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Yello – “Baby”

Pop-Rock Quarta-Feira, 31.07.1991


A MÁQUINA DO PRAZER

YELLO
Baby
LP / CD, Mercury, distri. Polygram



Entre os passatempos preferidos de Dieter Meier, vocalista de olho azul e ar alucinado do suo suíço Yello, contam-se o circuito regular pelos casinos da Europa e a narração de feitos de um antepassado gorila.
Curiosidades que ajudam a explicar um pouco o carácter lúdico e o humor “nonsense” da música e filosofia do grupo. “Baby” é, até à data, o exemplo mais acessível, mas também mais previsível dos seus métodos e estratégias de sabotagem.
Os primeiros exercícios “Solid Pleasure” e “Claro Que Si” não escondem o fascínio dessa época pela lógica do absurdo e pelas desfocagens estruturais, ao mesmo tempo que revelavam já uma das facetas posteriormente exploradas até à exaustão – a colagem de estilos, a mestria absoluta da electrónica, a construção de cada canção como uma curta-metragem experimental, a tendência para o calor e coloridos latinos (Dieter Meier e Boris Blank cedo deixaram crescer o bigode, o último adoptando a pose de “matador” de olhar “macho” e cabelo empastado em brilhantina).
“You Gotta Say Yes to Another Excess”, tribal até ao absurdo, heterodoxo até à loucura e, ainda por cima, dançável, atinge o apogeu eufórico na arte de conjugação dos extremos, bem expresso na imagem do gorila, “pai do excesso”, que desce da floresta amazónica até ao empedrado de Montmatre. Faltava envernizar o produto e apresenta-lo envolto em roupagens “à la page”, destinado ao consumo nas discotecas. “One Second”, “Flag” e este “Baby” limitam-se a polir as arestas mais cortantes e a exagerar a sedução do cabaré intergaláctico entretanto tornado imagem de marca. Em “Baby” são ainda e sempre o apelo fantasmagórico de Carmen Miranda, o calor dos trópicos, o “filme negro” e a “dolce vitta”, segundo as regras do acaso falseado e os ensinamentos rítmicos dos Kraftwerk. Abandonado o obscurantismo experimental da fase inicial, os Yello transformaram-se numa espécie de máquina de prazer que neste disco continua a trabalhar em pleno, ainda que os mecanismos do seu funcionamento já não sejam segredo para ninguém.
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Yello – “Essential Yello” (vídeo)

pop rock >> quarta-feira, 13.01.1993
Vídeos

BARRACA BARROCA


YELLO
Essential Yello
62’52”, Polygram Vídeo, distri Polygram



Correspondente em imagem ao disco e CD do mesmo nome reunindo alguns dos maiores êxitos da banda suiça de electropop, tendência dadaísta. Boris Blank, bigode, ar de engatatão latino, e Dieter Meier, bigode, “dandy” quarentão alisado a brilhantina, privilegiam o humor em detrimento da seriedade. Gostam de dar barraca. Faixa a faixa, encenam pequenas peças de absurdo, iluminadas a cores primárias – amarelo, verde, azul e vermelho -, servindo-se sobretudo do jogo histriónico e da gestualização levada ao ridículo. Requebros de galinha, esgares mirabolantes, poses “macho” e de matador compõem uma comédia em que as personagens secundárias (invariavelmente, uma “partenaire” com ar de escriturária à moda antiga que faz de mulher fatal e é cortejada de todas as formas e feitios e uma miúda novinha no papel de anjinho “kitsch”, cheia de sedas e auréolas) acentuam ainda mais o lado cómico e descabelado da acção.
Há corridas de automóvel com a menina Henriqueta (chamemos assim à senhora de óculos que parece sempre ter acabado de despir a bata), que é mais rápida que os bólides, Boris a fazer olhinhos de carneiro mal morto à menina Henriqueta que se vestiu de adolescente e se enfiou num descapotável “sixties”, Dieter a morrer de amores (pela menina Henriqueta?) e solidão num parque de diversões, caçadas numa selva de plástico, serenatas a manequins como o de “In every dreamhome a heartache”, de Bryan Ferry, e máquinas de “flippers” animadas. Ou seja, é quase sempre a brincar e em ritmos fortes, visto que a maioria dos temas, os mesmos dos formatos áudio (com excepção de “Driver/driver”, que no vídeo foi substituído por “Who’s Gone?”), são os mais comerciais e os escolhidos para a edição em single. Tudo num registo barroco recortado a papelão com forro dourado.
Duas canções escapam à tónica dominante: “Bostich”, um exercício de estética industrial criado na época em que os Yello rivalizavam em estranheza com os Residents, na editora Ralph, e “The rhythm divine”, na qual os dois suiços se rendem à voz de Shirley Bassey, deixando a câmara ocupar-se com ela, pondo por uma vez de lado a folia.
O único senão de “Essential Yello” é a insistência numa única fórmula. A concepção estética dos diversos clips é idêntica. As caretas, à medida que se avança através dos 16 temas, vão perdendo a graça, a iluminação, de chocante, passa a embirrante. Por fim, até a batida “disco” e as vozes de fantoche típicas dos Yello acabam por tornar-se maçadoras. Sabe-se como as imagens podem ser redutoras da mensagem musical, banalizando-a e tornando explícito o que vivia da sugestão. “Essential Yello” sofre deste mal. Salvam-se as coreografias patuscas e as expressões de virgem louca da menina Henriqueta. (6)

