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Júlio Pereira – “Em Público” (entrevista | biografia)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994

EM PÚBLICO


JÚLIO PEREIRA



Nos seus discos, está sobretudo patente a sua faceta de compositor e arranjador, enquanto os espectáculos ao vivo o mostram, acima de tudo, como intérprete. Por que razão nunca gravou um disco ao vivo?
Imaginemos que faço um disco baseado num instrumento, como o cavaquinho, que é acompanhado por vários instrumentos. Isso representa que, se eu quisesse tocar este ou aquele tema ao vivo, teria, ou quereria ter, esses instrumentos que achei por bem, por motivos estéticos, no palco. Mas, depois, põe-se a velha interrogação: quem é que tem escola de música popular, sendo profissional, que me acompanhe neste ou naquele tema? Ao longo destes anos, vivi sempre uma dificuldade. Baseio-me num determinado tipo de música que parte de referências étnicas; depois, vou aprender a tocar este ou aquele instrumento, faço as combinações entre eles, os arranjos, etc. Quando chega a altura de concretizar isto em termos reais, ou seja, em termos humanos, chego à conclusão de que não há pessoas que façam, que toquem com aquela ironia com que eu toquei determinado instrumento em determinado disco.

Mas por que é que os espectáculos têm que ser uma reprodução dos discos? Não consegue separar as duas coisas?
Acabam por ser versões dos temas que utilizo em disco, vamos sempre dar ao mesmo ponto. Eu só posso tocar bem se estiver acompanhado da mesma maneira que foi composta e arranjada no disco.

Quer dizer que tocaria ainda melhor ao vivo se tivesse acompanhantes à altura?
É evidente. Ao longo dos anos, tenho tentado isso. Por exemplo, neste momento, a parelha que faço nas cordas com o Zé Carrapa é algo que eu sei que vai resultar em outras coisas no futuro. É um fulano que, por acaso, até é da minha geração, que toca muito bem cordas e que se está a colar cada vez mais À maneira como eu faço música.

Não haverá, nessa posição, em que são sempre os outros músicos a terem de ir ter consigo, uma certa dose de egocentrismo?
Não acredito em soluções de compromisso. Já fui acompanhante de muitos músicos – uma coisa que eu gosto sempre de ser – e, quando vou acompanhar alguém, tenho que compreender a maneira como é o outro e a sua música. Quem quiser tocar comigo tem que entender a minha.

Um dos aspectos já conhecidos do seu próximo álbum é que, pela primeira vez na sua discografia, será totalmente acústico. Que motivos levaram a esta mudança?
Não sei. O prazer, talvez… Mas é óbvio que o espectáculo do S. Luiz, no ano passado, era já um passo que prenunciava esta mudança…

Em álbuns anteriores, deu ênfase a determinados instrumentos: o cavaquinho, a braguesa, o bandolim. Vai continuar a ser assim?
Não, isso não acontece neste disco. Não quis estar ligado a instrumento nenhum. Foram os instrumentos que me apeteceu tocar e ponto final.

Esse seu interesse, em álbuns anteriores, em valorizar determinados instrumentos prende-se com alguma intenção didáctica?
Não exactamente. No “Cavaquinho”, foi por causa de um arranjo para o Zeca, num tema, segundo creio, chamado “O Cabral fugiu para Espanha”. Era necessária a sonoridade de um cavaquinho e aprendi com o Pedro Caldeira Cabral; mais tarde, com os tocadores populares do Minho. Com “Braguesa”, foi que, quando estava a fazer o próprio “Cavaquinho”, ao ir lá acima, a Braga, conheci um construtor, tomei contacto com as braguesas e comecei a achar piada a este instrumento. Mal acabei o “Cavaquinho”, peguei na braguesa. A história do bandolim é mais conhecida, pois toco-o desde miúdo, bem como a guitarra, nos tempos em que fui músico de rock.

