Arquivo da Categoria: Folk

Jorge Palma – “‘Té Já”

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


Jorge Palma
‘Té Já
Strauss



Como as coisas se revelam diferentes à distância! Em 1977, ano da sua primeira edição, “Té Já” soava como um disco soava como um disco importante de um autor então à margem dos esquemas normais de produção. “Outsider”, viandante das estradas de dentro e de fora, Jorge Palma viajava nessa altura também em busca da forma ideal para as suas canções. Com um pé nos sintetizadores do “rock sinfónico”, nas duas versões de “Ainda há estrelas no teu olhar”, outro no jazz, no caso de “O amigo das plumas coloridas”, e o olhar perdido, já “triste e cansado”, nos amores e nas baladas intimistas que vieram a caracterizar parte importante do seu estilo, Jorge Palma soltava no ar gritos de angústia e de protesto, fazendo-se arauto do eterno conflito de gerações. E procurava remédio ou fuga nas palavras, antes de finalmente descansar no “Bairro do Amor”, que neste disco aparece na sua primeira e ainda incipiente versão, distante do magnífico tema em que se viria a transformar, com novo arranjo, incluído no álbum de 1989 com o mesmo nome. Hoje, a força de canções como “Eu sei lá” aparece diluída e a ingenuidade ressalta no meio de tantas boas intenções. Mesmo assim as palavras de “Podem falar” e “Eles já estão fartos” – dois dos melhores temas deste trabalho, por sinal aqueles onde a mensagem de revolta social e geracional surge de forma explícita – continuam ainda hoje a provocar cócegas na consciência… (6)

Dolores Keane e Kathryn Tickell – “Dolores Keane E Kathryn Tickell – 7 de Maio, Coliseu dos Recreios, Lisboa”

pop rock >> quarta-feira >> 04.05.1994


A Dama E A Vagabunda

Dolores Keane (na foto) E Kathryn Tickell
7 de Maio, Coliseu dos Recreios, Lisboa



Dolores Keane e Kathryn Tickell. Uma voz da Irlanda, uma gaita-de-foles de Northumberland, Inglaterra. Duas gerações da melhor música tradicional britânica em confronto. Veterana e caloira arriscam outros passos, fora da tradição.

