua, da cidade e penumbras azuladas.”

“Rio”
“Outra colagem de sons que gravei no Rio, do mar e miúdos num aeroporto. A melodia principal surgiu, no entanto, quando passeava nas ruas de Nova Iorque de madrugada.”

“A day in the park”
“Desenvolveu-se a partir de uma frase de guitarra de um canção que escrevi para as Geisha Girls, chamada ‘Shonen’. Foi inspirada em manhãs luminosas, em crianças a brincarem no parque, nas suas mães, nos pensamentos dos pais ao compreenderem que os seus filhos um dia os abandonarão. As vozes deste tema pertencem a Vivian Sessoms.”

“Tango (version castellano)”
“Nesta versão, a vocalização é de Soraya.”



Entrevista – Boris Blank (Yello) – “Um Elefante Ao Microscópio”

Pop Rock

26 Março 1997

Yello metem o universo no bolso

Um elefante ao microscópio

Boris Blank fechou-se no estúdio, na companhia de um cão e dos seus amigos sintetizadores e computadores, para criar o seu pequeno universo de bolso, de “bips” e “beats” alinhados nas tendências actuais da música de dança. “Pocket Universe”, o novo álbum dos Yello, é o trabalho de um cientista agarrado ao microscópio. Com a voz de Stina Nordestam e as mãos de Carl Cox.


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Foram pioneiros da electrónica aplicada à dança, mas hoje repetem os passos dos seus seguidores. O êxito e o dinheiro transformaram os Yello de grupo compincha dos Residents num circo de luxo habitado por muito luxo e pouco excesso. “Se tiver um circo pequeno com burros, vacas e patos e ganhar algum dinheiro, vai querer comprar um elefante ou um trapezista”, explicou ao PÚBLICO Boris Blank, sintetista desta banda suíça que um dia gravou um disco tão inovador como bizarro. Chamava-se “Tem que Dizer sim a mais Um Excesso” e tinha um gorila na capa.

