pop rock >> quarta-feira >> 15.03.1995
FICÇÕES TELEPÁTICAS

“DANÇA DA LUA” É O TÍTULO DO SEGUNDO álbum do grupo Ficções, com lançamento previsto para finais da Primavera e selo Polygram. Ao contrário do disco de estreia, em que participou cerca de uma dezena de convidados, o novo registo tira maior partido das possibilidades interpretativas e de diálogo entre os três principais músicos da banda, Rui Luís Pereira (Dudas), na guitarra e kalimba, Yuri Daniel, baixo eléctrico, e Alexandre Frazão, bateria e percussões, aos quais se juntaram, nas gravações, o teclista Alexandre Manaia e o saxofonista-soprano Jorge Reis. “Há temas muito mais improvisados”, diz Dudas, destacando neste novo álbum “uma maior liberdade” e “uma sonoridade mais crua”. “Porque é que a gente há-de tocar todos ao molho e fé em Deus?”, pergunta Dudas, aludindo aos temas baseados no trio guitarra, baixo e bateria. Alexandre Frazão refere mesmo uma “empatia telepática” existente entre os músicos, fruto de um conhecimento mútuo que foi crescendo ao longo dos sete anos que os Ficções já levam de exist~encia. “Não é preciso dizer o que o outro vai fazer. As coisas simplesmente acontecem.”
De um disco para outro transitou a apetência dos Ficções pelos sons de tradições musicais não ocidentais, nomeadamente do Brasil, África e Oriente. “Dança da Lua” inclui um “Choro espreguiçado”, de influência brasileira, uma “Dança crioula” e outros temas, como “Tao”, “Kwela p’ró Mandela” e “Zambra”, que remetem para ficções sonoras em que se cruzam linhas de força musicais de proveniências diversas. Há mesmo a interpretação de um tema do alaudista árabe Rabih Abou Khalil, “Nadim”, e a presença de um tocador de kora guineense, Sadjo Djolo Koiaté, em “Kalimba II”, continuação de um tema do mesmo nome presente no primeiro disco da banda. “É uma filosofia que a gente tem, o que nos define, estarmos virados para o Atlântico. Há a procura musical e até filosófica, de fundir vários elementos que têm a ver connosco. Na nossa música está patente a diáspora da cultura portuguesa”, explica Dudas, enquanto o baterista diz que se trata apenas de “sintetizar” tudo aquilo de que o grupo gosta.
Em “Danças da Lua”, obra inteiramente instrumental, as sonoridades étnicas do kora ou da kalimba entram em diálogo com as novas tecnologias, como a nova guitarra Midi que Dudas adquiriu recentemente em França. “Procuramos sempre referências étnicas. O facto de se usar um sintetizador permite trabalhar esses timbres. Uma das componentes da nossa composição é a pesquisa tímbrica. A mistura dos timbres electróncios com os acústicos.”
Pouco divulgada em Portugal, em parte “por culpa dos ‘media’, que nunca deram muito apoio”, mas também devido à dificuldade extra de ser instrumental, é no estrangeiro que a música dos Ficções tem sido mais bem recebida, sendo colocada ao lado de experiências de fusão do mesmo tipo e comparada a nomes como Vicente Mendonza, Carlos Benavente ou Jorge Pardo. Em França, por exemplo, houve quem definisse o som do grupo como “nova música mediterrânica”. Mesmo assim, o primeiro disco teve, segundo dizem, “um sucesso razoável”, traduzido em vendas na ordem dos 1300 exemplares. “É o primeiro grupo instrumental que chega ao segundo disco”, afirma, com orgulho, Alexandre Frazão. “Somos teimosos, queremos que as pessoas prestem mais atenção ao que fazemos.”