Arquivo mensal: Janeiro 2018

Mouse On Mars – “Idiology” + Scratch Pet Land – “Solo Soli” + Vert – “Nine Types Of Ambiguity”

Y 25|MAIO|2001
discos|escolhas


MOUSE ON MARS
Idiology
7|10

SCRATCH PET LAND
Solo Soli
6|10

VERT
Nine Types of Ambiguity
7|10
Todos ed. Sonig, distri. Ananana

Noite marciana



O rato desorientou-se. De Colónia, uma das sedes da eletrónica alemã para o novo milénio, esperava-se mais dos Mouse on Mars. A dupla responsável por “Iahora Tahiti” (considerado pela revista Musik Express o 16º álbum mais importante da música alemã), o ultra-dançável “Autoditacker” e o irresistível “Niun Niggung”, resvalou em “Idiology” para a ideologia mal redigida, que inclui uma mini dissertação filosófica sobre a dialética unidade/pluralidade, e – a novidade – para a gaveta das canções. Entre a música de câmara, pautada pelas cordas, que situam um tema como “The illking” mais perto de Andrew Poppy do que de Michael Nyman, e uma vocalização canterburyiana, no delicioso “Presence”, tão luminoso como um trinado de Robert Wyatt com roupagens Caravan, “Idiology” consegue ainda dispersar-se por recriações electro dos Soft Machine (ainda “The illking”), dar passos atrás no pós-rock dos Tortoise e Stereolab (“Catching butterflies with hands”), samplar a “tecno pop” dos Kraftwerk (“Subsequence”), dar saltos ska no powerbook (“Doit”), experimentar o drum ‘n’ bass terrorista de Kid606 (“First:break”) e despedir-se com um equivalente da “sinfonia dos ananases” dos Kraftwerk de “Ralf & Florian” (“Fantastic analysis”). Tudo bem feito, mas sem um centro definido.
Na ala mais experimentalista da Sonig, os Scratch Pet Land são três tipos belgas que na foto da capa têm todo o ar de tipos belgas. Admiradores dos Dedalus (grupo progressivo italiano dos anos 70), Don Cherry, Faust e Os Mutantes, desprezam o groove e acenam a pedir a aprovação dos Dat Politics. O melhor de “Solo Soli” são a motorika computorizada de “Escargot couleurs” e “Alo fab”, e títulos como “Crot and sun ok papi k.o. crossfader speak”.
Em Vert, ou Adam Butler, o homem que digitalizou o concerto de Colónia de Keith Jarrett, as coisas passam-se com mais vivacidade e os sons organizam-se com outra vontade de libertação. Downtempo e matizes jazzy enquadram abstrações que se não fazem esquecer o mimetismo inspirado de “The Koln Konzert” pelo menos conseguem fazer ginasticar as máquinas.



To Rococo Rot & I-Sound – “Music Is A Hungry Ghost”

Y 25|MAIO|2001
discos|escolhas


TO ROCOCO ROT & I-SOUND
Music is a Hungry Ghost
City Slang, distri. EMI – VC
8|10



Mergulhar nos meandros mais obscuros da eletrónica sem perder a aura de romantismo crepuscular, foi o desafio colocado aos To Rococo Rot, com um dos seus principais elementos, Stefan Schneider, finalmente liberto das obrigações dos Kreidler. A parceria com I-Sound determinou a evolução do som no sentido do minimalismo e da abstração, invadindo os territórios de Vladislav Delay e Thomas Brinkmann. Mas o “swing” que distingue os To Rococo Rot das outras bandas eletrónicas do momento, arranca “Music is a Hungry Ghost” do convívio com a house e a tecno. Ainda que em temas como “How we never” esse balanço caia nos braços esqueléticos dos Suicide, em “Overhead” receba a bênção do velho Dieter Moebius e em “The trance of travel” manifeste uma costela Can. “From dream to daylight” é “música no Coração”, decorado pelo violino de câmara do convidado Alexander Balanescu. Mas algo mudou nesse romantismo. Tornou-se húmido e morno, parecendo escorrer do interior de uma bolsa amniótica.



Cristina Branco – “Figura” (artigo de opinião)

Y 5|JANEIRO|2001


|figura|



CRISTINA BRANCO Não é habitual uma cantora de fado começar a carreira no estrangeiro antes de ver reconhecido o seu trabalho em Portugal. Mas foi isso que aconteceu com Cristina Branco, 27 anos, currículo feito na Holanda, que acaba de assinar contrato com a Universal o que significa que os seus discos terão pela primeira vez edição e distribuição nacional.
Integra uma geração de novas fadistas à qual também pertencem Mafalda Arnauth, Sofia Varela, Joana Amendoeira, Marisa e Cátia Guerreiro. Ela prefere chamar-se “cantora de fado”, em vez de “fadista”, distinção que, no seu caso, faz sentido. Embora tenha crescido a ouvir fado (o primeiro de todos foi “Ai Mouraria”) assimilou igualmente a música de José Afonso ou de Sérgio Godinho. E Amália, claro, que deixou marcas, quando pela primeira vez ouviu da diva o álbum “Rara e Inédita”.
Emigrante, encontrou na Holanda a sua casa e foi neste país que gravou o disco de estreia, “Cristina Branco Live in Holland” (1997), aos quais se seguiram “Murmúrios”, com fados de Amália, textos de David Mourão-Ferreira e canções de Sérgio Godinho e Zeca Afonso, “Postscriptum”, a partir de um poema de Maria Teresa Horta, e “Cristina Branco canta Slauerhoff”, sobre versos do poeta holandês J. J. Slauerhoff.
Em Cristina Branco o fado é música do mundo, em que cada pormenor, do gesto à formulação das emoções, do vestuário à estrutura cénica e musical dos espetáculos ao vivo, segue um roteiro onde a sofisticação e a elegância se aliam à expressividade. Uma “cantora de fado” chegada, na atitude, à mundivisão dos Madredeus, cuja voz encontrou na guitarra transcendente de Custódio Castelo a companhia ideal.