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Roberto Musci / Giovanni Venosta – “Water Messages On Desert Sand” + Lights In A Fat City – “Somewhere”

IBÉRICO INVERNO 1988 >> Discos


ROBERTO MUSCI/GIOVANNI VENOSTA
Water Messages On Desert Sand LP
RECOMMENDED RECORDS-87

LIGHTS IN A FAT CITY
Somewhere LP
THESE-88


Primeira constatação: a audição destes dois discos proporciona ao auditor um prazer intenso, não o prazer meramente intelectual que experimentamos ao escutar certas obras geralmente traduzido por reconhecimentos do tipo: “Está extremamente bem feito”, “a ideia é bastante interessante”, etc. Não, este é um prazer feito de emoções, a música que nos é dada a escutar toca-nos por dentro de uma forma imediata e intuitiva.
O ponto de partida de ambos é semelhante, os processos e objetivos distintos. No caso dos Italianos o ponto de partida é a música ou músicas étnicas, recolhidas em cassete, do folclore das mais diversas regiões do globo (Irão, Argélia, Afeganistão, Etiópia, etc). A partir destes sons iniciais (na sua forma primitiva ou passados para samplers) é efetuada toda uma série de tratamentos e manipulações sonoras cujo resultado é algo que poderemos definir, utilizando um termo já algo vulgarizado, mas aqui perfeitamente justificado, como uma música universal, aliando as sonoridades tradicionais à eletrónica mais sofisticada.
A sensação é a de que todas estas músicas nasceram para se juntarem numa única, abarcando em si todos os sons, todas as culturas, todas as tradições. Não se trata de uma colagem, antes uma síntese perfeita de todos estes elementos. O exemplo paradigmático é o tema “Empty Boulevard”, no caso efetuado com uma extraordinária economia de meios: uma harmonização de Roberto Musci, em guitarra acústica sobre a gravação de um canto de uma rapariga pigmeu – encontro perfeito de duas músicas, para além do espaço e do tempo.
Com este disco estamos já muito à frente das obras pioneiras de Holger Czukay (“Cannaxis 5”, “Movies”); não podemos já falar da justaposição de várias músicas mas de uma só MÚSICA, feita de muitas.
Quanto aos Lights In A Fat City, a proposta é outra: a recuperação das sonoridades étnicas Australianas e nomeadamente de um instrumento musical característico da cultura Aborígena desta região, o Didjeridoo. Também aqui as sonoridades eletrónicas são determinantes, embora os sons base sejam os do já referido instrumento e de percussões variadas, tocados realmente pelos músicos do grupo. É este som “real”, se assim o quisermos chamar, que é finalmente tratado por meios eletrónicos. A sonoridade final situa-se num campo muito próximo ao de Jon Hassell e à sua Fourth World Music.
A diferença entre estes dois discos está em que um, o dos Lights In A Fat City, pretende essencialmente devolver-nos a tradição sob novas formas, o de Roberto Musci e Giovani Vennosta, parte dessa mesma tradição para uma música inteiramente nova. Tradição, afinal, o grande elo entre Passado e Futuro. Ambas as propostas são irrecusáveis e fascinantes.

Mnemonists – “The Horde ” + Biota – “Vagabones & Rackabones” + Biota – “Tinct”

