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Ryuichi Sakamoto | Yellow Magic Orchestra – “A Beleza Da Nova Geografia”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 13 JUNHO 1990 >> Videodiscos >> Pop

A DISCOTECA

A BELEZA DA NOVA GEOGRAFIA

Ryuichy é um dos inventores da “World Music”, versão nipónica. Ou seja, filtrada pela tecnologia mais sofisticada. Não são só baleias e Amazónia. As luzinhas e os dígitos também contam. Para ele o mundo não tem fronteiras. Como em “Beauty”, o seu disco mais recente.



Os japoneses adoram fabricar marionetas que funcionam a eletricidade. Entre as quais umas que têm a ver com música. Os europeus chamam-lhes eufemisticamente “aparelhagens”. Gira-discos, gravadores, leitores de CD – esse tipo de coisas. Reprodutores de som. A certa altura pensaram que, além de reproduzir, também podiam perfeitamente construir máquinas que produzissem som: sintetizadores, samplers, com muitas luzinhas e tecnologia digital.

Magia Amarela

Os Yellow Magic Orchestra eram um trio de jovens fanáticos da eletrónica: Yuki Takahashi, Haruomi Hosono e Ryuichi Sakamoto. Sakamoto rapidamente se revelou o mais apto, seguindo os mecanismos naturais da seleção das espécies, dando desde logo início a uma carreira a solo paralela à dos YMO.
Os Yellow Magic gravaram ao todo nove álbuns, alguns deles de edição japonesa exclusiva e por isso de mais difícil acesso. Os dois primeiros, “Yellow Magic Orchestra” (78) e “Multiplies” (79) são brilhantes exercícios de technopop temperada pela tradicional elegância nipónica. Tiveram honras de edição nacional. “Public Pressure”, “BGM”, “Solid State Survivor” e “Technodelic” são menos pop e mais experimentais, este último uma lição exemplar na arte do “sampling” e das manipulações eletrónicas. “Naughty” (83) é cantado exclusivamente em japonês. “Service” e “After Service” (ao vivo) são os derradeiros testemunhos de uma banda que nunca obteve, fora de portas, o êxito que logrou alcançar no seu país de origem.

Cidadão Do Mundo

Ryuichi Sakamoto, pelo contrário, é hoje um cidadão do mundo, com o duplo privilégio de imprimir às suas obras uma marca de inconfundível qualidade e ainda por cima conseguir vendê-las. Apreciador de Coltrane, Jobim, Cage, Beatles, Debussy e Satie, enveredou inicialmente por vias próximas dos YMO. “The 1000 Knives Of Ryuichi Sakamoto” (78) revela-nos um exímio operador de computador e um pianista apostado em transformar o fraseado satiano em pirotecnia à Rick Wakeman. “B2-Unit” (80, com alguns temas misturados pelo mestre do “dub”, Dennis Bovell) e “Left Handed Dream” (81) ostentam já os germes de posterior atitude – de mistura e síntese de géneros e culturas musicais diferentes, servidos por uma abordagem mais comercial. “Illustrated Musical Encyclopedia” (“Ongaku Zukan”, na edição original japonesa) e “Esperanto”, de meados da década, continuam por esta via, o primeiro incluindo um tema de parceria com Thomas Dolby, “Field Work”, o segundo comissionado para uma coreografia da nova-iorquina Molissa Fenley. Segundo Sakamoto, “não existe nenhuma cultura pura no mundo. Todas se misturam e influenciam mutuamente. O Bali fica ao lado de Nova Iorque e logo a seguir é Tóquio, ou talvez Hamburgo… Temos de ter esta espécie de mapa diferente na cabeça”.
“Neo Geo” é bem o manifesto musical desta nova geografia, juntando a Ásia à Europa e à América. O disco é produzido por Bill Laswell e o tema “Risky” cantado por Iggy Pop. A África é contudo o continente onde por fim desagua a música do japonês. “Beauty”, gravado o ano passado, rende-se incondicionalmente aos ritmos negros e à dança. A lista de convidados é extensa e luxuosa: Youssou N’Dour, Arto Lindsay, Robert Wyatt, Brian Wilson, Shankar ou Robbie Robertson são apenas alguns dos mais ilustres. Para descobrir como é possível juntar, no mesmo disco, o mestre das brasileiradas Arto Lindsay, o neuro-depressivo Wyatt e o ex-Beach Boy Wilson é preciso ouvi-lo.

