PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 24 AGOSTO 1990 >> Local
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O grande Oriente
DAVID SYLVIAN foi o rosto dos Japan. Um rosto belo, andrógino, como o do jovem de “Morte em Veneza”. Também uma voz. Música estranha, a dos Japan, influenciada no início pelos Roxy Music, depois inventando mundos de fantasmas orientais. David Sylvian, Mick Karn, Steve Jansen, Richard Barbieri – o núcleo fundamental. “Make-up”, trejeitos “glamour”, “Don’t Rain in my Parade”, de Barbra Streisand, imagens e sons de transgressão adolescente em “Adolescent Sex”, de 1979. “Obscure Alternatives”, sombrio, longínquo, satieano. Japan, grupo de artistas. Para além da música. Mick Karn é escultor. Sylvian tem a paixão da fotografia, “Gentlemen Take Polaroids” (1980), marcando o início da colaboração com Ryuichi Sakamoto. O Oriente ganha espaço e influência, “Cantonese Boy”, Mao Tse Tung, sedução. “Bamboo Houses”, de novo com Sakamoto, e “Forbidden Colours”, do filme “Merry Christmas Mr. Lawrence”, Sakamoto, ator e compositor, Sylvian, a voz. Os Japan acabam em 1983, com um vídeo e álbum ao vivo “Oil on Canvas”. A pintura. A cor. O traço.
Steve Jansen e Richard Barbieri ocultam-se nas brumas do ambientalismo eletrónico, em “Worlds in a small Room”, e Mick Karn avisa: “Dreams of Reason Produce Monsters”, depois de ter colaborado com Midge Ure (dos Ultravox), Peter Murphy (então nos Bauhaus) e os Dali’s Car.
David Sylvian demanda a beleza absoluta do canto. A sua voz escorre e flui como a água, tomando formas sempre diferentes, sempre envolventes, com os contornos do segredo e a imensidade esférica e absoluta do silêncio. Música flutuando na quietude ativa e expectante do Zen, procurando o lugar certo do som e das palavras. A exatidão, o centro do alvo, a paz geradora da espiral turbilhonante. “Brilliant Trees” (com Holger Czukay e Jon Hassell), “Gone to Earth” (duplo, com Robert Fripp e Bill Nelson), “Secrets of the Beehive”, o video “Steel Cathedrals” – exercícios contemplativos próximos dos de Brian Eno, sons pairando sobre o bulício do mundo, evoluindo noutras esferas. Infinitas. Transmutando a matéria bruta em diamante. Como faz o alquimista. “Alchemy – An Index of Possibilites”. Do Oriente uterino à espada ocidental.
Canal 1, às 14h50