PÚBLICO – “Pocket Universe” faz um apanhado de drum ‘n’ bass, house e jungle. O que significa que de pioneiros e líderes de movimento os Yello passaram à condição de seguidores. Isto não o incomoda?
BORIS BLANK – Somos considerados os pais da música tecno, juntamente com os Kraftwerk. Se somos os pais, então devemos ter alguns filhos. Se um filho fizer algo bom, o pai pode ser inspirado por ele. Mas o importante é que a nossa música tem conservado um som que é tipicamente Yello.
P. – A partir do álbum de remisturas “The New Mix in One Go”, esse som tornou-se progressivamente mais comercial. Continua a reivindicar para os Yello esse “campo de experimentação onde tudo pode acontecer”, como diz na folha de promoção?
R. – Digamos que, nos álbuns mais recentes, nos inclinámos mais para as canções. Mas creio que o novo disco é relativamente experimental, do mesmo modo que era experimental aquilo que fizemos há 17 anos, nos dois primeiros álbuns. [N.R. “Solid Pleasure” e “Claro que Si”, para a mesma editora, a Ralph, onde gravavam os Residents.] Mas tenho que reconhecer que gostaria de fazer um tipo de música mais experimental sem preocupações de ser passada na rádio.
P. – Para nós, a obra-prima dos Yello é “You Gotta Say yes to Another Excess”. Pode dizer-se que, hoje, o lema é “You gotta say no another excess”?
R. – Continuamos a divertir-nos e creio que há neste álbum mais excesso do que nos imediatamente anteriores. Tem uma transparência, como se existisse filmes no seu interior. É uma música visual. Para mim, isso é experimental e, nalguns temas, muito excessivo.
P. – “One Second” marcou uma viragem no som dos Yello, que se tornaram numa espécie de pioneiros do electropop. Sentiram nessa altura a pressão ou o desejo de entrar para o circuito da música de dança?
R. – Não, sempre fizemos apenas aquilo que queríamos. Música e diversão. Não pensamos em conceitos prévios para depois aplicar à música. Ao fim destes 17 anos, continuamos a ter o mesmo rosto, não o alterámos recorrendo a qualquer cirurgia plástica.
P. – Em “Pocket Universe”, a voz e os instrumentos foram gravados em separado. É esse o modo usual de trabalharem?
R. – A música surge sempre primeiro que as letras. Só que, desta vez, o Dieter gravou a voz noutro estúdio, trazendo-me uma disquete que eu posteriormente “liguei” à música, como se estivesse a ligar um cabo. Foi uma experiência interessante.
P. – A propósito deste disco, disse que se “deixou flutuar através do maravilhoso cosmos da música”. É mais uma das típicas piadas dos Yello…
R. – É o que tenho andado a fazer nos últimos tempos, a trabalhar em novos temas onde funciono como um cientista que observa os fenómenos através de um microscópio. Pode proceder-se da mesma maneira com os sons, fazer uma síntese e manipulá-los até ficarem totalmente diferentes do que eram antes. É este o meu pequeno universo onde flutuo em cada dia, no estúdio, entre os meus sintetizadores e computadores, que são os meus melhores amigos. Trabalho sempre sozinho. A minha única companhia costuma ser um cão…
P. – Quer dizer que nunca trabalha em conjunto com Dieter Meier?
R. – De facto, não é frequente. Em cada álbum, passa apenas duas ou três semanas comigo. O resto fica a meu cargo.
P. – Em anteriores álbuns convidou para cantar Shirley Bassey, e Billy McKenzie. Em “Pocket Universe” o convite foi endereçado a Stina Nordestam. Por alguma razão em especial?
R. – Quis ter uma voz feminina em “To the sea”, porque achei que este tema ficaria melhor com um registo agudo, em vez de um grave. Gravei-o numa cassete e dei-o a ouvir a Stina, que veio a Zurique já com ele completamente preparado. Acabámos as letras, a harmonia e a vocalização, tudo em três horas. Depois ela desapareceu…
P. – Por que razão convidou Carl Cox para produzir o tema “Magnetic”?
R. – Achámos que devíamos fazer alguma coisa juntos quando nos encontrámos em Zurique para discutir o projecto “Hands on Yello”. Depois, fizemos um concerto juntos, em Dortmund. De novo em Zurique, resolvemos produzir-nos mutuamente. Trabalhámos juntos dois dias, fartámo-nos de rir…
P. – Que opinião tem sobre esse projecto, “Hands on Yello”, de remisturas de temas do grupo?
R. – Acho interessante ver o que as outras pessoas conseguem fazer com as nossas cores sonoras. É uma sensação engraçada. Achei que talvez tenham demonstrado um respeito excessivo pelos Yello. Podiam ter sido bastante mais loucos…
P. – Os Yello têm hoje um êxito considerável. Isso representa para o grupo um alívio ou uma armadilha?
R. – Se tiver um circo pequeno com alguns burros, vacas e patos, é claro que terá que os alimentar. Se ganhar algum dinheiro, vai querer comprar um elefante ou um trapezista, que custam mais caro. O sucesso significa ter mais dinheiro e mais pessoas a virem ao circo. Até agora, têm gostado do nosso circo.
P. – A música do grupo já foi usada em contextos tão diferentes como um filme de animação da produtora japonesa Manga e um “spot” publicitário da cerveja Budweiser. Agrada-lhe este tipo de apropriação?
R. – Absolutamente. São sempre janelas para os Yello, uma montra onde qualquer pessoa pode escutar a música e perguntar quem é que a fez. Talvez gostem dela e vão comprar os discos. Até porque é muito raro tocarmos ao vivo.
P. – Pode dar-nos alguma informação sobre o videoclip de “To the sea”? Tem imagens e uma montagem verdadeiramente espantosas (Manhattan transformada numa gigantesca piscina de mergulhos, com nadadores a lançarem-se do alto dos arranha-céus)…
R. – As primeiras imagens foram feitas sem o Dieter. As imagens em que ele entra foram acrescentadas por um inglês, Paul Morgan, que realizou todo o trabalho. As fotos que tirámos foram feitas em Londres, durante dois dias, dentro de água, numa piscina verdadeira.



