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Telectu & Elliott Sharp – “Elliott Sharp E Os Telectu Atuam Hoje Na Sala Polivalente Do CAM, Às 18h30 E 21h30 – A Matemática Do Caos” (concerto | antevisão | artigo de opinião)

PÚBLICO SEGUNDA-FEIRA, 1 OUTUBRO 1990 >> Cultura


Elliott Sharp e os Telectu atuam hoje na Sala Polivalente do CAM, às 18h30 e 21h30

A matemática do caos


O guitarrista nova-iorquino Elliott Sharp e o duo português Telectu tocam juntos, numa prova de que a “nova música” também tem lugar entre nós. A violência eletrónica, em plena atividade de “sabotagem” cultural.



Nova Iorque – capital de mil perigos e deformidades. Há músicas que traduzem essa monstruosidade. Sons que avisam e perturbam. Nos clubes e nas caves. Na penumbra do fumo, longe das luzes do dia e dos hipermercados.
Elliott Sharp resiste, luta, provoca a cidade, nas suas convulsões guitarrísticas. Loucura artística contra a loucura institucionalizada. Integra hoje a elite dos impulsionadores e inovadores da vanguarda nova-iorquina, ao lado de nomes como John Zorn, Glenn Branca, David Fulton, David Linton, Rhys Chatham, Wayne Horvitz, Ned Rothenberg, Samm Bennett, Scott Johnson, Robert Previte, David Weinstein ou David Garland, muitos deles colaboradores regulares nos seus trabalhos.

Guitarra telúrica

Especialista em abordagens revolucionárias do instrumento, possui uma habilidade inata para despedaçar os códigos estéticos e as posturas técnicas tradicionais, a par de uma capacidade analítica capaz de unir as pulsões inconscientes, físicas e emocionais ao rigor estrutural. O cérebro mestre do telurismo. Matemática do caos.
Exemplo desta atitude é a utilização, em discos como “Marco Polo’s Argali”, “Tessalation Road” ou “Larynx”, de um complexo sistema algorítmico denominado “séries Fibonacci”, através do qual se torna possível gerar diferentes tipos de afinação, bem como novas soluções harmónicas e melódicas.
Elliott Sharp caminha sobre o fio da navalha, ao longo de uma já vasta e diversificada discografia que integra experiências que vão da composição (ou decomposição…) da música para cordas (em “Tessalation Road”, com os Soldier String Quartet, equivalente intuitivo e esquizofrénico dos seus congéneres Kronos Quartet), o brutalismo rítmico tribal realizado em computador (“Virtual Stance”), a “canção” eletrónica demencial (“In the Land of the Yahoos”, ao lado de Sussan Deyhim, Christopher Anders, David Fulton, Shelley Hirsch e Christian Marclay), à transfiguração do ruído, ordenado sequencialmente (“Looppool”) ou a interpretação orquestral dos cantos “Inuit” e “hoomii”, respetivamente das regiões árticas do Canadá e da Mongólia (“Larynx”, com Samm Bennett, David Fulton, David Linton, Robert Previte, Jim Staley e, de novo, os Soldier String Quartet), Capítulos importantes da sua discografia são também “Rhythm and Blues”, “Escape Clause”, “I/S/M:R”, e “Carbon” e “Fractal”.
Uma definição possível para esta música arrebatadora pode ser encontrada nas próprias palavras do guitarrista, relativamente a “Larynx” mas perfeitamente aplicáveis a toda a sua obra: “Música que dança sobre permutações constantes entre uma geometria derivada das séries Fibonacci e uma geometria fractal de turbulência, caos e desordem”.

Eletrónicos

Os Telectu, grupo de Jorge Lima Barreto e Vítor Rua, com o qual Elliott Sharp tocará hoje no CAM (Centro de Arte Moderna da Gulbenkian), são pioneiros da música eletrónica no nosso país, passando do minimalismo inicial, para posteriores incursões nas sonoridades ambientais (em álbuns como “Rosa Cruz”, e “Halley”), a música “mimética” (“Mimesis”, “Cameratta Electronica”) ou, atualmente, aproximações a um expressionismo digital no qual se incluem músicos como Jeff Greinke, Robert Rich, Peter Frohmader ou, por vezes, o próprio Elliott Sharp, influência evidente em alguns temas de “Live at the KnittingFactory” e “Digital Buiça”.
A conjunção da eletrónica dos Telectu com a guitarra explosiva de Elliott Sharp pode fazer estragos. Espera-se que esta não seja uma iniciativa isolada e que as “músicas alternativas” ocupem, no nosso meio musical, o lugar de destaque a que têm direito.

