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Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #130 – “Chicago Underground Orchestra na Gulbenkian (Pedro_M)”

#130 – “Chicago Underground Orchestra na Gulbenkian (Pedro_M)”

Fernando Magalhães
05.08.2002 170530
Uma deceção. A ideia geral que me ficou foi a de estarmos perante uma banda de aquecimento, de simples acompanhantes, à espera de um qualquer genial solista que arrancasse a música daquela modorra…

Foi irritante ver tanto medo de arriscar uma nota a mais, um qualquer arremedo de criatividade.

Fiquei sem perceber muito bem o que estava ali a fazer o vibrafone…

Salvaram-se alguns instantes em que o Mazurek conseguiu criar ambientes de um certo lirismo, quando resolvia tocar quase em surdina… Mas soube a muito pouco…

Enfim, estou de férias, perdi (e parece que perdi muito…) o concerto do FRED ANDERSON c/ o HAMID DRAKE. Estarei de novo no anfiteatro na próxima 4ª-feira, para a Marilyn Crispell.

saudações

FM

Madredeus – “A Eternidade Suspensa” (concerto | blitz)

BLITZ 5 DEZEMBRO 1989 >> Ao Vivo


MADREDEUS

A ETERNIDADE SUSPENSA


Chovia. Chovia muito. (É já um lugar-comum começar um artigo desta maneira, mas chovia de facto muito nessa noite). Atravessei o mais rapidamente que pude a alameda enlameada e entrei na Gulbenkian dos pobres. Cheguei atrasado (maldita chuva). Como a sala estava cheia fui obrigado a ficar de pé. Paciência.

Apenas consegui escutar os dois temas finais da dupla Carlos Maria Trindade/Nuno Canavarro. Um em frente ao outro, no palco, lembrando a postura inicial do então duo Kraftwerk. Uma panóplia de teclados e um computador feericamente iluminado davam o conveniente ar «High-Tech» ao acontecimento. No intervalo contaram que a coisa foi chata. Pela amostra, não achei nada. Pelo menos, os dois referidos temas mostraram como utilizar a tecnologia eletrónica mais sofisticada com óptimos resultados. Os dois músicos completaram-se na perfeição soando a música à escola japonesa da ala Isao Tomita (na faceta mais clássica) ou a Masahide Sakuma (nos arrojos mais experimentalistas). O lirismo digital foi uma constante. Final apoteótico com o público de pé pedindo bis e os músicos a não corresponderem ao pedido. Guardado estava o pedaço para o que haveria de vir.
Intervalo e os encontros e conversas do costume. «Então, gostaste?» e o «nem por isso» blasé do costume mesmo que se tenha adorado. Um bar miserável funcionando ao mesmo tempo como bengaleiro, provido unicamente de «Sagres» e Coca-colas de litro, não convidava a grandes libações. Cumpridos os rituais sociais com colegas de ofício, amigos ou simples conhecidos destas ocasiões, chegou finalmente o momento ansiado por todos.
Os Madredeus entraram em palco e tinham vencido mesmo antes de tocarem uma única nota. Saudação monumental. Teresa Salgueiro, a diva de vestes e pose fadista (mantidos ao longo de toda a sua irrepreensível atuação), foi recebida em delírio com gritos e alguns piropos. Percebi imediatamente que os milhares de pessoas que apinhavam a sala eram todos amigos íntimos da cantora. Senti-me tímido e deslocado, eu que nunca tivera a oportunidade de trocar qualquer palavra com a senhora. Encolhi-me o mais que pude na cadeira embora nesse momento continuasse de pé.
Os músicos dispuseram-se em concha sobre o palco. Da esquerda para a direita, descrevendo um arco: Rodrigo Leão, nos teclados, Gabriel Gomes no violoncelo, Pedro Ayres na guitarra acústica e Francisco Ribeiro no acordeão. Ao centro, no meio da concha, a pérola, A voz. Depois, bem, depois foram o silêncio, as palavras, a música e o Sentimento de uma portucalidade antiga vivida e encenada por cinco jovens da grande cidade.
Os Madredeus tocam fado de câmara. Do fado, para além das evidentes entoações vocais de Teresa Salgueiro, retêm o sentido trágico, a profundidade comovida e a Saudade. Da música de câmara, o intimismo e a conceção instrumental. Ou então falemos de música tradicional no seu sentido mais lato e profundo. Entre o granito e as estrelas, Passado e Futuro são saudosamente festejados ou sofridos na Cruz do Presente. Tocaram cerca de vinte temas, poderiam ter sido mais outros tantos ou só um. No tempo da Madre Deus, cantou-se, tocou-se e bailou-se por dentro, fora do Tempo. Apenas um momento da eternidade suspenso na voz infinita de Teresa, nos abismos escuros e solenes do violoncelo de Gabriel, na câmara e salões palacianos dos teclados de Rodrigo, nas cintilações e sorrisos tristes da guitarra de Pedro, nas danças e nas aldeias presentes no acordeão de Francisco. Tocaram temas do seu magnífico duplo-álbum de estreia, com novos e inspirados arranjos.
Quase se torna supérfluo dizê-lo: todos os presentes, cada um à sua maneira, viveram e participaram nesta cerimónia celebrada em noite de chuva. Sim, chovia. Chovia muito. Lá fora ou talvez ainda mais para alguns por dentro. Não se sabia, mas é assim: na Felicidade confundem-se e coincidem Tristeza e Alegria. Ri-se de tristeza e chora-se de alegria. O que é então a música? O que é a Felicidade? Minha Mãe, meu Deus, quando eu era pequenino…

