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To Rococo Rot & I-Sound – “Music Is A Hungry Ghost”

Y 25|MAIO|2001
discos|escolhas


TO ROCOCO ROT & I-SOUND
Music is a Hungry Ghost
City Slang, distri. EMI – VC
8|10



Mergulhar nos meandros mais obscuros da eletrónica sem perder a aura de romantismo crepuscular, foi o desafio colocado aos To Rococo Rot, com um dos seus principais elementos, Stefan Schneider, finalmente liberto das obrigações dos Kreidler. A parceria com I-Sound determinou a evolução do som no sentido do minimalismo e da abstração, invadindo os territórios de Vladislav Delay e Thomas Brinkmann. Mas o “swing” que distingue os To Rococo Rot das outras bandas eletrónicas do momento, arranca “Music is a Hungry Ghost” do convívio com a house e a tecno. Ainda que em temas como “How we never” esse balanço caia nos braços esqueléticos dos Suicide, em “Overhead” receba a bênção do velho Dieter Moebius e em “The trance of travel” manifeste uma costela Can. “From dream to daylight” é “música no Coração”, decorado pelo violino de câmara do convidado Alexander Balanescu. Mas algo mudou nesse romantismo. Tornou-se húmido e morno, parecendo escorrer do interior de uma bolsa amniótica.



To Rococo Rot – “Tolas De Berlim” (entrevista – Robert Lippok)

Y 24|Novembro|2000
multimédia|capa


to rococo rot

Tolas de Berlim



OS TO ROCOCO ROT oferecem uma panorâmica eletrónica e abstrata da cidade de Berlim. O Y entrevistou pelo telefone uma das três cabeças da banda, Robert Lippok, e propôs-lhe o número três como tema de entrevista. Lippok acedeu a fazer a contagem.
Três cidades alemãs: COLONIA/DUSSELDÖRF/BERLIM
“Colónia tem uma tradição forte na tecno minimal, o material da Kompakt, tudo isso. Ao ouvir algumas das novas bandas de Dusseldörf, como os Kreidler, é possível descortinar um elo oculto não só com a herança do krautrock como com a new wave dos anos 80, de grupos como os D. A. F.. Berlim tem artistas como os Jazzanova ou os Sonar Kollektiv, mais orientados para um ‘groove’ jazzy, com toques de bossa. Tem também o som da Basic Channel, um conceito muito puro do som”.
Três nomes pioneiros da música pop eletrónica alemã: CLUSTER/PYROLATOR/HOLGER HILLER
“Não conhecia muito bem os Cluster até descobrir há dois anos ‘Zuckerzeit’. Antes pensava que existiam poucas coisas a ligar as novas gerações ao krautrock mas ‘Zuckerzeit’ fez-me mudar de opinião, na forma como os Cluster estruturavam as imagens sonoras e criavam aquele tipo especial de melodias. Nos anos 80 ouvia os Einstürzende Neubauten, os D.A.F. ou os Der Plan. Foi nessa época que comecei a interessar-me pela “house” de Chicago”.
Os To Rococo Rot fazem música de dança para a cabeça?
“Já fizemos concertos em que as pessoas dançaram de facto. Quando isso voltar a acontecer não me posso esquecer de as fotografar! Existem coisas interessantes na música de dança que aproveitamos, num contexto diferente, como certas frequências e padrões rítmicos de tecno mais graves.”
Três álbuns dos To Rococo Rot: “CD”/”VEICULO”/”THE AMATEUR VIEW”
“’CD’ é mais experiemental. Foi feito por acaso. Tínhamos ganho dinheiro com uma exposição, eu assisti a um concerto dos Kreidler e decidi convidar o Stefan. Encontrámo-nos os três pela primeira vez em Berlim, o álbum foi gravado em dois dias, fizemos o ‘editing’ num instante, os ‘loops’, o baixo, a bateria, tudo registado num gravador de oito pistas. É um álbum rude e intenso. Trabalhámos da mesma maneira em “Veiculo” (o título em português foi escolhido pelo Stefan: ‘Vehikel’, em alemão, tem o mesmo significado por isso as pessoas aqui não têm dificuldade em compreender o seu significado, mas a palavra em português soa bastante melhor). ‘The Amateur View’ é diferente, o som é mais nítido e direto do que em ‘Veiculo’ que soa um bocado nebuloso”.
Três ferramentas de trabalho: SINTETIZADOR ANALÓGICO/SAMPLER/POWERBOOK
“Não fazemos questão de usar equipamento analógico. Os samplers são mais interessantes. Tenho em casa um velho Moog Satellite mas raramente o uso. Vem arrumado dentro de uma caixa, tem um aspeto maravilhoso mas é como domar um cavalo selvagem. Atenção, gosto dos velhos analógicos, mas não penso neles como se fossem o cálice sagrado. Quanto ao ‘powerbook’, costumava usá-lo nos concertos mas deixei de o fazer. O público olhava para nós como se estivéssemos a trabalhar num escritório e nós, em vez de olharmos para a assistência, olhávamos para a imagens num ecrã. Agora levamos para o palco uma bateria, tocada pelo Ronald, e o Stefan toca guitarra baixo”.
Gostam de remisturar a música de outros artistas?
“Sem dúvida. Já remisturámos, entre outros, os Tone Rec, Leftfield, Mira Calix, eu remisturei os Kreidler. É divertido manipular vozes e sons que de outra forma nunca entrariam nos To Rococo Rot. Já o contrário, sermos misturados por outros, nunca aconteceu. Preferimos encontrarmo-nos com outras pessoas e trabalharmos juntos no estúdio. Estamos a gravar o próximo álbum com dj I-Sound, de Nova Iorque”.
Três editoras alemãs de música eletrónica: MILLE-PLATEAUX/a-MUSIK/SONIG
“Na semana passada assisti a uma noite ao vivo com artistas da Mille-Plateaux, como Vladislav Delay. Influenciaram muita da eletrónica que se faz hoje, gente como os SND ou Curd Duca. Na a-musik o humor está também presente, o mesmo humor que pode ser detetado numa faixa nossa como ‘Cars’. Não somos uma banda conceptual, não queremos ficar sentados a discutir e muito menos torturar ninguém. Da Sonig destacaria ‘The Köln Konzert’, de Vert [espécie de clonagem cibernética de ‘The Köln Concert’, de Keith Jarrett], um objeto bizarro onde o espírito de Jarrett permanece estranhamente presente”.
O seu Top Três pessoal e instantâneo de discos de música eletrónica:
“Qualquer um dos volumes 1, 2 ou 4 da série ‘Easy Listening’ de Curd Duca; o EP ‘Fennesz Plays’, de Christian Fennesz, com duas versões para canções dos Rolling Stones e dos Beach Boys; ‘Eight Miles High’, do grupo com o mesmo nome”.



