Rui Veloso – “Rui Mingos No Tempo Dos Samurais” (televisão)

03.01.1991
Sábado, Local, Televisão


Rui Mingos No Tempo Dos Samurais

Todos precisam de um pai. Rui Veloso é papá e papa do rock português, ou seja, é venerado como pai e como santo. Não que p “Chico Fininho” fosse muito católico, ou que actividades como “Rolar contigo num Palheiro”, sejam próprias para dizer na missa.. Muito menos no “Dia da Comunhão Solene”, ainda segundo as palavras de Carlos Tê.
Os dias 25, 26 e 27 de Outubro do ano passado foram datas de liturgia e reunião familiar, em Lisboa, no Coliseu dos Recreios, transformado em catedral a que acorreram milhares de fiéis, entre os quais o nosso presidente fixe. Segundo rezam as crónica, foram duas horas e meia de boas canções que não deixaram ninguém indiferente, celebração festiva de uma carreira feita de coerência e pureza de intenções. Rui Veloso e Carlos Tê sabem contar histórias. Pelos “blues”, estrada que o cantor gosta de trilhar, em baladas sobre gentes e lugares que conhece e imagina. E pelo rock, o tal de que é pai em Portugal.
No Outono foi assim – passagem por caminhos antigos, de “Rolar contigo num Palheiro”, ouvir o “Negro do Rádio de Pilhas”, ou os percorridos pelo andar gingão do Chico da Cantareira, mas sobretudo a homenagem completa de “Mingos e os Samurais”, cantando as glórias e agruras da banda que quase ninguém conheceu. Personagens de um tempo de que hoje sorrimos e recordamos com emoção. Menos os mais novos, que talvez não saibam como é escuro quando “Não Há estrelas No Céu”.


Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #130 – “Chicago Underground Orchestra na Gulbenkian (Pedro_M)”

#130 – “Chicago Underground Orchestra na Gulbenkian (Pedro_M)”

Fernando Magalhães
05.08.2002 170530
Uma deceção. A ideia geral que me ficou foi a de estarmos perante uma banda de aquecimento, de simples acompanhantes, à espera de um qualquer genial solista que arrancasse a música daquela modorra…

Foi irritante ver tanto medo de arriscar uma nota a mais, um qualquer arremedo de criatividade.

Fiquei sem perceber muito bem o que estava ali a fazer o vibrafone…

Salvaram-se alguns instantes em que o Mazurek conseguiu criar ambientes de um certo lirismo, quando resolvia tocar quase em surdina… Mas soube a muito pouco…

Enfim, estou de férias, perdi (e parece que perdi muito…) o concerto do FRED ANDERSON c/ o HAMID DRAKE. Estarei de novo no anfiteatro na próxima 4ª-feira, para a Marilyn Crispell.

saudações

FM

Vários (Marta Sebestyen & Muzsikas – “Blues For Transylvania” + Mari Boine Persen – “Gula Gula” + Vários – “Banda Sonora Do Filme ‘The Mahabharata'” + Mouth Music – “Mouth Music” + Jon Hassell – “City: Works Of Fiction” + Ingram Marshall – “Three Penitential Visions / Hidden Voices” + Steve Shehan – “Arrows” + Ersatz – “Ersatz”) – “O Melhor de 1990″ (world e electro)”

Pop-Rock 02.01.1991


O Melhor de 1990

WORLD


1990 foi sobretudo o ano de todos os encontros, cabendo ao Oriente a parte de leão, desde a enésima versão das vozes búlgaras às divagações eléctricas centradas na Ásia. Em Portugal, o acontecimento do ano, nesta área musical, passou despercebido: numa perspectiva descentralizadora, realizaram-se no passado Verão, em Oeiras, Famalicão e Évora, os primeiros Encontros Musicais da Tradição Europeia, organizados por uma cooperativa nortenha. Foi possível escutar ao vivo a magia musical de regiões culturalmente tão ricas como a Escócia, a Cantábria, o Piemonte e a Ocitânia, trazidas respectivamente por Andrew Cronshaw, Manuel Luna, La Ciapa Rusa e Perlinpinpin Folc. Também no capítulo das edições discográficas, nomeadamente de música celta, os adeptos não se puderam queixar, graças a alguns importadores nacionais que tornaram disponíveis, entre nós, catálogos tão importantes como os da “topic”, da “Iona” ou da “Green Linnet”.

MARTA SEBESTYEN & MUZSIKAS
Blues For Transylvania
Hannibal, distri. Nébula

Foi na Transilvânia que Drácula e Ceaesescu, pela imaginação ou pela revolta verdadeira da população, se viram arrancados dos tronos do poder. Terra de violentos confrontos, telúricos e políticos, cantada pela voz forte e doce de Marta Sebestyen. Como em “The Prisoner’s Song” e “Muzsikas”, de novo se canta a história e o dorido queixume da alma romena, aqui expressos com tanta intensidade, como se do lamento de um “blues” se tratasse. No seio das “Muzsikas”, a tradição é assumida como acto. No ano passado, a banda tocava em homenagem às vítimas de Timisoara, conciliando o inconciliável – tradição e revolução.