Entrevista: Mark Sandman – “Natação Obrigatória”

Pop Rock

5 Março 1997

NATAÇÃO OBRIGATÓRIA

“Low rock” é como Mark Sandman, baixista e “tritarista” dos Morphine, define o som do novo álbum do grupo, “Like Swimming”. Sem fado, mas com mais espaço e dedicatória à música egípcia. E um uso intensivo dos sintetizadores, só porque estavam ali mesmo à mão no estúdio. O regresso a Portugal está marcado para o princípio de Maio.

Depois de “Good”, “Cure for Pain” e “Yes”, o novo álbum dos Morphine, “Like Swimming”, exibe, em simultâneo, as marcas de uma ainda maior contenção e o desejo de experimentar novas paletas sonoras. Mara Mark Sandman, como o próprio explicou ao PÚBLICO, trata-se tão-só de tirar máximo partido das circunstâncias e de aproximar a dinâmica dos espectáculos à alquimia dos discos.


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PÚBLICO – Sobre o novo disco já afirmou que tem “mais subtracção do que produção”. Mas a verdade é que enriqueceram o som com instrumentos como sintetizadores, sequenciadores, órgão electrónico…
MARK SANDMAN – Digamos que acontecem menos coisas ao mesmo tempo. Há mais espaço. Um espaço que funciona como se fosse outro instrumento. Os outros discos já tinham sintetizadores, só que, desta vez, todos esses instrumentos que já usamos desde o início foram misturados mais alto. De resto, o método de gravação foi o mesmo, de maneira a que as canções possam ser tocadas ao vivo.
P. – O que é exactamente a “tritar” que surge na ficha técnica?
R. – É uma invenção minha. Tem uma corda de baixo e duas de guitarra.
P. – A necessidade de um som diferente?
R. – É mais uma questão de ser mais fácil de tocar do que um instrumento normal.
P. – Para os Morphine a técnica é absolutamente secundária?
R. – Sim, a esse nível sentimo-nos completamente perdidos [risos]. Nós tentamos, mas… Eu não tenho técnica do baixo de quatro cordas. Não consigo tocar. Toco uma canção e as mãos já não conseguem…
P. – Apesar disso, o som de baixo dos Morphine faz, por vezes, lembrar um contrabaixo…
R. – Mas convidámos para este disco um amigo que toca contrabaixo, na primeira canção e em “Empty box”. E, em “Hanging on a curtain”, o que parece ser um contrabaixo é, na verdade, um “mellotron”.
P. – “Mellotron” que foi um dos primeiros instrumentos electrónicos a ser utilizado nos anos 60 e, sobretudo, nos 70, pela escola progressiva. O termo “progressivo” assusta-o?
R. – “Progressivo” tem sido um termo cuja definição está constantemente a mudar. Como o “jazz” ou “alternativo”.
P. – “Like Swimming” demonstra um gosto, por vezes subliminar, pelos blues e pelo jazz. São dois universos determinantes no som dos Morphine?
R. – Ouço de tudo. Gosto de um tipo particular de blues, do início dos anos 50, os discos de Muddy Waters dessa época. Há um disco dele fabuloso, sem bateria, somente contrabaixo e “slide guitar”, com mais dinâmica do que qualquer energia rock dos dias de hoje. E muito mais dramático.
P. – Também aparecem em “Like Swimming” ambientes fumarentos, de bares em horas de fecho, um pouco ao modo de Tom Waits…
R. – Em certas canções há, de facto, muito esse ambiente “smoky”, do qual, sobretudo, os escritores gostam muito de falar.
P. – Como é que os Morphine trabalham em estúdio? Sente-se que os processos devem ser diferentes do habitual.
