Rüsenberg & Hans Ulrich Werner – “Lisboa! A Soundscape Portrait”

POP ROCK
28 de Fevereiro de 1996

Álbuns Pop Rock

Michael Rüsenberg & Hans Ulrich Werner
Lisboa! A Soundscape Portrait
WDR, DITRI. ANANANA


lisboa

No filme “Lisbon Story”, de Wim Wenders, o protagonista passa metade do tempo de gravador em punho à cata da alma sonora da cidade de Lisboa. A ficção passou a realidade neste primeiro volume de uma série em que estes dois alemães, sonoplastas como a personagem do filme, tencionam traduzir sonoramente várias cidades do mundo. “Lisboa!” é uma colagem-montagem de sons e vozes de rua, da marulhar das águas do Tejo, de sinos de igreja e campainhas de eléctrico, do arrufo de pavões e até de fados reconvertidos em misteriosas declamações. Uma sucessão de microclimas acústicos captados em vários locais e bairros da cidade (cemitério dos Prazeres, Mercado da Ribeira Nova, Bairro Alto, Bica, Alfama…) onde reencontramos com surpresa, numa espécie de sobrerealidade, as múltiplas bandas sonoras de um quotidiano que o hábito e a proximidade tornaram inaudíveis. Lisboa, mais opaca e transparente do que nunca. (7)

Yoko Ono & Ima – “Rising”

Pop Rock

21 de Fevereiro de 1996
poprock

Yoko Ono & Ima
Rising
CAPITOL, DISTRI. EMI – VC


yoko

A viúva maldita está zangada. John voou. Ono regressou ao experimentalismo meio desequilibrado que caracteriza os seus primeiros trabalhos. Com os Imã, grupo do qual faz parte o filho dela e do Beatle assassinado, Sean Ono Lennon, Yoko grita e grita e grita, alertando para o holocausto, para a peste do século, a sida e para a vida negra que nos espera a todos nos próximos tempos. “Warzone”, a abrir, faz arranhões. É Nine Inch Nails com Diamanda Galas a ensinar como se faz. O mesmo se pode dizer a propósito de “Ask the dragon”, “I’m dying” e “Rising” (e Patti Smith, em “Horses”, lembram-se?), onde a japonesa dá livre curso ora à sua fúria ora à sua dor. Nas entrelinhas há reggae, em “Wouldn’y”, “Scratch””, em “Talking to the universe”, new wave à CBGB, em “New York woman”, baladas hippies, como “Turned the corner”, e, em particular, à Jefferson Airplane (ou, se quisermos, à maneira da sua congénere alemã, dos Amon Düül II, Renate Knaupkrotenschwanz), no caso da belíssima “Where do we go from here”. Oportunidade ainda para ser japonesa aos suspiros em “Kurushi”, declamadora contra o tempo, em “Will I”, ou para lembrar a paranóia melódica de Roger Waters, de “The Wall”, em “Goodbye my love”. As “Revelations” finais soam com ironia suave, mas não fazem esquecer que Ono tem contas a ajustar com a sociedade. Aconselha-se cautelas antes de se entrar na sua “zona de guerra” privativa. (6)



Faust – “Rien”

POP ROCK
10 de Janeiro de 1996

Álbuns Pop Rock

Corrosão Caótica

FAUST
“Rien” (8)
Table of Elements, import. Contraverso


Faust-Rein

É um acontecimento, o regresso, após um interregno de mais de vinte anos, do lendário agrupamento germânico, agora reduzido ao duo Werner Diermaier e Jean-Hervé Peron, que à entrada dos anos 70 colocou em xeque todas as convenções da galáxia pop. “Rien” é o primeiro disco de originais de estúdio desde “Faust IV”, de 1973, descontando duas edições, dos anos 80, de material disperso, compiladas em “Munic & Elsewhere” e “The Last LP” (também conhecido por “Party Tapes”), posteriormente reunidas num compacto simples com selo Recommended: “Seventy Minutes of Faust”. Recentemente, o mercado viu aparecer umas “Peels Sessions” extraídas do programa radiofónico do lendário “dj” britânico.
Para trás ficara o brilho de “Faust” (1971), “So Far” (1972) e “The Faust Tapes” (1973), bem como as colaborações em “Outside the Dream Syndicate”, de Tony Conrad (sério rival de “Metal Machine Music”, de Lou Reed, como disco mais inaudível de todos os tempos), e “Acnalbasac Noom”, dos Slapp Happy (“Casablanca Moon” de trás para a frente, versão simplificada de “Slapp Happy”, segundo álbum, na Virgin, do grupo de Anthony Moore, Peter Blegvad e Dagmar Krause).
“Rien” está à altura da mística dos Faust, desde o ilusionismo da apresentação e do invólucro. Depois da transparência absoluta de “Faust”, do negro retinto do “So Far” (mais as gravuras na edição original e no CD japonês) e de “The Faust Tapes” comercializado ao preço de um “single”, é a piada, a fazer jus ao título, de um livrete de oito páginas em cor de prata sem nada impresso. Nada aí, nada na lombada, “rien de rien”, nada de nada! Apenas um cartão minúsculo com uma foto desfocada do actual duo e, no verso, a mesma radiografia da mão do primeiro álbum.
Na faixa inicial, silêncio total. A segunda começa por contar o tempo de forma decrescente, com alguém a anunciar “C’ est rien, de Faust”, passando depois a avançar em sentido contrário. Na sétima e última, duas vozes desfasadas, uma feminina, outra masculina, fazem a apresentação da ficha técnica, em inglês e alemão. A produção, só então ficamos a saber, pertence a Jim O’ Rourke, activista norte-americano da música electrónica, com obra gravada na Extreme.
É um álbum violento, radical como todos os álbuns dos Faust. Talvez o mais radical e violento de todos. Ferro ferrugento mais broca de dentista. Desapareceram o humor (“Krautrock”, lembram-se?), o romantismo enferrujado e as típicas baladas esvoaçando em melodias do outro mundo, como “Meadow meal”, “On the way to Abamäe” ou “The sad skinhead”. Em 1995 o céu cobriu-se de um tecto de nuvens e o ar é constantemente riscado por estática e jactos de ácido sulfúrico.
“Rien” prolonga a agonia sonora do lado mais experimental e ruidoso da banda até ao ruído rosa. É o “noise” industrial a reivindicar direitos de autoria sobre súbditos como Einsturzende Neubauten, Test Dept. ou Asmus Tietchens. Despertos da longa letargia, os Faust voltaram para inundar de novo o planeta com pesadelos e ácido com muita estricnina. “Rien” é o niilismo elevado à categoria de arte, numa aula de química adulterada. E a demonstração de que os Faust têm mais do que uma alma para vender ao diabo.