Vários – “Jazz Em Agosto Com Novo Formato Na Gulbenkian” (festivais / concertos / antevisão / jazz)

(público >> cultura >> jazz >> concertos)
sexta-feira, 1 Agosto 2003


Jazz em Agosto com novo formato na Gulbenkian

Este ano em formato concentrado, o Jazz em Agosto volta a trazer a Portugal algum do jazz mais desalinhado que é possível escutar nos dias de hoje. Três dias de surpresa e descoberta


O vocalista Phil Minton regressa a Portugal com os 4 Wall


Jazz no pino do Verão. Hot. É o Jazz em Agosto, este ano, ao contrário de edições anteriores, concentrado em três dias que servirão de mostruário do jazz mais politicamente incorreto que se faz hoje. Jazz que navega. Jazz que descobre. Jazz que descobre que há na outra margem uma música que pode ser início de outro jazz.
Ponto de encontro: Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. No Grande Auditório o cartaz indica: Julius Hemphill Saxophone Sextet (hoje), Eric Boeren Double Quartet (amanhã), The Brian Irvine Ensemble (domingo).
Julius Hemphill morreu precocemente em 1995, aos 55 anos. Membro fundador do World Saxophone Quartet, os seus saxofones alto e soprano inspiraram-se em Ornette Coleman para se emanciparem em obras de exceção como “Cool Bid’ness”, de 1975. O Julius Hemphill Saxophone Sextet homenageia-o, sob a liderança de Marty Ehrlich, um dos notáveis e ecléticos saxofonistas e clarinetistas da nova geração, que estudou com Hemphill em 1977. O sexteto de saxofones integra ainda Andy Aster e Sam Furnace (altos), Aaron Stewart e Andrew White (tenores) e Alex Harding (barítono).
Ornette Coleman faz igualmente parte das preocupações e do repertório do Eric Boeren Double Quartet, banda holandesa com direção de Eric Boeren, também executante de corneta. Boeren trabalhou com alguns nomes e formações do jazz holandês que fazem parte da nata do jazz contemporâneo: Maarten Altena, Contraband e J.C. Tans Orchestra (vale a pena investir nos álbuns que estas duas formações gravaram para a Bvhaast) e Sean Bergin’s MOB (autor do excelente “Kids Mysteries”, Bergin é o saxofonista alto do Double Quartet). O duplo quarteto é timbricamente colorido, com viola de arco, eletrónica, trombone, bateria e dois contrabaixos.
A Brian Irvine Ensemble é uma “big band” com origem na Irlanda. Apelidados de “frenéticos”, prometem surpreender com um jazz de alta energia que a todo o momento abre brechas por onde entram o “punk” e o “trash”. O jazz aguentará decerto o embate, com o sorriso nos lábios que caracteriza a sua proverbial flexibilidade.

Música caprichosa

De tarde, sempre com início às 18h30, o Auditório 2 da Gulbenkian recebe mais três propostas musicais. Hoje atuam os The Necks, trio australiano de piano/contrabaixo/bateria que é banda de culto no seu país. Gravaram nove álbuns e deles se fala a propósito de avant-garde, minimalismo, música ambiental e até, com algumas reservas, de jazz.
Os 4 Walls trazem amanhã de novo a Portugal um velho conhecido da música vocal improvisada, Phil Minton. Um ator da voz que inventa a cada momento músicas que parecem brotar das entranhas. Atenção ao baterista, Michael Vatcher e, sobretudo, ao pianista Veryan Weston, nome pouco conhecido do jazz inglês que trabalhou com Eddie Prévost e foi um dos pilares da grande fusão a negro africano dos Moiré Music, de Trevor Watts.
Tobias Delius Quartet é o último grupo a atuar no Auditório 2, no domingo. Música improvisada contemporânea, servida pelos saxofones do seu líder, o violoncelo de Tristan Honsinger e a bateria de Han Bennink, este último um dos mais requisitados improvisadores do jazz contemporâneo e elemento dessa aventura sem fim à vista que são os Spring Heel Jack. Do vocabulário de Delius disse o júri do prémio Dutch Podiumprijs que “combina o grito cru com uma tonalidade quente de tempos antigos” e que é “caprichoso e altamente original, embora com muitas referências à tradição”.
Amanhã os Doppelmoppel, quarteto dos irmãos trombonistas, Johannes e Conrad Bauer, herdeiros do “free” de Albert Mangelsdorff, atuam na Sala polivalente. No dia seguinte, será a vez do trio de improvisação português formado por João Paulo (piano e acordeão), Paulo Curado (saxofone) e Bruno Pedroso (bateria).
A provar que Portugal se tornou nos últimos anos mais um ponto de partida para viagens de exploração nos confins do jazz. Conjugue-se neste Jazz em Agosto o jazz na multiplicidade dos seus tempos e na divergência das suas atuais propostas. “Hot”, dizíamos. Para incendiar a imaginação.

Jazz em Agosto
LISBOA Fundação Calouste Gulbenkian. Av. Berna, 45 A. Tel. 21 782 3700.

Grande Auditório
Hoje: Julius Hemphill Saxophone Sextet
Amanhã: Eric Boeren Double Quartet
Domingo: The Brian Ervine Ensemble
Às 21h30. Bilhetes entre 12,50 e 17,50 euros

Auditório 2
Hoje: The Necks
Amanhã: 4 Walls
Domingo: Tobias Delius Quartet
Às 18h30. Bilhetes: 12,50 euros

Sala Polivalente
Amanhã: Doppelmoppel
Domingo: João Paulo/Paulo Curado/Bruno Pedroso
Às 15h30. Bilhetes: 10 euros