Capitão Yonoi

Ryuichi também não descura a imagem. Ou seja, é ator. Excelente o seu capitão Yonoi, em “Merry Christmas Mr. Lawrence”, de Nagisa Oshima, ao lado de David Bowie, Tom Conti e Beat Takeshi. Talvez menos em “The Last Emperor” de Bernardo Bertolucci. Compôs música para a banda sonora de ambos e para o desenho animado “Kitten Story”. “Tokyo Melody” é um documentário centrado exclusivamente sobre a sua figura. Ele próprio realizou dois vídeos: “Adelic Penguins” e “Esperanto”.
Como homem dos sete ofícios que é, produziu e tocou nos discos “Brilliant Trees” e “Hope In A Darkened Heart”, respetivamente de David Sylvian e Virginia Astley. A colaboração com Sylvian vem, aliás, já de longa data. Desde os tempos em que contribuiu com uma canção sua para o álbum dos Japan, “Gentlemen Take Polaroids”, passando pelo já citado “Merry Christmas”, em que Sylvian agradece e retribui interpretando “Forbidden Colours”. O mundo, depois de “Beauty”, pertence a Ryuichi Sakamoto.

Yellow Magic Orchestra – “Orquestra De Autómatos” (artigo a propósito da reedição em CD de “Naughty boys”, “Service” e “Technodelic””

Pop Rock >> Quarta-Feira, 05.08.1992


ORQUESTRA DE AUTÓMATOS

As reedições de “Naughty boys”, “Service” e “Technodelic”, álbuns até agora disponíveis apenas nas terras do Sol Nascente, juntamente com a colectânea “The besto f YMO”, compõem o lote de CD dos Yellow Magic Orchestra a partir de agora distribuídos em Portugal pela Variodisc. Techno-pop pelos discípulos dos Kraftwerk, da época em que Ryuichi Sakamoto ainda não era “superstar”.



Uma das inúmeras bandas que fizeram discipulado na Academia Kraftwerk, os Yllow Magic Orchestra nunca deixaram de apresentar características muito pessoais que lhes permitiram distinguir-se da cacofonia de “bips” e “ploinks” que à entrada dos anos 80 se fazia ouvir um pouco por todo o mundo.
“Techno-pop” era como então se chamava à resposta da electrónica ao império dos três acordes de guitarra, que durante escassos mas explosivos anos dominou a cena musical sob a designação de “punk”.
Houve, de certo modo, uma transição entre a sujidade e as rugosidades da selvajaria punk e o brilho anti-séptico dos sintetizadores. Essa ponter encontra-se na chamada “música industrial” que transpunha o lixo e o horror para um contexto tecnológico, das grandes urbes em decadência. Em Inglaterra, onde o movimento teve origem, encarnaram-no grupos como os Throbbing Gristle, Cabaret Voltaire ou Human League, entre outros, com estas ou outras designações (Psychic TV, no caso dos Throbbing Gristle ou Heaven 17, uma derivação dos Human League), que acabaram por vir desembocar também no techno-pop. Claro que os Kraftwerk desde 1976, ou seja, na mesma altura em que o punk eclodia, já anunciavam claramente com o álbum “Radio Activity” as linhas do futuro.
No Japão os Yellow Magic Orchestra dforam dos primeiros a compreendê-lo. Oriundos de uma nação especializada no fabrico de tecnologia electrónica de ponta, os YMO passaram por cima do “industrial” (conceito que nunca fez muito sentido num cenário mais próximo de um “sillicon valley” global do que da fuligem de fábricas monstruosoas em laboração) e entrara por via directa no universo das pistas de dança cibernéticas. A dança, criada pelos sequenciadores, caixas-de-ritmo e computadores deixados em liberdade, é afinal uma das características fundamentais que distingue a techno das ruminações niilistas dos pesos-pesados da música industrial.
No caso da banda japonesa há ainda uma diferença extra. Ao contrário da maioria dos seus congéneres europeus (Orchestral Manoeuvres in the Dark, Depeche Mode, Telex, Yello, Yazoo, etc.), que “inventaram” um universo digital virgem que fez tábua rasa do passado anterior à revolução industrial inglesa, os YMO mantiveram-se, à boa maneira nipónica, fiéis à cultura e música tradicionais do seu país.
Não por acaso, Ryuichi Sakamoto, membro carismático da banda, assinou a solo, em “The End of Asia”, uma obra que junta a “nova ordem” ditada pelos computadores à tradição, através da utilização de instrumentos medievais e renascentistas japoneses, o que lhe valeu ter sido considerado a reencarnação nipónica do compositor francês do século XIII, Tribaut de Navarre…
Nestes três álbuns de originais nunca antes disponíveis no mercado europeu e agora lançados por cá, e na compilação que reúne a face mais facilmente assimilável da YMO, é toda uma nova linguagem elaborada a partir da assimilação de milénios de cultura oriental, aliada a um novo tipo de sensibilidade, característica da “nova era”, que se autonomiza em objectos musicais de difícil definição. Melodias tradicionais japonesas, música de salão, ruídos de “video games”, delírios “disco”, maquinações Kraftwerk, “muzak ambiental”, piscadelas vocais a David Bowie e David Sylvian, enovelam-se em dança interminável, como se uma orquestra de autómatos tivesse de súbito acordado para a luz de uma civilização nova.