Curiosamente a guitarra nunca foi muito utilizada nos seus discos…
No novo disco, há uma série de temas com guitarra – um pouco por mero acaso. O dono de uma loja de música teve a gentileza de me oferecer uma guitarra, daquelas hiperboas. Achei piada a ter uma guitarra nova e acabei por compor nela alguns temas.

Normalmente todos os seus discos obedecem a um conceito. O novo disco também?
A ideia do novo disco é o som. O som inerente a cada instrumento que toco. Não o som de uma técnica específica, mas o som que cada um deles pode oferecer. Por exemplo, há um tema que fiz na guitarra onde senti a necessidade de um ritmo. Experimentei primeiro com duas folhas de papel esfregadas na mão, mas não gostei. De repente, lembrei-me de fazer esse ritmo esfregando longitudinalmente nas cordas. Saiu um som como nunca tinha ouvido. Este disco resulta muito deste tipo de procura.

Não existe o perigo de ficar demasiado dependente dos instrumentos? Dá ideia que é sempre o instrumento a ditar leis ao intérprete e não o contrário…
Eis uma maneira de explicar por que é que este disco é diferente dos anteriores. “Cavaquinho”, “Braguesa” e “O Meu Bandolim” foram feitos, de facto, dessa maneira, ou seja, fui à procura do som deles através das técnicas tradicionais ou do que quer que seja – e, neste disco, fiz ao contrário. Não vai haver referências directas à música tradicional daqui ou dali, dadas por este ou por aquele instrumento. Um afastamento que julgo ser importante. É como em alguns pintores: todos aqueles que começam baseados numa referência directa a algo, à medida que o tempo passa, vão-se inevitavelmente afastando do ponto de origem, ou seja, naquilo em que se basearam para começar a pintar. Enquanto, nos meus discos anteriores, há uma teimosia minha, com um certo ar didáctico, assumo, neste disco estive-me marimbando para isso.

Pode particularizar os termos desse lado didáctico?
A curiosidade em relação aos instrumentos que toco levou-me a ler livros que nunca tinha lido, a ir a bibliotecas onde nunca tinha entrado, a falar com musicólogos e etnólogos com quem nunca tinha falado. Foram experiências. Ao gravar um disco com um determinado instrumento, é evidente que quero lá meter estas experiências. Não quero, com isto, dizer que sou musicólogo… Sou simplesmente um músico curioso.

Como encara a utilização do cavaquinho na quase totalidade dos grupos de música de raiz tradicional?
Vivemos no país em que vivemos. As pessoas tocam da maneira que sabem e aprendem. Chega-se a uma aldeia qualquer e está um fulano a tocar mal um instrumento. O que é que se lhe vai dizer? Ele toca aquilo que lhe ensinaram. Temos que criticar o sistema todo, um país que ainda não tem uma escola metodológica ligada à educação no que toca à aprendizagem da música. Todos nós aprendemos e, de repente, temos vinte e um anos, somos maiores e vacinados, e ainda desconhecemos o país, a nossa música, os instrumentos, desconhecemos, em suma, toda a interligação possível entre todas estas coisas.

O seu estatuto de multi-instrumentista aliado a alguma da sua música fazem de si uma espécie de Mike Oldfield português…
Já me chamaram isso, em tempos. Hoje, é ridículo, até porque o Mike Oldfield se perdeu em termos musicais. Mas somos da mesma geração e o Mike Oldfield tem uma coisa idêntica a mim, ou vice-versa, que é termos começado no rock e termos afinidades com a música tradicional dos nossos países. A verdade é que el, como o Alan Stivell, está a seguir por um caminho que já não se sabe muito bem qual é e eu não quero seguir por esse caminho.

Há alguma continuidade, um fio condutor, na sua obra?
Há uma coisa em comum e de terrivelmente teimosa: a procura de coisas que estão inequivocamente ligadas a referências que têm a ver com o nosso passado e, a partir delas, tentar criar atmosferas. Com ou sem electrónica.

Mantém alguma ligação com o campo?
Sou terrivelmente urbano mas tenho necessidade do campo. Saio constantemente de Lisboa, não suporto viver o ano inteiro em Lisboa. De há doze anos a esta parte, vou com frequência a Braga.