To Rococo Rot – CD (conj.)

07.11.1997
Electrónica
Enfermagem Planetária
Ligar “on”. “Turn on”. Todos os circuitos “ok”. Sequenciadores, monitores, sintetizadores – máquinas em movimento. Esta semana o “laser” varre uma série de discos de música electrónica de vários estilos e quadrantes. Do “easy listening” cerebral à respiração da Terra. O Planeta em busca de uma cura.

Além da Califórnia, o infinito. O radiotelescópio de Steve Roach continua assestado aos consfins da galáxia, lá onde o silêncio reina, emitindo para a Terra os seus sinais anteriores à própria Criação. “On This Planet” é o mais recente trabalho deste prolífico compositor californiano erradamente conotado, em alguns sectores, com a “new age”. Autor de obras importantes como “western Spaces” e “desert Solitaire”, ambas com a colaboração de Kevin Braheny, “Dreamtime Return”, “World’s Edge”, “Kiva” (com Michael Stearns e Ron Sunsinger), “Well of Souls” (com Vidna Obmana), “Halcyon Days” (com Stephen Kent e Kenneth Newby) e as duas colaborações com Robert Rich, “Soma” e “Strata”, Steve Roach deu origem, mais recentemente, a uma derivação da “ambient music” a qual recebeu a designação de “sombient”, ou “Ambient noire”, através de um álbum seminal, “The magnificent Void”. A “sombient”, enquanto protótipo de uma nova categoria musical, tem paralelo com a “discreet music”, de Brian Eno, na mesma medida em que estabeleceu novas regras e paradigmas estilísticos.
“On This Planet” aterra outra vez no plantea, tomando como ponto de partida uma abordagem “ao vivo” do som, com posterior recriação em estúdio. Em termos estéticos e de uma filosofia que, sem preconceitos, poderemos designar de ecologista, está mais próximo de “World’s Edge” e dos dois álbuns gravados pelos Suspended Memories (Roach com o mexicano Jorge Reyes e o espanhol Suso Saiz) do que das mais recentes incursões na “sombient”. Predominam os sons cardíacos da Terra: didgeridoos, pedras, potes de água percutidos, flautas pré-hispânicas, em relação harmoniosa com os samplers, os sintetizadores analógicos e digitais e os sequenciadores. Ouvem-se trovoadas, rios de lava, vento e chuva, a ondulação dos vastos oceanos, reflexos de estrelas na superfície calma de um lago. Fogo e pedra, pulsações surdas de um planeta que ora repousa na frágil ondulação de uma flor, ora se agita em violentas convulsões. Temas como “Heart of the tempest”, “Trilobite”, “Cloud watching with the toolmaker” e “A darker star” funcionam como símbolos da interactividade do Espírito humano com a Natureza, dando a escutar os ritmos primevos da vida, em ligação estreita com o Cosmos. Que esta ligação se faça também através da tecnologia electrónica mais sofisticada, eis uma das maravilhas de uma música que verdadeiramente nos religa à Totalidade (Fathom, distri. Strauss, 8).