IBÉRICO INVERNO 1988 >> Discos


MNEMONISTS
The Horde LP
RECOMMENDED RECORDS-84

BIOTA
Vagabones & Rackabones DUPLO LP
DYS-85

BIOTA
Tinct LP
RECOMMENDED RECORDS-88



Todos estes discos têm em comum o facto de os seus autores não se preocuparem minimamente em fazer música, no sentido que vulgarmente atribuímos a este termo, mas sim (des)organizarem o som, apresentando-nos algo que, no entanto, intuímos ser ainda do domínio do musical. A audição de qualquer destas três obras obriga o ouvinte a colocar-se numa posição incómoda e numa perspetiva radicalmente nova, apelando para um tipo de sensibilidade, também ela diferente. Implica ainda uma atenção permanente e o abandono completo de toda e qualquer ideia preconcebida que pudéssemos ter sobre o que é ou não a música. O não cumprimento destes requisitos implica a total rejeição e uma incomunicabilidade absoluta entre a mensagem emitida e o auditor-recetor.
Mas tentemos explicar melhor o que se pode sentir e perceber com a audição de qualquer um destes discos: a 1ª sensação que experimentamos é, sem dúvida, a de uma enorme estranheza; nada nesta ‘música’ é minimamente familiar, tanto quanto ao conteúdo como ao aspeto formal: todos estes álbuns são inteiramente instrumentais, embora não dispensem a utilização da voz, como uma outra fonte sonora. Quanto à instrumentação utilizada – uma panóplia imensa de instrumentos acústicos, desde os convencionais aos mais exóticos. Quando escutamos a música dos Mnemonists ou dos Biota, afinal designações diferentes para o mesmo núcleo de músicos, a sensação de insegurança e a inexistência total de pontos de referência que possam orientar a audição, tornam ainda mais intensa essa outra sensação de estranheza absoluta. Não se pode, sobre esta música, emitir quaisquer juízos fáceis do tipo “Gosto!” ou “Não gosto!”, tornados neste caso totalmente irrelevantes.
A 2ª impressão com que se fica, após a audição destes álbuns, é a de se ter vivido e participado numa experiência absolutamente fora de tudo o que poderíamos esperar do “simples” ato de ouvir um disco; e logo de seguida a constatação de não conseguirmos determinar que tipo de experiência foi essa! Ainda aqui os pontos de referência são nulos. Apelamos então para qualquer informação que nos possa ser fornecida pelas capas. Nada a fazer! Os títulos das faixas são tão elucidativos como “Astray”, “Tottery”, “The Horde”, “Lapse”, etc.
Os Mnemonists/Biota tiveram o cuidado de fazer acompanhar as respetivas rodelas vinílicas (único elemento reconhecível…) de profusas ilustrações, também elas da sua autoria. Se pensávamos que aqui surgiria alguma pista, de imediato este pensamento desaparece, ou seja, também no campo das formas visuais, os autores primaram em ser radicalmente diferentes de tudo o que é habitual: formas entre o abstrato e o figurativo, combinações, texturas visuais e “trompe l’oeil” totalmente absurdos, simultaneamente repulsivas e fascinantes, sem, no entanto, elucidarem sobre o que quer que seja, quanto ao seu conteúdo. Ou talvez a chave esteja precisamente no título de uma destas gravuras: “MYSTERIUM TREMENDUM ET FASCINORUM”…
Três obras primas absolutas que alargam (ou rompem) os limites daquilo que nos habituámos a designar por Música.

CTI with Guests – “Core – A Conspiracy International Project”

IBÉRICO INVERNO 1988 >> Discos


CTI w/Guests
Core – A Conspiracy International Project
PLAY IT AGAIN SAM, SAM-88



Este disco, ao contrário do que possa parecer a quem manusear distraidamente a capa, não é uma coletânea. Trata-se antes de um projeto dos CTI, duo constituído por Chris Cárter e Cosey Fanni-Tutti, dois ex-THROBBING GRISTLE, para o qual foram convidados a participar, em cada faixa, músicos ou grupos seus amigos, tais como os COIL, MONTE CAZAZZA, LUSTMORD ou BOYD RICE dos NON.
Ideologicamente falando, e apoiando-nos nos textos explicativos do folheto incluso na capa, é mais um cruzamento de Nietzsche e a sua teoria super-homem com o marquês de Sade, com os pózinhos de magia negra hi-tech q.b., habituais neste tipo de música.
Musicalmente falando, este é um álbum bastante diversificado, oscilando entre o muito bom (COIL, LUSTMORD), o mais vulgar neste género de música, isto é, samplers, percussões eletrónicas e vozes ameaçadoras traficadas (MONTE CAZAZZA), e o sublime, como é o caso do tema “Unmasked” que surpreendentemente inclui uma discreta mas brilhante interpretação vocal de Robert Wyatt.
Trata-se, em suma, de mais uma tentativa de criação de um novo tipo de música ritual, apoiada na tecnologia eletrónica de ponta que pretende simultânea e ambiguamente destruir os velhos valores, substituindo-os por outros de sinal contrário. Neste aspeto são sintomáticos os dois temas já referidos, contanto com a participação dos COIL (“Feeder”) e de LUSTMORD (“Over Abyss”: uma religiosidade demoníaca, ambientes sonoros ao mesmo tempo belos e terríveis de um inferno tornado atraente, para o qual se voltam muitos que habitam outros infernos, de dor e desespero. Baseando-nos nos mesmos COIL, num seu outro disco, poderemos perguntar: “Uma porta de saída ou de entrada?”.
Este não é, no entanto, um projeto dos mais radicais (como o têm sido, por exemplo, todos os álbuns de Jim Thirwell, vulgo Clint Ruin ou Foetus). Não é o hard-core 1º escalão que se poderia esperar, mas um soft-core de qualidade; para os apreciadores do género, é claro!…