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Mouse On Mars – “Idiology” + Scratch Pet Land – “Solo Soli” + Vert – “Nine Types Of Ambiguity”

Y 25|MAIO|2001
discos|escolhas


MOUSE ON MARS
Idiology
7|10

SCRATCH PET LAND
Solo Soli
6|10

VERT
Nine Types of Ambiguity
7|10
Todos ed. Sonig, distri. Ananana

Noite marciana



O rato desorientou-se. De Colónia, uma das sedes da eletrónica alemã para o novo milénio, esperava-se mais dos Mouse on Mars. A dupla responsável por “Iahora Tahiti” (considerado pela revista Musik Express o 16º álbum mais importante da música alemã), o ultra-dançável “Autoditacker” e o irresistível “Niun Niggung”, resvalou em “Idiology” para a ideologia mal redigida, que inclui uma mini dissertação filosófica sobre a dialética unidade/pluralidade, e – a novidade – para a gaveta das canções. Entre a música de câmara, pautada pelas cordas, que situam um tema como “The illking” mais perto de Andrew Poppy do que de Michael Nyman, e uma vocalização canterburyiana, no delicioso “Presence”, tão luminoso como um trinado de Robert Wyatt com roupagens Caravan, “Idiology” consegue ainda dispersar-se por recriações electro dos Soft Machine (ainda “The illking”), dar passos atrás no pós-rock dos Tortoise e Stereolab (“Catching butterflies with hands”), samplar a “tecno pop” dos Kraftwerk (“Subsequence”), dar saltos ska no powerbook (“Doit”), experimentar o drum ‘n’ bass terrorista de Kid606 (“First:break”) e despedir-se com um equivalente da “sinfonia dos ananases” dos Kraftwerk de “Ralf & Florian” (“Fantastic analysis”). Tudo bem feito, mas sem um centro definido.
Na ala mais experimentalista da Sonig, os Scratch Pet Land são três tipos belgas que na foto da capa têm todo o ar de tipos belgas. Admiradores dos Dedalus (grupo progressivo italiano dos anos 70), Don Cherry, Faust e Os Mutantes, desprezam o groove e acenam a pedir a aprovação dos Dat Politics. O melhor de “Solo Soli” são a motorika computorizada de “Escargot couleurs” e “Alo fab”, e títulos como “Crot and sun ok papi k.o. crossfader speak”.
Em Vert, ou Adam Butler, o homem que digitalizou o concerto de Colónia de Keith Jarrett, as coisas passam-se com mais vivacidade e os sons organizam-se com outra vontade de libertação. Downtempo e matizes jazzy enquadram abstrações que se não fazem esquecer o mimetismo inspirado de “The Koln Konzert” pelo menos conseguem fazer ginasticar as máquinas.



Mouse On Mars – “Instrumentals” + Microstoria – “Model 3, Step 2”

Y 29|DEZEMBRO|2000
discos|escolhas


MOUSE ON MARS
Instrumentals
Sonig, distri. Ananana
8|10

MICROSTORIA
Model 3, Step 2
Sonig, distri. Ananana
7|10

Criaturas da entropia



Colónia, final dos anos 90. Um dia de trabalho como outro qualquer. Homens e mulheres de expressão vazia no rosto percorrem sem parar corredores sem fim, descem e sobem elevadores, entram e saem de escritórios ao som aconchegante de máquinas úteis ao bom funcionamento do edifício. Poder-se-ia ver neste movimento auto-suficiente de corpos, luzes, paredes, maquinismos, plástico, tubagens e monitores, unidos numa simbiose atómica, a dança que nem sequer os Kraftwerk conseguiram profetizar na sua dimensão mais demoníaca. A música de “Instrumentals”, álbum dos Mouse on Mars (Andi Toma e Jan St. Werner) compreendido cronologicamente entre “Autoditacker” e “Niun Niggung”, até agora apenas disponível em vinilo, e “Model 3, Step 2”, dos Microstoria (Markus Popp, dos Oval e, de novo, Jan St. Werner) são a banda sonora encravada deste filme mudo onde apenas os gestos, repetidos até ao absurdo, sinalizam as margens entre a vida e a morte.
“Instrumentals” difere em absoluto de qualquer outro dos álbuns da discografia recente dos Mouse on Mars. É um mundo de abstrações e aberrações sónicas que emergem para logo se dissolverem numa massa amorfa de programas a funcionar em circuito fechado, até a entropia finalmente os reduzir a uma sucessão infinita de zeros. Entre os miasmas digitais assomam aqui e ali fragmentos de “groove” dispersos (“Owai” mantem-se a funcionar quase sem falhas durante nove minutos), como órgãos separados do corpo que, à semelhança da cauda arrancada do lagarto, se agitam ainda em movimentos reflexos. Um mundo morto, sem dúvida, mas ainda assim repleto de despojos e peças soltas que giram e acendem e apagam num simulacro de festa, como as filas de lâmpadas coloridas que decoram o antro de demência e agonia dos monstros em “The Texas Chainsaw Massacre”.
Mas se “Instrumentals” é uma selva de criaturas incompletas e anti-natura, a eletrónica residual dos Microstoria é um deserto onde já só rastejam vermes digitais alimentando-se de restos de energia. Popp e St. Werner constroem, como sempre, as suas paisagens artificiais a partir de polaridades invertidas ou simplesmente distorcidas. Uma falha do sistema, ilustrada pelo erro de impressão propositado do grafismo da capa. Em “Model 3, Step 2” a corrente elétrica circula mole e devagar, como pasta de dentes, por entre resistências, filtros e interruptores ocultos no teto, no chão e nas paredes de edifícios doentes, misturando-se com a poeira, acumulando-se nas frestas e interstícios, formando nós e abcessos até provocar curto-circuitos. Seria dramático catalogar esta música como música ambiental da cidade ocidental moderna. Mas de que outra maneira se poderá conviver com este sons que, em definitivo, parecem dispensar o convívio com o humano?