Marcado inicialmente para 8 de Maio na Aula Magna, o concerto de Dolores Keane e Kathryn Tickell foi antecipado um dia, 7 de Maio, no Coliseu dos Recreios. A organização deste espectáculo, integrado na actividades de Lisboa-94, justificou a alteração da data e do local com a necessidade de arranjar um recinto com maior lotação. “A Aula Magna era um local com lotação limitada para a importância do espectáculo”, disse um porta-voz da organização. Mas então não viram isso logo de início?
Subordinado ao tema “A mulher na música popular”, de resto o mesmo da última edição do Festival Intercéltico do Porto, o concerto promete muito, imenso mesmo, se não acontecerem os imponderáveis que mancharam anteriores iniciativas no campo da música folk promovidas com o apoio da edilidade lisboeta. Para já, o programa oficial de Lisboa-94 relativo aos meses de Abril e Maio incorre, no âmbito limitado deste concerto, num equívoco grave, para não dizer na desinformação. Assim Kathryn Tickell é apresentada como sendo apenas uma violinista da escola de Shetland (“fiddle”, que é o seu segundo instrumento) sem se fazer qualquer referência à “Northumbran pipes”, modalidade de gaita-de-foles característica da região de Northumberland (a mais “céltica” de Inglaterra, nas palavras da artista), situada no Norte do país, na qual Tickell se notabilizou como solista. Kathryn Tickell vem a Portugal acompanhada da sua nova banda, da qual fazem parte a acordeonista Karen Tweed, o baixista Geoff Lincoln e o guitarrista Ian Carr (não, não é o trompetista dos Nucleus com o mesmo nome…). Bastante jovem (25 anos) e bonita, vagabunda na estética e nos gostos – Prince, XTC, Talking Heads, Ornette Coleman, Ian Dury, Sharon Shannon, já para não falar num tema do seu reportório que utiliza um “riff” de baixo dos Hot Chocolate -, Kathryn Tickell possui o carisma e o talento que a poderão levar ao estrelato. Para já tem sabido rodear-se de boas companhias, tendo colaborado com Sting no álbum “Soul Cages” e, na área da folk, com os doutores Chieftains, em “The Bells of Dublin”. A propósito deste álbum merece a pena vê-la, num dos momentos de maior magia do vídeo de longa duração feito sobre o disco, a manter um diálogo descomplexado com o grande-mestre das “Uillean pipes” Paddy Moloney. O velhinho e o borracho em completa sintonia. De discos em nome próprio de Kathryn Tickell é que estamos mal servidos. Nem 2Common Ground” nem o recente “Signs” chegaram até agora a Portugal. Talvez na altura do concerto…
Dolores Keane, ao contrário da mocinha da gaita, é uma veterana. Uma grande dama, como se costuma dizer, do canto tradicional da Irlanda. Nascida no seio de uma família de músicos (a mãe é outra senhora cantora, como se viu, a ela e à filha, no documentário “Bringing It All Back Home”, e o irmão mais novo, coitado, mais modesto, acabou de lançar um álbum apenas engraçado, “All Heart No Roses”), Dolores cantou com os Reel Union, datando de 1978, com esta formação, o seu primeiro e esplendoroso álbum a solo, intitulado “There Was A Maid”. Fez parte de uma das bandas emblemáticas do “British folk revival” dos anos 70, os De Danann, com os quais gravou em 1975 o álbum de estreia “De Danann”, regressando dez anos mais tarde, em “Anthem”, de 1985, e “Ballroom”, de 1987 na companhia de outras duas notáveis cantoras, Mary Black e Maura O’Connell. Os Chieftains acolheram-na no único dos seus álbuns onde está presente uma voz feminina, “Bonaparte’s Retreat” (correspondente ao volume VI da discografia do grupo). Mas foi em parceria com o seu marido e guitarrista John Faulkner que a voz de Dolores encontrou o contexto mais fértil para a explanação de todas as suas potencialidades. Nos álbuns “Farewell to Eirinn”, “Sail Óg Rua” e “Broken Hearted I’ll Wander”, três jóias não só do canto feminino como da música tradicional irlandesa em geral.
Infelizmente, nos últimos anos, Dolores Keane tem dado mostras de se render ao apelo de um certo comercialismo, enveredando por um caminho semeado de cedências e encostos à pop, o que, se por um lado mostra que permanecem intactas, se possível até ainda mais requintadas, todas as suas capacidades vocais, por outro deixa a impressão desagradável de uma voz acomodada a facilidades que pouco ou nada adiantam ao prestígio da cantora.
“Dolores Keane”, “Lion in the Cage” e “Solid Ground” são por isso pára nós os álbuns menos conseguidos. Talvez tenha faltado até agora a Dolores Keane (como também a Maddy Prior…) o que não faltou a June Tabor – uma intuição e apropriação correctas da contemporaneidade capazes de transformar uma grande cantora tradicional numa grande cantora. Sem outros adjectivos.

Une Anche Passe – “Entre Tarentelle Et Sardane”

pop rock >> quarta-feira >> 26.01.1994
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Une Anche Passe
Entre Tarentelle Et Sardane
Silex, distri. Etnia



“Entre Tarentelle et Sardane”, segundo álbum da banda, é uma aventura em que a música tradicional se funde e se confunde entre a realidade factual e a realidade virtual, o “verdadeiro” e o “falso” étnico, a norma e a sua perversão. Poderia ser um disco da editora Recommended como não desdenharia ser arrumado ao lado de “Véranda”, de Riccardo Tesi com Patrick Vaillant.
Une Anche Passe é uma orquestra de instrumentos de palheta (“anche”9, simples ou dupla, que explora a gama de possibilidades, solistas ou em “ensemble”, de instrumentos como o “piffero” de Piemonte, a “gralla” da Catalunha (ambos parentes da bombarda, todos formas rústicas do oboé), o oboé do Languedoque, o clarinete, a “cabrette” (um dos muitos modelos de gaitas-de-foles francesas), a flauta “piccolo”, os saxofones, a tuba (e um seu parente, o eufónio) e o acordeão.
O reportório foi escolhido de acordo com as necessidades dos instrumentos e abrange desde músicas tradicionais de várias regiões da Europa (Catalunha, Languedoque, Itália, Bulgária, …) e da América do Sul (um tango e uma rumba) – material de cujas componentes estilísticas pertencentes a determinados patrimónios o grupo se serve “para definir novos horizontes musicais” -, a peças de encomenda, que incluem uma composição de Michel Portal. A par da diversidade geográfica e da ocorrência, em certo número de temas do “espírito ‘free’”, há todo um trabalho de pesquisa técnica (por exemplo, a modificação das palhetas) que, em última análise, tem por objectivo “dinamizar as possibilidades materiais de uma determinada família de instrumentos”. Chamem-lhes iconoclastas, que eles não se importam. (8)