Vários – “Encontros Acarte – Minimal Maximalismo” (concertos | festivais)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 12 SETEMBRO 1990 >> Cultura


Encontros Acarte

Minimal maximalismo


NA RIGOROSA arquitetura sonora da estética minimalista, a Matemática ocupa, como não podia deixar de ser, lugar de destaque. No caso dos belgas Maximalist, que hoje às 21h30 atuam na Gulbenkian, em Lisboa, a novidade reside na importância concedida às pulsões do corpo e à libertação ritual dos seus gestos.
Atenta aos ensinamentos da escola americana, às teorizações de La Monte Young e às divagações hipnóticas de Steve Reich, Philip Glass, Terry Riley e Robert Ashley, a nova geração minimalista europeia enveredou por percursos alternativos que aliam as estruturas rítmicas repetitivas a um classicismo enraizado na tradição barroca e romântica do Velho Continente.
Thierry de Mey (piano e percussão), Jean-Paul Dessy (violoncelo), Dirk Descheemaeker (que também integra os Julverne e os Soft Verdict de Wim Mertens, clarinete baixo), Jean-Luc Plouvier (piano), Eric Sleichim (saxofones) e Peter Vermeersch (clarinete) utilizam exclusivamente instrumentação acústica. “Não faz sentido” – afirmam – “deixar um computador ou um sequenciador de ritmos a tocar sozinho”. Não excluem, no entanto, as possibilidades de equalização concedidas pela amplificação eletrónica: “Podemos juntar um único violoncelo ao volume de três saxofones”.
Os seus concertos são uma espécie de ritual, cuja crescente tensão se liberta na exteriorização gestual e na comunicação com o público. Construção musical coletiva que “existe prioritariamente a partir de uma empatia entre os músicos e a audiência”. Aumentada pela excitação do momento, “maximizing the audience”, parafraseando Wim Mertens.
A expressão corporal (refira-se a propósito o título do segundo álbum – “What the Body does not Remember”) funciona como catalisador nesse jogo energético, habitual no rock mas quase sempre ausente na pseudo seriedade presente nos meios tidos por “eruditos”. Abordagem que aproxima a “performance” do grupo às músicas rituais e às tradições culturais africana e oriental, mas intuitivas e indissociáveis de uma atitude religiosa.
A dança (e a música minimal repetitiva, não o esqueçamos, é música de dança, do mesmo modo, por exemplo, que os dervishes ou as ragas indianas), como harmonização dos movimentos espiritual e corporal, é o veículo natural dos sons “maximalist”. Para Thierry de Mey, “o trabalho do grupo depende do diálogo dos sons com a criação coreográfica, procurando a partir deste maximizar tanto os meios musicais propriamente ditos como a própria escrita que deste modo se processam segundo uma lógica diferente”. Compuseram música para coreografias de Anne-Teresa De Keersmaeker, Wim Vandekeybus e Michèle-Anne de Mey e desfiles de moda de Yamamoto e Kawakubo. E no fim querem fazer do silêncio “uma entidade tangível, por oposição ao frenesim das grandes massas sonoras”. Entre o silêncio e a fanfarra – a energia máxima. Maximalista.

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