R. – Para a gravação de “Like Swimming”, usámos um gravador de 24 pistas, o que é vulgar nestas situações. Tentámos tocar o mais que pudemos ao vivo no estúdio. Nalguns casos, tivemos de acrescentar sons por cima. Costumamos trabalhar em estúdio bastante depressa, porque as canções vêm quase todas já rodadas dos espectáculos ao vivo. Mas acontece que acabamos por usar bastantes “overdubs”, por uma razão muito simples. É que depois de gravarmos a banda a tocar em conjunto, sobram ainda uma quantidade de pistas vazias. Nessa discutimos entre nós e incluímos toda a espécie de efeitos bizarros, utilizando tudo o que temos à disposição no estúdio. Daí a tal inclusão dos sintetizadores ou do “mellotron” nas misturas de “Like Swimming”, só porque, na altura, estavam ali…
P. – O que, ao vivo, é impossível de fazer. São uma banda diferente, nos concertos?
R. – Ao vivo, temos de fazer com que a coisa funcione só com três pessoas. Penso que soamos melhor ao vivo, o que, para mim, é óptimo, na medida em que aço que os nossos discos já são óptimos!… Já agora, tivemos uma quantidade de pedidos de entrevistas em Portugal, o que nos espantou, tratando-se de um país tão pequeno. Talvez cinco vezes mais do que as que tivemos em Inglaterra… Porquê? O grupo tem obtido uma reacção espantosa em Portugal. Posso dizer que a minha estadia aqui, quando o grupo veio cá tocar, influenciou totalmente a minha maneira de compor. Talvez fosse por causa de todas as sardinhas que comi, não sei!…
P. – A propósito disso, declarou no passado que iria usar um fado neste disco. Não cumpriu a promessa…
R. – Não usei, de facto, nenhum fado, mas isso não significa que a influência não esteja presente… O que talvez explique a boa reacção dos portugueses aos nossos discos…
P. – Também falou numa orquestra egípcia…
R. – Bem, mas isso aparece no tema instrumental de abertura, “Lilah”. Fizemos uma versão mais produzida, com vozes, e uma utilização intensiva de um naipe de cordas, mas não ficou pronta a tempo de entrar no álbum. Acontece que tenho vindo a interessar-me a fundo pela música egípcia, nos últimos anos. Descobri uma das superestrelas da música egípcia, Oum Kalsum [ou Kalthoum, por coincidência, uma das vozes preferidas por Amália Rodrigues]. Gravou cerca de 300 álbuns. E há um número enorme de bandas, uma cena pop egípcia com uma quantidade de estilos diferentes.
P. – Reconhece que não é vulgar um músico de rock interessar-se por esse tipo de sons?
R. – Na verdade, não ouço muita música pop quando estou em casa. É como ler um livro, não estou constantemente a ler livros, uns a seguir aos outros. Mas nessas ocasiões, ou quando estou a conduzir, ouço sempre discos que nunca, mas nunca, passam na rádio. Além de Oum Kalsum, música irlandesa, músicos irlandeses qjue tocam em todo o lado e vão para casa gravar discos e tocar durante horas e horas sem parar. Pessoas que aprenderam por elas próprias, cujo único prazer é tocar, sem se preocuparem em ser “pop stars”.
P. – Os Morphine também seguem os seus próprios métodos. Por exemplo, nas digressões, recusam-se a fazer as primeiras partes de outros artistas. Por alguma razão em especial?
R. – É muito mais divertido assim. Queremos que as pessoas venham para ver e ouvir os Morphine e não outra banda qualquer.
P. – O termo “post rock” diz-lhe alguma coisa?
R. – Absolutamente nada. O termo que se aplica a nós é “low rock”.
P. – Os Morphine vão voltar a actuar em Portugal proximamente?
R. – Sim, no próximo dia 1 de Maio, no Coliseu, em Lisboa. Só falta a editora confirmar.