Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #89 – “SUPERSISTER (FM)”

#89 – “SUPERSISTER (FM)”

Fernando Magalhães
15.03.2002 190742
Não quero entrar no fim-de-semana sem deixar de falar de uma audição (ontem) que me deixou absolutamente extasiado.

Encontrei o CD em questão, em saldo (8,95 euros na Roma Megastore). pertence a uma banda de que apenas tinha ouvido falar (de facto, há muitos anos), sem que verdadeiramente me tivesse interessado em saber a que é que soaria. Entretanto alguém já me alertara para a excelência da sua música.

A banda é holandesa e chama-se SUPERSISTER. Os dois álbuns que ouvi, estão compactados (e remasterizados) numa versão “dois em um” da Polydor, com uma capa desgraçada, mas a música…meu Deus!….

São eles: “Letter from Nancy”, de 1970, e “To the Highest Bidder”, de 1971.

Pelas datas já adivinharam: trata-se de uma banda do período áureo do… Progressivo. Mas atenção: é um daqueles discos (na verdade, dois discos) de exceção. Magnificamente tocado, junta experimentação, eletrónica, jazz, humor e acima de tudo uma imaginação e um equilíbrio notáveis.
Coloco os dois discos entre os clássicos dos anos 70.

Imaginem um cruzamento de “Third”, dos SOFT MACHINE, com (outra obra-prima) “The Polite Force”, dos EGG e uma atitude e imaginação aparentadas às dos GENTLE GIANT, com vocalizações tão suaves e viciantes como as de uns CARAVAN…

Ao pé dos SUPERSISTER, outras bandas holandesas da época, como os FOCUS, SOLUTION ou FINCH, parecem-me quase vulgares.

Esta mensagem, estou ciente disso, não chegará provavelmente para convencer alguém a desatar à procura deste CD mas, garanto-vos, quem se dispuser a tal e ouvir esta música, sentir-se-á recompensado!

FM
Prog

Roberto Musci / Giovanni Venosta – “Water Messages On Desert Sand” + Lights In A Fat City – “Somewhere”

IBÉRICO INVERNO 1988 >> Discos


ROBERTO MUSCI/GIOVANNI VENOSTA
Water Messages On Desert Sand LP
RECOMMENDED RECORDS-87

LIGHTS IN A FAT CITY
Somewhere LP
THESE-88


Primeira constatação: a audição destes dois discos proporciona ao auditor um prazer intenso, não o prazer meramente intelectual que experimentamos ao escutar certas obras geralmente traduzido por reconhecimentos do tipo: “Está extremamente bem feito”, “a ideia é bastante interessante”, etc. Não, este é um prazer feito de emoções, a música que nos é dada a escutar toca-nos por dentro de uma forma imediata e intuitiva.
O ponto de partida de ambos é semelhante, os processos e objetivos distintos. No caso dos Italianos o ponto de partida é a música ou músicas étnicas, recolhidas em cassete, do folclore das mais diversas regiões do globo (Irão, Argélia, Afeganistão, Etiópia, etc). A partir destes sons iniciais (na sua forma primitiva ou passados para samplers) é efetuada toda uma série de tratamentos e manipulações sonoras cujo resultado é algo que poderemos definir, utilizando um termo já algo vulgarizado, mas aqui perfeitamente justificado, como uma música universal, aliando as sonoridades tradicionais à eletrónica mais sofisticada.
A sensação é a de que todas estas músicas nasceram para se juntarem numa única, abarcando em si todos os sons, todas as culturas, todas as tradições. Não se trata de uma colagem, antes uma síntese perfeita de todos estes elementos. O exemplo paradigmático é o tema “Empty Boulevard”, no caso efetuado com uma extraordinária economia de meios: uma harmonização de Roberto Musci, em guitarra acústica sobre a gravação de um canto de uma rapariga pigmeu – encontro perfeito de duas músicas, para além do espaço e do tempo.
Com este disco estamos já muito à frente das obras pioneiras de Holger Czukay (“Cannaxis 5”, “Movies”); não podemos já falar da justaposição de várias músicas mas de uma só MÚSICA, feita de muitas.
Quanto aos Lights In A Fat City, a proposta é outra: a recuperação das sonoridades étnicas Australianas e nomeadamente de um instrumento musical característico da cultura Aborígena desta região, o Didjeridoo. Também aqui as sonoridades eletrónicas são determinantes, embora os sons base sejam os do já referido instrumento e de percussões variadas, tocados realmente pelos músicos do grupo. É este som “real”, se assim o quisermos chamar, que é finalmente tratado por meios eletrónicos. A sonoridade final situa-se num campo muito próximo ao de Jon Hassell e à sua Fourth World Music.
A diferença entre estes dois discos está em que um, o dos Lights In A Fat City, pretende essencialmente devolver-nos a tradição sob novas formas, o de Roberto Musci e Giovani Vennosta, parte dessa mesma tradição para uma música inteiramente nova. Tradição, afinal, o grande elo entre Passado e Futuro. Ambas as propostas são irrecusáveis e fascinantes.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #88 – “Eu crítico de jazz (FM)”