A Galiza tem influência na sua música?
Não sinto influência em termos musicais, mas sinto uma grande influência em termos humanos.

Consideram-no lá quase um herói…
É… e há programas de rádio com indicativos meus. Não sei explicar mas a Galiza, deixemo-nos de coisas, é uma região específica; para mim, já nem sequer é Espanha e tem sempre mostrado uma grande e impressionante afinidade connosco. Houve, inclusive, um grande número de espectáculos que fiz lá com o Fausto e com o Zeca – a quem fizeram, de resto, posteriormente, uma série de homenagens.

Por falar em José Afonso, com quem privou e tocou durante muito tempo: não acha estranho não o terem convidado para participar no disco “Filhos da Madrugada”?
Achei estranho, de facto. Foi-me explicado, não por Manuel Faria, que já não vejo há anos, que era um disco só de grupos… É um critério que não faz nenhum sentido.

* Compositor, arranjador e multi-instrumentista. Recuperou e divulgou instrumentos de corda portugueses, como o cavaquinho e a viola braguesa, em álbuns que lhes foram dedicados. Acabou de realizar uma digressão pela Áustria e prepara o lançamento, em Setembro ou Outubro, de um novo álbum de música exclusivamente acústica, com as colaborações das cantoras Maria João e Filipa Pais.

Celso de Carvalho – “EM PÚBLICO” (rubrica | série | dossier | entrevista)

pop rock >> quarta-feira >> 19.01.1994


EM PÚBLICO (rubrica / série)

CELSO DE CARVALHO *




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Por onde começou, pelo jazz, pelo rock, por outras músicas?
A minha primeira boa experiência de música foi no liceu, em 1965, tinha quinze anos. Houve um concurso que o meu grupo ganhou. O prémio, além de uma taça simbólica, era ir à Emissora Nacional gravar dois temas à escolha. Lembro-me que fomos gravar dois temas instrumentais dos Shadows. Tocava piano e viola ritmo. O grupo chamava-se Misters. O Plexus formou-se mais tarde, em 1968. Da sua primeira formação faziam parte, além de mim, o José Teixeira Lopes, que já vinha dos Misters, o Carlos Zíngaro, o Jorge Valente, o Luís Pedro Fonseca. Gravámos um disco de quatro temas na garagem do José Cid. Depois veio o fantasma da tropa e cada um seguiu para seu lado. Consegui meter-me numa banda militar, não saí de cá. Tocava violoncelo na banda da GNR, por influência do meu pai. [Impossível não recordar aqui a figura de Woody Allen, em “O Inimigo Público”, desfilando em parada a arrastar pela rua a cadeira e o violoncelo…] Dois anos mais tarde o Plexus reformou-se, comigo, o Zíngaro, o Jorge Valente e novos músicos.

Que motivos levaram à extinção do Plexus?
Eu e o Paulo Gil pretendíamos uma direcção musical mais aberta, enquanto o Zíngaro queria manter-se na anterior linha, mais vanguardista. Separámo-nos. A confusão toda que houve a seguir deve-se a que a coisa foi mal explicada. O Zíngaro resolveu continuar o Plexus, mas não disse nada. Ele depois fez umas coisas esquisitas. Primeiro quis ficar detentor do nome, e isso irritou-me na altura. Foi um assunto que nunca ficou bem esclarecido.