Mouse On Mars – “Niun Niggung”

Sons

1 de Outubro 1999
DISCOS – POP ROCK


Circuitos reactivados

Mouse on Mars
Niun Niggung (9)
Rough Trade, import. Ananana


mom

Nas pistas de dança do próximo milénio o ritmo vai ser imposto pelos Mouse on Mars. Com um pendor mais acentuado para o “groove” que os seus compatriotas Kreidler, To Rococo Rot ou Tarwater, a dupla germânica Jan St.Werner e Andi Toma voltou a reactivar os circuitos após um decepcionante “Autoditacker” que se revelou não estar ao nível do excepcional “Iaora Tahiti”. Depois de um começo desconcertante, algo como o prelúdio, em guitarra acústica, de uma “cowboy song” cibernética pós-rock, “Niun Niggung” entra numa vertiginosa campanha com os ruídos e batidas mais estranhas que o pós-rock alguma vez conheceu ou o manifesto futurista de Marinetti alguma vez enunciou. De resto, o termo pós-rock já nem faz muito sentido na definição do universo particular dos Mouse on Mars, criado a partir da fusão dos curto-circuitos e tecnologia de escritório dos Microstoria e dos Oval com o legado lúdico dos Cluster e Pyrolator e a tal intuição que os faz não perder de vista o indispensável swing. Ao contrário de “Autoditacker”, caracterizado por um mecanicismo e uma superficialidade de processos que raiavam a indulgência, “Niun Niggung” junta os músculos e a cabeça, levando longe a investigação no capítulo das sonoridades bizarras e da sua articulação interna, contanto de novo com a participação do abstraccionista F. X. Randomiz e, desta feita, com naipes de cordas e metais.
“Super sonig fadeout” pode ser encarado como uma paródia aos Daft Punk da mesma forma que “Diskdusk” inventaria os tiques de “Saturday Night Fever”, fazendo subir a febre mas já nos salões de feira estreados pelos Cluster em “Zuckerzeit”, enquanto “Gogonal” permite compreender até que ponto era ainda humanista a tecnopop dos Kraftwerk. O ritmo ausenta-se nos embates múltiplos de “Mompou” para irromper de seguida com violência numa investida bárbara de drum ‘n’ bass fabril, em “Distroia”. “Albion rose” é a cereja no topo do bolo, reflexos coloridos em bolas de sabão, música de câmara executada por ciborgues em transe, intersecção de sonoridades contrastantes como são habitualmente conectadas por Jim O’ Rourke. “Niun Niggung” fecha com o peso-pesado “Circloid bricklett sprüngli”, como se a maquinaria acabasse finalmente por emperrar num charco de baixas frequências.
Pontos, traços, sinais, multiplicações e divisões, esquadrias, luzes, algoritmos, figuras geométricas e volumes são recortados e remontados na quinta dimensão – na placa de circuitos privativa onde apenas os Mouse on Mars sabem mexer. Com paciência é mesmo possível entrar na câmara secreta – um 13º tema escondido no CD. “Niun Niggung”, repetimos, empurra-nos para a dança, a questão está em como articular os movimentos do corpo com a multiplicidade de estímulos a que o cérebro é submetido.