Vitorino – “Sob O Signo Da Rosa-Cruz” (concerto)

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


SOB O SIGNO DA ROSA-CRUZ



Vitorino de frente para o mar. Fim de uma viagem, início de outra. Da planície queimada do Alentejo, para a Lisboa Boémia. Da noite de Lisboa do princípio do século, para Lisboa capital do império que há-de vir, ou não vir. Num concerto intimista em que as palavras, dadas as óptimas condições do auditório, não terão dificuldade em se fazer ouvir. Uma acústica “fantástica”, assim define Vitorino o auditório principal do Centro Cultural de Belém. Espaço ideal, portanto, para se ouvir o canto “a capella” que haverá entre ele e o irmão, Janita Salomé. “Um elogio da voz”, diz o intérprete das palavras de Lobo Antunes, no recente “Em Que Me Comovo por tudo e por nada”, a propósito da tónica principal do concerto: “Nós nunca deixámos de ser cantores. Continuamos a pensar que cantar é uma coisa que se deve fazer bem. Os anos 80 foram de desvirtuamento do ‘cante’. O que ficu de reserva foi uma certa música étnica, tradicional, que guardou esse gosto de cantar e que está agora a reviver.”
Mas se o “cante” alentejano estará presente em força, isso não significa a exclusão da vertente urbana da música de Vitorino: “A primeira parte será mesmo com o ‘Eu Que Me Comovo…’, na segunda é que iremos andar para trás na história.”
O cantor alentejano elogia as condições técnicas do auditório, mas não deixa de criticar a sua gestão: “É um espaço que se calhar está mal administrado – vou começar já a levar porrada [risos] -, sente-se pelo menos que é polémica a administração daquilo. Se já se demitiram tantos directores em tão pouco tempo, é porque alguma coisa não está bem…”
Critica que não impede Vitorino de reconhecer no local uma carga mítica importante: “Estão por perto os Jerónimos, há muita simbologia… No outro dia olhei para lá e vi uma Rosa-Cruz. Os mistérios que andam por ali…”
Coincidindo com o concerto de Belém, será editado pela EMI-VC uma antologia de canções do cantor, com o título “As mais Bonitas”. Um lote de canções que o próprio Vitorino escolheu em conjunto com David Ferreira, da editora, e do qual fazem parte um novo arranjo para o já clássico “Menina estás à janela”, uma nova versão de “Laurinda” e, pela primeira vez, “Ó rama, ó que linda rama”.
Fim de um ciclo e início de outro. Pronto a sair já no início do próximo ano, está um duplo-álbum dos Lua Extravagante, assim como discos a solo de três dos seus membros: o próprio Vitorino, Janita Salomé e Filipa Pais. Lua Extravagante que irá participar no concerto de Vitorino, na quinta e sexta-feira próximas. Os restantes músicos presentes serão João Paulo Esteves da Silva, piano e direcção musical, o Quarteto de cordas Lusitânia (Jorge Varcoso, Hilary Harper, Luís Santos e Rogério Gomes), Mário Franco, baixo, Rui Alves, percussões, e Paulo Curado, sopros. “Flor de la Mar”, poder-se-ia dizer. No local próprio.
Centro Cultural de Belém, Lisboa,
18 e 19 de Novembro, 22h.

The Alan Parsons Project – “Try Anything Once”

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


The Alan Parsons Project
Try Anything Once
BMG, distri. BMG



Não fora a boa produção, o que não admira, tratando-se, como é o caso, do produtor de “The Dark Side of the Moon”, e “Try Anything Once” seria a nulidade completa. Ah, sim, escapa também a qualidade fotográfica das imagens do folheto, na mesma linha das de “Wish You Were Here”, agora com corpos pendurados na vertical, à laia de peças de talho, a pretenderem ser surrealistas À maneira de Magritte. Alan Parsons até entrou bem quando começou a assinar discos como compositor, com umas “Tales of Mystery and Imagination”, inspiradas em contos de Edgar Allan Poe, góticas e com alguma originalidade. Depois foi-se afundando a pouco e pouco, à medida que os bolsos, a pouco e muito, se foram enchendo. E alegremente se chegou a mais este álbum conceptual sobre não se percebe bem o quê que um tal Mr. Miles atravessa e lhe provoca grandes dúvidas e sofrimentos existenciais. A música, chamemos-lhe assim, está alinhada entre os Supertramp e a escória dos efeitos especiais que sobraram dos discos dos Pink Floyd. A salpicarem canções MOR (“middle of the road”) que procuram apelar ao gosto consumista dos “tops” americanos e que ou nos enganamos muito ou vão mesmo consegui-lo. (1)

Ry Cooder – “Trespass”

pop rock >> quarta-feira, 17.11.1993


Ry Cooder
Trespass
Sire, import. Contraverso



Os caminhos de Walter Hill, cineasta especialista em filmes de acção, e Ry Cooder, o papa da “bottleneck guitar”, voltam a cruzar-se depois de anteriores colaborações em “The Long Riders”, “Southern Comfort”, “Streets of Fire” e “Crossroads”. Ao contrário das sonoridades lânguidas da guitarra que nos últimos anos fizeram a sua imagem demarca junto do grande público, muito por culpa da banda sonora que assinou para Wim Wenders em “Paris – Texas”, “Trespass” é uma deflagração de violência e de metais em colisão que remete mais para grupos como os Test. Dept. e Einstürzende Neubauten do que para as refracções vítreas da guitarra que ilustram parte da sua discografia. “Jazz”, é claro, é obra-prima à parte. No fundo é como se Ry Cooder estivesse aqui a sacudir uma imagem “clean” que apenas em ínfima medida é a sua, lembrando, a quem já o tinha esquecido, a sua colaboração no passado com um dos primeiros profetas da dissonância, Don Van Vliet, mais conhecido por Captain Beefheart. Dos quadros ambientais e corrosivos de “Orgill bros.”, “Totally boxed in” e “We’re rich” (semelhança com a música de Peter Principle) e das percussões industriais de “Trespass” (main title)”, “Goose and lucky”, “Give’em cops” e “Lucky in the trunk” às duas canções que fecham o disco, “King of the street” e “Party lights” (dedicatória nocturna à “country music”, com Van Dyke Parks, nome mítico da moderna música americana e seu amigo de longa data). “Trespass”, com o trompete de Jon Hassell sempre discreto mas determinante na criação da trama ambiental, funciona como um martelo-pilão que esmaga por completo qualquer preconceito que pudesse subsistir sobre a música de Ry Cooder. Longe ficaram desta vez a respiração dos grandes espaços e a limpidez de uma guitarra de cristal. (7)