Zíngaro entretanto partiu para uma carreira no estrangeiro bem sucedida. Por que razão não tentou o mesmo? Por uma questão de feitio?
Quando o Plexus acabou, quis tocar outro tipo de música, na altura já estava um bocado farto do “free jazz”. Sempre houve em mim uma componente rock. No liceu gostava dos Beatles, dos Stones e por aí fora. Mais tarde, nos anos 70, interessei-me pelos King Crimson, pelo rock progressivo, a escola de Canterbury… O Zíngaro não, além de que terá começado a sentir que já não era ele só o “director”, a figura-chave do grupo. Senti que houve um bocado de ciúmes musicais da parte dele… Depois do Plexus acabar fiquei a fazer cinco ou mais coisas simultâneas: a orquestra do São Carlos, ainda estava na banda da GNR, mais a Band do Casaco, o Rão Kyao e de vez em quando ainda era chamado para fazer sessões de estúdio…

Essa diversidade não o terá prejudicado, na medida em que impediu uma orientação definida para a sua carreira?
Isso é nítido. Lembro-me de que uma vez fomos em excursão a um festival em Château-Vallon, em França, onde assisti a seminários com músicos como o Steve Potts ou o Barre Philips, mas, se em algumas coisas ainda encontrei algum “feedback”, noutras vi que já não era o que me interessava. Pelo contrário, o Zíngaro encontrou logo ali a linha-mestra daquilo que queria fazer. Foram duas opções diferentes.

Na Band do Casaco encontrou a música que lhe interessava?
No princípio havia uma magia grande, de facto. Os dois primeiros discos resultaram muito bem. Mas envolvi-me mais na Banda do Casaco sobretudo nos últimos tempos. O Pinho tinha saído e a minha participação já podia ser mais de compositor e produtor. A princípio eram só o Nuno Rodrigues e o Pinho que tinham as decisões finais.

Com a extinção da Banda do Casaco o seu nome desapareceu também…
Pois, na passagem dos anos 70 para os 80 queimei os fusíveis, em termos de rentabilidade. Vi que era um disparate ter tido todos aqueles projectos ao mesmo tempo. Não dava. Foi nessa altura que comecei a compor. Também lamento não ter tentado há mais tempo pôr essas músicas a funcionar, em vez de as ter guardado. Da parte das editoras também não houve “feedback”. Das várias que contactei, só tive resposta de duas: uma foi a Valentim de Carvalho, onde me disseram que tinham achado a música interessante mas um bocado de difícil audição (na altura, ainda me desafiaram para fazer trabalho de produção, mas até agora não aconteceu nada…), a outra foi a Numérica, onde me disseram que estavam numa fase de recessão e não previam um projecto como o meu. O que é que uma pessoa pode fazer?

Mas há alguma dificuldade específica na sua música que impeça de todo a sua audição?
O meu drama se calhar é ser muito individualista. Toco vários instrumentos e consigo fazer sozinho aquilo que idealizo. Outro drama é não ter feitio para andar a pedir batatinhas, a percorrer as capelinhas todas a tentar impingir o meu trabalho. Depois também me isolo muito. Não ponho os pés num Hot Clube há uma dúzia de anos, deixei de me interessar ainda no tempo em que tocava lá. Era sempre o mesmo público, e cansei-me sobretudo daquele público mais conservador.

No Plexus , como na Banda do Casaco, pensa que terá havido alguma azar em ter ficado sempre à sombra das individualidades?…
Os instrumentos que tocava, em particular o contrabaixo, predispunham um bocado essa situação. Senti isso sobretudo com o Rão Kyao. O Rão Kyao usava muito um esquema que era tocar um tema baseado numa ou duas tonalidades, algo que tem a ver com a música indiana. Estávamos dez minutos a tocar a às tantas sentia que estava a fazer o meu melhor, mas no fundo pensava em qual era a utilidade do que estava a fazer. Estava sempre a servir de suporte para a “estrela” brilhar. Era um papel subalterno.

E em relação ao violoncelo?
A minha voz, de facto, é o violoncelo, é como comunico melhor. No violoncelo liberto-me desse papel subalterno.

