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Vários – “A Aprendizagem Do Silêncio” (artigo de opinião | música ambiente)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 1 AGOSTO 1990 >> Videodiscos >> Na Capa


A APRENDIZAGEM DO SILÊNCIO



Entre o silêncio e a totalidade dos sons disponíveis no universo, as permutações são infinitas. Os jovens fartaram-se de dançar e agora só querem levitar e passar para esferas mais altas. Brian Eno é que tinha razão.

O silêncio nasce do recolhimento, da pacificação dos sentidos e da mente. Experiência religiosa, inseparável do conceito “música ambiental”, cujo objetivo, de acordo com o sentido etimológico da palavra “religião”, é religar – o homem a si mesmo, à Natureza e ao transcendente. Ao contrário do rock que explode, dispersando, a nova música implode, concentra, num movimento de “a-tensão”.
Oficialmente, foi Brian Eno o inventor do termo e da atitude, quando, por acidente, numa ocasião em que se encontrava imobilizado num leito de hospital, reparou que certas sonoridades musicais, se escutadas a baixos níveis de volume, tendiam a harmonizar-se com os sons ambiente, criando uma holografia sonora, por vezes erradamente designada como “música de fundo”.
Os antecedentes remontam, contudo, à escola “planante” alemã (Klaus Schulze, Tangerine Dream, Manuel Gottsching, Cluster, Deuter, Popol Vuh pegaram em baterias e sintetizadores e sequenciadores e transformaram o lado eletrónico dos Floyd em palácios majestosos onde se desenrolaram os sonhos cósmicos da geração pós-hippie), às teorias de La Monte Young firmadas no seu “Theatre of Eternal Music”, ao Zen e à música religiosa ritual (indiana, tibetana). Por outras palavras: êxtase sem “Ecstasy”.
Parece que a Ambient House é o último grito na periódica reciclagem dos produtos lançados pela indústria e pelos “media”, visando a também cíclica manipulação do gosto das massas consumidoras. O tiro foi disparado pelos KLF, com o álbum “Chill Out”, versão “house” dos Pink Floyd de “Meddle” (na música) e “Atom Heart Mother” (na capa). De repente, surgiram por todo o lado novas bandas a tocar música ambiental, citando como heróis nomes ainda há bem pouco atirados para a lama, como os Floyd, Klaus Schulze e Eno, indiscriminadamente etiquetados com o rótulo depreciativo de “New Age”. As pessoas, diz-se, fartaram-se de dançar e querem é sopas e descanso. Nas grandes metrópoles abrem clubes em que os frequentadores em vez de dançarem, ouvem (pasme-se) apenas a música. Fala-se da Natureza, do Sol, de passarinhos e do mar.

A Idade de Aquário

É certo que, por detrás da confusão e das operações de “marketing”, há razões cósmicas concretas. Entrámos na era de Aquário, e quer queiramos quer não, as cabecinhas começam a receber as vibrações transmitidas da grande estação emissora central, situada, quem sabe, no coração do Sol, como cantavam os Pink Floyd em “Ste the Controls for the Heart of the Sun”.
Ninguém reparou, ocupados que estavam todos com o frenesim da dança e da “techno” qualquer coisa, que dezenas de músicos, espalhados pelo mundo, que nunca se preocuparam com as voltas do tempo e das modas, há muito vinham construindo os alicerces de que hoje os novos se servem para edificar à pressa as “novas” teorias de misticismos requentados.

Bons ambientes

Sistematizemos então as principais correntes “ambientais”, de teor mais ou menos contemplativo e compartimentadas por editoras:
ECM – Invenção do produtor Manfred Eischer. Sons puros, cheios de reverberação e gravações impecáveis. Embora voltada para o jazz, cedeu parte do seu espaço às contemplações de Stephan Micus (que gravou um disco na catedral de Ulm, utilizando o som de pedras percutidas e o eco do templo, noutros discos servindo-se de instrumentos exóticos e de vasos afinados), Terje Rypdal (“Odyssey”, “After the Rain”) e Jan Garbarek (“Dis”, “Eventyr” – com harpas eólicas, “The Legend of the Seven Stones“).
Celestial Harmonies – De ressonâncias clássicas eruditas. Os seus artistas aliam o rigor conceptual a uma atitude geralmente mística. O Oriente é a principal fonte inspiradora. Peter Michael Hamel (teórico e autor de obras fundamentais na exploração dos teclados num contexto religioso, como “The Voice of Silence” ou “Nada”), o argentino Roberto E. Detrée (construtor de uma “Architectura Celestis” soando a cristais vibrando no éter) e Paul Horn (que toca a sua flauta nos espaços sagrados de vários templos do globo, como em “Inside the Cathedral” ou “Inside the Taj Mahal”) são algumas das referências importantes deste catálogo.
Recommended – Aqui se congregam as experiências mais interessantes e originais neste domínio, segundo uma corrente estética que recorre à pluralidade de fontes sonoras e tradições universais para criar sínteses inimagináveis. Os seus expoentes são Charles W. Vrtacek (“Learn to be Silent”, “When Heaven Comes to Town”), Steve Moore (“A Quiet Gathering”) e Philip Perkins (“Hall of Flowers/The Flame of Ambition”), mestres na arte da colagem e da utilização heterodoxa do “sampler”. Menção especial para a escola italiana, de certo modo já afastada do conceito “ambiental”, partindo para fusões que desembocam em territórios próximos da “world music” (“Water Messages on Desert Sand” e “Urban and Tribal Portraits”, obras geniais da dupla Roberto Musci-Giovanni Venosta), ou da música eletrónica “convencional” (Piero Milesi, Ricardo Sinigaglia). Do lado do pesadelo, os Biota destroem todas as noções e convenções, esculpindo formas distorcidas em “Vagabones & Rockabones”.
E.G. – Alberga no seu seio o inventor do género, Brian Eno. Todos os seus discos, a partir do seminal “Discreet Music”, incluindo “Music for Films”, “On Land” e “Apollo Atmospheres & Soundtraks”, são bíblias para a nova geração de “ambientais”. Da matriz Eno, destacam-se o pianista do silêncio, Harold Budd (“The Pavillion of Dreams”, “The Plateaux of Mirror”, “Lonely Thunder”) e o exótico Laraaji e as suas mantras hipnóticas no saltério eletrificado em “Day of Radiance”. Jon Hassell reina nas suas músicas do “quarto mundo”. “The Sinking of Titanic”, de Gavin Bryars, alarga o género até às dimensões da tragédia. O trio Budd-Hassell-Bryars gravou, embora para a Sub Rosa, um dos clássicos do movimento, o vol. 2 da série Myths (“La Nouvelle Serenité”), que inclui dez minutos de gravações de sons ambientais como sinos, pássaros e cânticos religiosos.
Referência ainda para alguns nomes sortidos: Benjamin Lew-Steven Brown (“A Propos d’un Paysage”), O Yuki Conjugate (“Into Dark Water”), Virginia Astley (“From Gardens where we Feel Secure”), Robert Rich (“Numena”), Jeff Greinke (“Timbral Planes”).
Escolham-se os ambientes e parta-se à descoberta do admirável mundo novo.