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Dina – “Gabar Dina”

pop rock >> quarta-feira, 08.12.1993


GABAR DINA



Depois de, entre outros, os Pink Floyd terem lançado uma caixa contendo quilos da sua música tecno-espacial, postais ilustrados e uma enciclopédia, os Jethro Tull terem embalado as suas flautadas sobre uma perna só numa caixa de charutos e os Police terem disfarçado a caixa no livro de regulamentos da PSP, chegou a vez de Dina apresentar a sua caixa.
A única diferença entre os citados nomes e a K. D. Lang da nossa praça (a fotografia da capa mima na perfeição a figura e a pose da cantora americana) é que a portuguesa encaixotou apenas para a crítica, à semelhança, aliás, de “The Red Shoes” de Kate Bush, que chegou aos jornais enfiado numa caixa de sapatos. A caixa de Dina (ver foto) foi fabricada em pinho claro, numa alusão subtil ao facto de algumas das letras de “Guardado em Mim” (assim se chama o disco colectânea) serem assinados por António Pinho, o da Banda do Casaco. O aspecto geral é o de uma daquelas urnas miniatura que servem para conservar as cinzas dos defuntos, embora de tonalidade mais alegre. Mas também pode servir para guardar jóias, droga, dinheiro, multas por pagar, bombons, fotografias, colecções de cromos ou, em caso de falta de espaço, discos compactos previamente dobrados.
Dentro da caixa vem confortavelmente instalado o disco, acompanhado de um folheto promocional, impresso em cor de folha de tabaco. Logo nas primeiras linhas explica-se que “chamar a atenção da gente nova deste país sem perder apreço dos mais velhos é um dos méritos da música de Dina”. Esse e outros, por exemplo o de todas as canções serem potenciais vencedoras do Festival da Canção, com francas hipóteses de alcançarem o 14º lugar no da Eurovisão. A fechar, aparece mesmo “Há sempre música entre nós”, com a qual Dina participou no célebre festival internacional de Slunchev Briag, na Bulgária, obra-chave da tradição festivaleira mundial. Guardado está o pedaço para ela. No âmago da caixa.

Palma’s Gang – “Ao Vivo No Johnny Guitar”

pop rock >> quarta-feira, 01.12.1993


Palma’s Gang
Ao Vivo No Johnny Guitar
Ed. Polygram



Uma das correntes dominantes no panorama discográfico nacional passa pela reciclagem da forma das canções, experiência formal em que a criatividade se desloca da composição para se concentrar nos arranjos. “Ao Vivo no Johnny Guitar” é um álbum de rock, cheio de músculo e acidez. Um “álbum de guitarras”, como agora se costuma dizer. Há quatro: uma a guitar do canal esquerdo, de Flak, outra do lado direito, de Zé Pedro, e duas ao centro, de Alex e do próprio Jorge Palma. “Shut up and play your guitar” – é Palma a citar Zappa num disco que, de certa forma, podemos comparar a “Nadir’s Big Chance”, de Peter Hammill (um autor sempre próximo no espírito do português), na maneira como ambos recuperam para um formato rock uma obra em que a palavra, fulcral em ambos, recusa por norma o espartilho de um estilo determinado.
A utilização do rock, com a sua rítmica própria e primária, funciona então emparte como um desafio (aguentarão as canções serem reduzidas à sua forma mais simples?) em que se procura transmutar as limitações do género em acréscimo de energia. Por um lado, é uma certa forma de escapismo, no sentido não depreciativo de libertar tensões acumulads. Catarse necessária. Um exercício de ginástica.
“Com Uma Viagem Na Palma Da Mão”, “Té-Já”, “Acto Contínuo”, “O Lado Errado da Noite” e “Bairro do Amor” contribuem todos com canções sistematicamente esventradas pelas guitarras em quase permanente distorção. Momentos de calma só quando a guitarra acústica de Jorge Palma estanca a fúria em “Maçã de Junho” e num “Bairro do Amor”, que surge como um abrigo no meio de uma tempestade que atinge a máxima violência numa “Razão de Estado” de fazer ranger os dentes. (7)

Paul McCartney – “Paul Is Live”

pop rock >> quarta-feira, 01.12.1993


Paul McCartney
Paul Is Live
Parlophone
Distri. EMI-VC



Uma brincadeira que não deixa de ser divertida esta do regresso, depois de “Off the Ground”, de Paul McCartney, num registo ao vivo de uma digressão realizada no princípio deste Verão pelos “States”. O gozo começa logo pela capa, na qual Paul se deixou fotografar a atravessar a mesma passadeira de peões de “Abbey Road”, desta feita acompanhado apenas por um cão. Depois, o folheto refere a digressão como tendo sido realizada “in the new world”, recorrendo ao velho chavão que serviu para designar a América do Norte, dando a entender tratar-se da primeira vez que Paul aí actuou. Mas o gozo maior vem sobretudo da música. “Paul Is Live” é o álbum mais “beatleano” de toda a carreira a solo ce “Macca”. Ao lado de êxitos pessoais como “Here, there and everywhere”, “My love”, “Live and let die” ou o recente “Hope of deliverance” surgem velhos temas dos Beatles interpretados – e isto é que é espantoso – com arranjos e vocalizações bastante fiéis aos originais: “All my loving”, “We can work it out”, “Michelle”, “Magical mystery tour”, “Lady nna”, “Paperback writer” e “Penny Lane”. Como se Paul fosse de súbito acometido por um desejo incontrolável de voltar a aninhar-se no útero materno. Um jogo de gato e rato com a memória. Para a graça ser total, o ex-Beatle atira-nos no final com 45 segundos de zumbido de um ensaio de som, seguido de três ensaios de canções. O homem, diga-se o que disser, não perdeu o sentido de humor. (6)