MARI BOINE PERSEN
Gula Gula
Real World, distri. Edisom

Mari nasceu em Gamehisnjárga, promontório algures a norte da Escandinávia, atravessado pelo rio Anarjohka e habitado pela etnia Sámi. Os mapas não registam tal local. Nunca é tarde para se aprender geografia. Mari optou pela “civilização”, passando a sentir na carne o confronto entre diferentes culturas. Na escola ensinavam em norueguês. Resolveu mudar o estado das coisas, recuperando a língua e o espírito antigos. “Gula Gula” significa “Escuta a voz dos antepassados – assombrações e melodias estranhas, auroras boreais que esculpem, lentamente, novas maneiras de sentir.

Banda Sonora Do Filme “The Mahabharata”
Real World, distri. Edisom

O princípio do mundo, segundo a lenda hindu, recriado pela inspiração colectiva de um grupo de intérpretes de várias nacionalidades, baseada nos sons tradicionais, nomeadamente do Tibete e da Índia. Música de “fusão”, bem entendido, que combina diferentes sensibilidades e discursos musicais, unificados por uma comum aspiração à beleza absoluta. “Música do mundo” em todo o seu esplendor a que os poemas de Rabindranath Tagore e a voz de Sarmila Roy acrescentam a dimensão do sublime.

MOUTH MUSIC
Mouth Music
Triple Earth, import. Contraverso

Discos de música celta, saídos este ano, ainda cá não chegaram. Este “Mouth Music” (ou “Puirt a Beul”, em gaélico, designando um estilo vocal destinado à dança) acaba por ser um bom substituto, talvez não muito do agrado dos puristas, mas, de qualquer modo, uma entre outras interpretações possíveis da música tradicional escocesa. Os instrumentos de Martin Swan e a voz cristalina de Talitha MacKenzie fazem-nos acreditar que o mundo é uma história de encantar.


ELECTRO

Tornado obsoleto o termo “new age” – por demasiado redutor quando aplicado, na generalidade, a músicas formal e esteticamente assentes no primado da electrónica -, nem por isso estas têm deixado de enveredar por caminhos e “idades” (passadas e futuras) que constantemente procuram actualizar o conceito de “novo”, “Ambiental”, “industrial”, “planante”, “meditativa”, “ritual”, “techno”, são outras categorias abrigando o espírito exploratório dos “malucos” dos computadores, sequenciadores, sintetizadores e máquinas afins, unidos na epopeia de “dar novos mundos” ao mundo da música.
1990 foi o ano da pluralidade e da síntese dos folclores planetários (reais ou imaginários) com a alquimia digital. Nunca como agora soaram tão bem juntos o vento, a água, o canto das vozes e dos instrumentos tradicionais, a electricidade e a imaginação humana. Insustentável beleza do Apocalipse…

JON HASSELL
City: Works Of Fiction

Land, import. Contraverso
O trompete galáctico e tribal, guia condutor das viagens pelos sonhos e lugares luxuriantes do mundo que há de vir, Jon Hassell demanda a totalidade e nunca, como nestas “ficções”, esteve tão próximo de a alcançar. Depois das experiências, em “Flesh Of The Spirit”, com o agrupamento do Burkina Faso, Farafina, e do tropicalismo brasileiro de “Earthquake Island”, o trompetista americano lançado por Brian Eno consegue criar uma espécie de “funky” estratosférico (o temas “Voiceprint” teve mesmo direito a nova mistura, em versão maxi, ainda mais dançável) que actualiza a ideia de “aldeia global)” enunciada por McLuhan.

INGRAM MARSHALL
Three Penitential Visions / Hidden Voices

Elektra Nonesuch, import. VGM e Contraverso
Para Ingram Marshall, todos os sons são matéria susceptível de transmutação. Um computador soletra as sílabas mágicas da natureza, sirenes de nevoeiro vibram como sinfonias. “Abrandamento da percepção temporal” e “evocações encantatórias”, segundo o compositor. Em “Three Penitential Visions” utiliza como matriz sonora o ranger do gigantesco portão em aço da cadeia de Alcatraz. “Hiden Voices” junta “samples” de cânticos fúnebres russos, a uma soprano feminina entoando um hino religioso. Reinvenção do sagrado.

STEVE SHEHAN
Arrows

Made To Measure, distri. Contraverso
Steve Shehan toca neste disco cerca de cinquenta instrumentos diferentes, desde os artefactos étnicos primitivos aos “samplers” mais sofisticados. Na confluência das sínteses festivas da dupla Musci / Venosta com o ascetismo e contenção de Stephan Micus, a música de Steve Shehan cria paisagens de extraordinária serenidade e complexidade, recriando as forças de um mundo ancestral em que “a música existia somente por causa do poder da vibração e do seu efeito, místico e sensível, sobre a condição humana”.

ERSATZ
Ersatz

Pinpoint, import. Contraverso
Dieter Moebius (antigo companheiro de Joachim Roedelius, nos Cluster), e um tal Renziehausen, inventaram a fábrica do futuro. Ambientais, industriais, frios, robóticos, hipnóticos, os Ersatz são tudo o que se lhes quiser chamar. Se Roedelius representava a faceta romântica dos Cluster, Moebius deitou para trás a melodia e carrega com força na tecla do ritmo e dos automatismos electrónicos. Abstracta, terrivelmente sedutora, a música destes alemães prolonga a racionalidade milimétrica dos Kraftwerk até ao limite demoníaco da pura matemática.