Quanto às suas composições, vão ficar para sempre na gaveta?
Este ano vai sair um disco meu, nem que seja em edição de autor. Tenho tudo pronto, escrito em pauta. Até o título, que vai ser “Violoncelo”. Vou precisar de um teclista que esteja bem batido nas programações de computador. Falei com o António Emiliano e ele mostrou-se interessado. A minha vontade era também fazer concertos, só fazer o disco não tem piada. Se o Emiliano tiver disponibilidade… O grupo terá mais um baterista e um baixista. Eu vou tocar violoncelo e alguns teclados. Tenho um “alter ego”. Sou um guitarrista frustrado. Sempre fui influenciado pelos guitarristas, do Satriani ao Steve Vai ou, mais jazzísticos, o Allan Holdsworth ou o Scott Henderson, já para não falar no Stanley Jordan. Como no violoncelo não poso fazer o que eles fazem, arranjei o tal “alter ego”, uma guitarra simulada, a que chamo “fake guitar”, que é um registo feito num sintetizador que tenho em casa.
Ter ou não sucesso é uma questão que o preocupa?
Não quero ter sucesso em termos de popularidade da minha pessoa, mas sim de a minha música começar a ser conhecida.

Precisamente, num meio pequeno como o português, atendendo às especificidades da sua música, não teria sido preferível seguir um percurso semelhante ao do Carlos Zíngaro ou Maria João, e procurar fazer carreira no estrangeiro?
Não quero, como acontece com os nomes que cita, ter de me manter fiel a uma linha musical. Não gosto de sentir amarras. Prefiro estar em várias áreas. Quem tem a sorte de ter uma carreira internacional depois tem que se manter um bocado fiel a essa carreira.

Mas não parece que a Maria João e o Zíngaro estejam muito condicionados na música que fazem…
Mas isso é porque já têm um nome e a partir daí é uma bola de neve.

Sim, mas não lhe parece que eles tiveram de lutar até conseguirem esse estatuto?
São as tais questões de aproveitar ou não aproveitar as oportunidades.

Não gostaria, por exemplo, de voltar a tocar com o Carlos Zíngaro?
Acho que sim. O tal problema pessoal, ou mal-entendido, é ele que tem de o resolver, não sou eu. Se ele quiser falar comigo, tudo bem. Não sei o que se passa na cabeça dele.

Nunca se interrogou sobre se o problema não será afinal devido à sua maneira de ser?
Não, sempre fui muito aberto, nunca impus a minha opinião. Normalmente as pessoas querem logo marcara a sua posição, mostrar que são isto ou aquilo, mas acabam por só fazer asneiras. Ou então mostram logo tudo de repente e depois não acontece mais nada. Eu não. Acho que sou espontâneo. O meu problema será talvez o de não conviver com as pessoas.

* Violoncelista, contrabaixista e compositor. Tocou com os Plexus, Rão Kyao, Né Ladeiras e Banda do Casaco. Prepara o lançamento do seu primeiro álbum a solo, intitulado “Violoncelo”.

Sérgio Godinho – “Luz Na Sombra”, De Sérgio Godinho, Começa Hoje Na RTP2 – As Sombras Da Ribalta” (televisão | documentário)

Secção Cultura Domingo, 21.07.1991

“Luz Na Sombra”, De Sérgio Godinho, Começa Hoje Na RTP2
As Sombras Da Ribalta

Luz e sombra são parte integrante do mundo do espectáculo. Em “Luz na Sombra”, Sérgio Godinho dá a conhecer os bastiadores, os rostos na sombra, o real por baixo damaquilhagem. “The show must go on”, é verdade, mas pode parar por instantes, e mostrar o outro lado do espelho. De que matéria são feitos os sonhos?



Hoje, a partir das 20h15, no canal 2 da RTP, a luz incidirá nos recantos mais escuros dos bastidores da música, iluminando aquilo que por norma apenas se adivinha. Sérgio Godinho, viajante de todos os imaginários, contador de histórias e de vidas que já não vamos tendo tempo de vivar, vai levantar o pano e mostrar como se constrói a imagem em que acreditamos.
São seis programas, genericamente intitulados “Luz na Sombra”, “cada um sobre uma pessoa que trabalha dentro da música”, numa reflexão pessoal sobre outros tantos aspectos ligados à produção musical, personificados por quem sabe e quer partilhar esse saber.
José Salgueiro, músico, é o protagonista do primeiro programa. Depois será a vez de Carlos Tê, letrista, Paulo Pulido Valente, produtor de espectáculos, Ricardo Camacho, produtor e músico, Rui Fingers, “roadie” e músico e, por último, Tó Pinheiro da Silva, técnico de som. Todos os domingos, até finais de Agosto.
Sérgio Godinho, além de autor de “Luz na Sombra”, acumula ainda as funções de apresentador e entrevistador. A realização e montagem estão a cargo, respectivamente, de Teresa Olga e Henrique Monteiro.