Do fundo dos oceanos, subamos à superfície para um banho de espuma. Para tal, nada elhor que o “jacuzzi” musical dos Turn On, projecto de Tim Gane e Andy Ramsay, dos Stereolab, com Sean O’Hagan, dos High Llamas, onde a vertente “easy listening” dos autores do recente “Dots and Loops” se sobrepõe a quaisquer intenções metodológicas de maior fôlego. “Turn On” são 29 curtos mas limpos minutos de borbulhar e “glissandos” analógicos (com uma única intervenção vocal de Laetitia Sadier, em “Ru Tenone”) em que os Turn On propõem a sua própria música de fundo para ouvir na Estação MIR, transformando a “space age batchelor pad music” de Esquível num bailado espacial festivo. É como se os Can se tivessem metamorfoseado numa borboleta e voado dentro de uma bolha de champanhe. Ouçam um tema como “Glangorous” e flutuem nos sonhos da vossa cápsula pessoal. (DuophonicSuper’45, import. Symbiose, 7)

A leveza do mais recente trabalho de Pete Namlook (correspondente ao 758º álbum editado na Fax, no mês de Setembro de 1996), desta feita em colaboração com Move D, vulgo David Moufang, é de tipo diferente da dos Turn On, uma leve fogagem na epiderme servida com o pomposo título de “Exploring The Psychedelic Landscape”. Como acontece com a generalidade dos álbuns da Fax, a música parece ter sido gerada a partir de um único “take” e durante uma única sessão de gravação, dando ideia de que os músicos nem sequer se terão dado ao trabalho de mudar mais do que uma ou duas vezes os registos dos sintetizadores. Psicadélica não é de certeza, e de exploratória tem muito pouco, esta “lanscape” que não é tecno, nem “trance”, nem ambiental, onde os sons, embora agradáveis, desde muito cedo esbarram na monotonia de programações preguiçosas e em timbres electrónicos já mil e uma vezes ouvidos em anteriores e bem melhores trabalhos de Namlook. (Fax, import. Symbiose, 5)

LINK (Veiculo)

Finalizamos com uma ligação a máquinas mais ameaçadoreas e ruidosas. Os neurónios vibram ao contacto com os circuitos da fábrica electrónica dos To Rococo Rot, projecto dos irmãos Robert e Ronald Lippok com Stefan Schneider, também mentor dos Kreidler. Depois de “Veiculo”, chega ao mercado nacional o disco de estreia desta banda alemã, singelamente intitulado “CD”. Mais ainda do que em “Veiculo”, torna-se evidente a filiação dos To Rococo Rot não só no minimalismo fabril dos Cluster e, em particular, no abstraccionismo matemático característico da obra a solo de um dos seus elementos, Dieter Moebius, como também nos exercícios fragmentários de todoa a primeira fase da discografia de Conrad Schnitzler, membro fundador dos Kluster (pré-Cluster) e dos Tangerine Dream. É por aqui que o pós-rock tem terreno livre à sua frente para avançar, numa música que dispensa a tentação do programático para se abandonar ao prazer da sensação pura. (Kitty-Yo, import. Ananana, 8)

Para os adeptos da “new age” de papel (reciclável), há a registar ainda a chegada ao mercado nacional de novas referências do catálogo Hearts of Space, outrora um excelente selo de “space music” (experimente-se a audição dos primeiros álbuns de Constance Demby, Michael Stearns, Kevin Braheny, David Lange ou Robert Rich). “Nomad”, de Paul Sauvanet, envernizamento digital de uma música pretensamente com raízes árabes, “Bridges”, de Oysten Sevag, tecno ambiental para uso em casas de banho de escritório, e “Klezmer Soul”, de Kol Simcha, música “klezmer” em registo de variedades, recomendam-se talvez apenas aos demonstradores de alta-fidelidade.