Diamanda Galas & John Paul Jones – “The Sporting Life”

pop rock >> quarta-feira >> 14.09.1994


Casamento Entre Iguais

Diamanda Galas & John Paul Jones
The Sporting Life
Mute, distri. BMG


A bruxa juntou-se ao aprendiz de feiticeiro. Era de prever e só admira que o encontro tenha acontecido tão tarde. Diamanda é a diva do inferno, a dama da sida, a praga. John Paul Jones era o baixista dos Led Zeppelin e adepto confesso da magia negra. O que se calhar lhe valeu, ao longo de uma carreira atribulada, alguns dissabores, como a morte de familiares, desastres vários e um “karma” que cuidado com ele. Parece que não lhe serviu de lição. “The Sporting Life” não se parece com nada que Diamanda Galas tenha feito antes, incluindo a trilogia sobre a sida, sob uma perspectiva bíblica invertida, na qual o gospel (“evangelho”, precisamente) e os blues são radicalmente recontextualizado. Por vezes, é como se os Led Zeppelin tivessem trocado de vocalista, tal são as semelhanças das linhas de baixo e bateria com as desta banda que um dia chegou a contar com a presença de Sandy Denny num dos discos, o dos quatro símbolos. São os mesmos riffs, embora mais depurados e próximos, algumas vezes, dos rhythm ‘n’ blues, enquanto noutras o som se aproxima das bandas de heavy metal da primeira geração, como os Black Sabbath.
Num dos temas, Diamanda Galas surge numa interpretação soul que evoca a dilaceração e dramatismo interpretativos de Otis Redding. Um órgão barato serve de suporte para a cantora interpretar “I want your mind!”, para em seguida se entregar a uma gritaria infernal e às imprecações do costume com que consegue pôr os cabelos em pé ao mais incauto. O que aqui soa estranho e perturbante não é tanto a música em si – vulgar, nada que um bom grupo de “metal” não conseguisse fazer melhor -, mas a sensação que provoca de “democratização” e vulgarização de um demonismo que desde há muito vem caracterizando o trabalho anterior dos dois músicos. Como se a arte herética de Galas se tivesse voluntariamente chegado mais perto da populaça, abandonando o tom elitista de toda a sua anterior discografia para se disfarçar, como na fábula, de lobo mau. Nesta perspectiva, torna-se irrelevante tentar perceber se foi Galas quem se serviu do estatuto de “músico popular” do ex-Led Zeppelin para melhor fazer passar a sua mensagem ou se, pelo contrário, foi este que encontrou na cantora maldita o seu “alter ego”, qual deusa da desgraça, arma de vingança ou exorcizadora de demónios. O tom de loucura e religiosidade destituída de transcendência prevalecem e, se quiséssemos encontrar um paralelo deste álbum (que se calhar não faz mais de que retomar as verdadeiras raízes da música rock), teríamos por força que mencionar a obra de Nick Cave, como Galas, um viajante das trevas, nos últimos tempos vestido com as roupas de “entertainer”. E agora Galas? Descer ainda um degrau e seduzir os Pet Shop Boys para melhor penetrar nas esferas inferiores da pop? Ou, porque não, Madonna, a sua verdadeira irmã espiritual? (6)

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