O Outro Lado Existe

Luz e sombra são pólos complementares de uma mesma realidade. Sem um o outro não existe nem tem razão de ser. Luz e sombra que constituem a própria essência do espectáculo. De um lado o brilho dos projectores, a fama, a claridade das vozes e da música, a encenação e simulação dos gestos. Do outro, aquilo que não se vê mas está lá, atrás da cortina ou da câmara, omnipresente, indispensável para o bom funcionamento da parte visível. Os alicerces, as infra-estruturas técnicas e humanas, a imaginação e o suor dos que trabalham para que a máquina funcione, tornando possível o sonho e a ilusão credível.
Para Sérgio Godinho trata-se de deixar por algum tempo o papel de “escritor de canções” para contar outro tipo de histórias, feitas de imagens e jogos sobre a música e as pessoas a ela ligadas. Jogos de sombra. Jogos de luz. Ficções, ainda e sempre, urdidas por quem há anos vem tecendo o pano cru onde sonho e realidade se confundem. Eis o argumento resumido desses pequenos filmes subjectivos, parte integrante da grande-metragem que é a música popular portuguesa.

Seis Argumentos Possíveis

José Salgueiro, baterista (hoje) – O suor dos ensaios, o trabalho de professor, as “tournées” com os Trovante que ciclicamente se repetem. É difícil manter o ritmo, mesmo para um baterista. A vida e música de um músico, no compasso certo.
Carlos Tê, letrista (28 de Julho) – o verbo também se escreve com caneta. A letra “T” sempre presente nas palavras que Rui Veloso canta. Palavras nascidas de uma cidade antiga e mágica, o Porto, cenário de muitas histórias por contar. Canções inéditas da dupla, recolhidas num ensaio da banda. Novos projectos. Um livro aberto.
Paulo Pulido Valente, produtor de espectáculos (4 de Agosto) – Como se organiza um espectáculo? Ninguém se preocupa, desde que o pano suba. Um exemplo: as Festas de Lisboa de 1990, onde o citado produtor se encarregou de animar o cinzento das ruas com fantasia, trabalho e a música dos Repórter Estrábico, Capitão Fantasma e a Lua Extravagante de Vitorino e Janita Salomé.
Ricardo Camacho, produtor – E músico dos Sétima Legião, acrescentamos nós. Explica como se produz um disco, se arranjam as canções e se idealiza o som global. Sem um produtor capaz não há disco que resista. Música da Sétima Legião, António Variações, GNR e Manuela Moura Guedes.
Rui Fingers, “roadie” – O “roadie” é quem carrega com o piano às costas. Quem liga e desliga os amplificadores. Quem monta e desmonta o palco. É o operário da música, o homem dos músculos, um “mouro” de trabalho. O “roadie” em questão, para além de trabalhar com os Rádio Macau, que veremos actuar, ainda arranjou tempo pra tocar na banda de “heavy metal” V 12. Uma canseira.
Tó Pinheiro da Silva, técnico de som – Ele escuta as opiniões e as bocas, tantas vezes despropositadas, dos músicos, mas faz como acha melhor. No estúdio é ele que sabe, pode e manda. Dele depende em grande parte o sucesso ou fracasso de um disco. Vamos ver essa alquimia, durante a gravação e misturas de um tema do último álbum de Jorge Palma.
Depois de “Luz na Sombra” tudo ficará, de certo modo, mais claro. Luz e sombra, o difícil está em separá-las. Ou, como diria Neil Young, “there’s more in the Picture, than meets the eye”.