#88 – “Eu crítico de jazz (FM)”

Fernando Magalhães
15.03.2002 180615
Calma aí, gente!

Calma, Timmy!

Calma.

Já estão calmos? Good.

Bom. Em primeiro lugar. Não sou, nunca serei, nem pretendo ser crítico de jazz, da mesma maneira que não me considero crítico de rock, pop, eletrónica, experimental, seja lá o que for.

Sou apenas alguém que gosta de música, é viciado em música e já ouve música há muitos e muitos anos. Com uma certa apetência pelas sonoridades mais bizarras ou “outside” (para utilizar uma termo caro a uma certa gíria do jazz…

A minha relação com o jazz está longe de ser a de um jazzófilo típico. Normalmente gosto dos discos de jazz que escapam ao jazz-jazz, preferindo amiúde, em cada intérprete, obras que saem do seu discurso mais habitual. Com exceções, claro.
Há “obras-primas”, ou pelo menos assim consideradas mais ou menos unanimemente pela crítica especializada, às quais sou completamente indiferente. Ou vice-versa. Adiro emocionalmente a outras que o jazzófilo conhecedor despreza.

Só recentemente, muito em virtude de carradas de Cds de jazz trazidas de “o vendedor”, é que o meu entusiasmo pelo jazz – um certo jazz, atenção! – disparou em flecha.

Em certa medida, e por outro lado, poderei dizer que não sou eu que estou a fazer a vénia ao jazz (procurando tornar-me o expert que não sou nem tenciono nem tenho interesse em ser) mas antes – é curioso – uma adaptação, ou ajustamento de um certo jazz à minha própria personalidade, como amante de música.

Sei, já me disserem, e dá para perceber, que no jazz, como noutros géneros musicais, existem lobbies. Estou-me nas tintas! Gosto de jazz mais recente como gosto de jazz mais antigo. Por ex. Descobri Duke Ellington através de um dos seus discos menos típicos: “The Afro-Eurasian Eclipse”. Mais recentemente, descobri outro grande pianista, através de uma gravação de 1949: LENNIE TRISTANO.

Da mesma maneira. gosto de alguma fusão (os primeiros WEATHER REPORT, CHICK COREA, BILLY COBHAM, MAHAVISHNU ORCHESTRA/SHAKTI…) e de jazz contemporâneo (MYRA MELFORD, BOBBY PREVITE, mesmo os…CHICAGO UNDERGROUND TRIO…).

Não procuro ser sistemático (como sou, por ex. com a folk…). É puro prazer auditivo que me guia. O resto vem por acréscimo.

Sem mais, por agora, subscrevo-me respeitosamente

Fernando Magalhães

PS-O Júlio Alvarez pediu-me para informar que recebeu material novo de Singapura.