Elliott Sharp e Telectu – “Concerto De Elliott Sharp E Telectu Na Gulbenkian – Sementes De Violência”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 3 OUTUBRO 1990 >> Cultura


Concerto de Elliott Sharp e Telectu na Gulbenkian

Sementes de violência


FOI O concerto da brutalidade. Elliott Sharp e os Telectu iam rebentando os tímpanos a uma assistência que encheu, segunda-feira, por completo a sala polivalente do CAM, siderada pela violência sonora e pelo inusitado da combinação.
As notas da guitarra e do saxofone soprano de Sharp e a panóplia eletrónica dos Telectu explodiram literalmente num caos apocalíptico que teve entre outras a virtude de fazer pensar sobre algumas das vias encetadas pela chamada “nova música”, designação demasiado lata que não chega para abarcar a pluralidade de correntes que em comum apenas têm a repulsa nutrida em relação às “mafias” para as quais a música não passa de negócio.

Mestre da guitarra

A primeira parte do programa foi preenchida por Elliott Sharp em solo absoluto. Uma guitarra de dois braços e um saxofone bastaram-lhe para produzir um caudal de sons violentíssimos, para muitos insuportável logo alguns segundos após a vibração da primeira corda, para a maioria um excitante delírio virtuosístico, com o guitarrista a dar mostras de um domínio absoluto do instrumento. Sonoridades distorcidas até ao limite do tolerável, as notas e ruídos entrechocando-se num combate monstruoso, em “clímaxes” criados com a ajuda de pedais de efeitos, mas sobretudo graças ao modo superior como o músico consegue dominar a massa sonora, domando-a como se de uma fera se tratasse.
Solou indiscriminadamente com as duas mãos e com uma terceira feita em arame, raspou as cordas, agrediu a caixa do instrumento, pôs os olhos e ouvidos em bico a quem estivesse à espera de uma prestação convencional. Explosões, ruído branco, sequências e automatismo rítmicos complexos, sobreposição de frases melódicas e soluções tímbricas arrojadas, mostraram à saciedade por que razão Sharp é hoje considerado um dos grandes mestres contemporâneos da guitarra elétrica. Durante os 45 minutos ininterruptos de risco e provocação auditiva em que Sharp atuou só, ruíram os alicerces do velho mundo.

Subversão a três

Os Telectu entraram a seguir, acrescentando uma dose extra de agressividade ao tom orgiástico da noite. Jorge Lima Barreto percutia o seu DX7, criando uma selva digital entre a qual gritavam as guitarras desvairadas do nova-iorquino e de Vítor Rua. Por trás do palco eram projetadas imagens vídeo computorizadas acrescentando à “performance” o estímulo visual. Onde se esperaria talvez que os Telectu se espraiassem pelas paisagens mais rigorosas de “Digital Buiça”, como ponto de apoio para as intervenções de Elliott Sharp, aconteceu ao invés uma improvisação a três, um pouco à maneira da praticada pelo coletivo AMM, na mesma tentativa de subversão e reconversão dos códigos estéticos e pressupostos éticos subjacentes ao jazz e à música contemporânea. A um espetáculo que se anunciava integrado nas celebrações do Dia Mundial da Música, não se podia pedir melhor.