Yello – “Essential Yello”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 04.11.1992


A PIADA ASSASSINA

YELLO
Essential Yello
CD, Mercury, distri. Polygram



Não há muitas bandas como os Yello. Misturam tudo. Não respeitam nada. E ainda por cima divertem-se. São dois, suiços, e provaram que a electrónica pode ser uma anedota bem contada. No início, Boris Blank, o mago dos circuitos integrados, e Dieter Meier, o vocalista do bigode que gosta de se passear pelos casinos da Europa, deixaram-se fascinar pelos Residents, os tais americanos de que ninguém conhece os nomes. “Solid Pleasure”, a estreia, gravada no selo Ralph, o mesmo dos criadores de “The Third Reich ‘n’ Roll”, não escondia o fascínio. Depois de um álbum de transição, “Claro que Si”, e outro de excepção e imaginação transbordante, talvez o seu melhor de sempre, “You Gotta Say Yes to Another Excess”, os Yello tornaram-se coqueluche das pistas de dança e a sua música foi-se aos poucos tornando mais previsível. “Stella”, o duplo de remisturas “1980-1985, the New Mix in One Go”, “One Second”, “Flag” e “Baby” inflectiram decididamente na vertente dançante, sem que com isso os Yello deixassem de carregar em força na tecla do humor e da diversidade. “Essential Yello” inclui temas de todos estes discos, considerando como “essencial” precisamente a tal faceta acessível, herdada dos ritmos robóticos dos Kraftwerk e acrescida do “pico” de decadência elegante (e muito europeia) e do espírito de síntese que permite aos Yello condensarem os seus delírios no formato de canções. Opção, discutível e subjectiva como qualquer outra, que talvez se justifique por ter sido essa acessibilidade que projectou a banda na cena internacional. Os Yello juntaram duas atitudes que na aparência se julgaria serem incompatíveis: o experimentalismo e o “kitsch” típico da genuína música de variedades. Nesta dialéctica entre a seriedade (nunca inteiramente assumida, nem sequer no primeiro álbum, em que as pistas já começavam a baralhar-se) e uma ironia muito fina, que abre as portas ao niilismo e à destruição dos lugares-comuns da música popular (e nisto os Yello mostram que aprenderam com os Residents), se joga todo um equilíbrio de formas e conceitos. Eles são diabos disfarçados, “jokers” cómicos e simpáticos, vestidos de muitas cores, como nos vídeos, e de muitas músicas, que assassinam e vampirizam até não lhes sobrar pinta de sangue. Que outra banda, senão os Yello, conseguiria convocar para as suas orgias Frank Sinatra, Bowie, as orquestras de mambo, as bandas “mariachi”, o cha-cha-cha, Kraftwerk, o sado-masochismo, o heavy metal, o som Stax, o disco-sound, o swing, Roxy Music, o tango, Afrika Bambaata, corridas de automóveis, ritmos africanos, Residents, Donna Summer, a voz de um gorila, o “film noir” e um romantismo de puxar às lágrimas? “Essential Yello” é tudo isto a um ritmo desenfreado, presente nalguns dos temas mais populares destes suiços sem fronteiras: “Oh yeah”, “The race”, “Vicious games”, “Tied up”, “Of course, I’m lying”, “Lost again”, “I love you” ou o emblemático “The rhythm divine”, vocalizado por Shirley Bassey e no qual a música dos Yello encontra a sua verdadeira essência. (7)