explicam por palavras. Sentem-se como se sente aquilo que temos por mais profundo: o divino.
Fernando Magalhães
Verd e Blu
Musicas a Dançar
Menestrèrs Gascons, distri. Etnia
Quando se fala na música tradicional da Gasconha surge de imediato o nome dos Perlinpinpin Folc. Nada mais natural e nada mais injusto para os Verd e Blu, os seus rivais mais próximos. Quando chegaram na mesma altura a Portugal “Téarèze”, dos Perlinpinpin Folc, e “Musica de Gasconha”, dos Verd e Blu (que voltou a ser reposto em “stock”), atribuímos a ambos a pontuação máxima. Trata-se de duas montanhas separadas com a mesma altitude, situadas na mesma cordilheira, erguidas uma em frente à outra em desafio.
“Musicas a Dançar”, curiosamente, afasta-se, ao nível dos arranjos, de “Musica da Gasconha”. Se o objectivo último continua a ser, para Jean Baudoin, Marie-Claude Hourdebaigt e Joan-Francés Tisnèr, “trazer uma nova estética” para a música tradicional da Gasconha, a forma escolhida para o fazer mudou. O som liquefez-se, perdeu rugosidades, espalhando-se pelos interstícios abertos no álbum anterior. As canções voam em levitação, numa ondulação encantatória a grande altitude. O que no primeiro álbum era metal transformou-se em madeira, o urro tornou-se sussurro, o bosque floresceu em jardim. As melodias são fluidos que fogem da razão a esconder-se na memória. A gaita-de-foles (“boha”), a sanfona (“sonsaina”), os pífaros e tamborins de corda flutuam sobre a superfície de um sintetizador-aquário, mudando de cor e forma a cada instante como os vidros de um caleidoscópio.
Em “Congós lanusquets”, os Verd e Blu fazem a vénia aos Planxty. “Mariana” é a voz de Marie-Claude filtrada na passagem pelo túnel dos mistérios da Disneylândia. “Quin te va l’aulhada” prova que a música antiga do futuro existe. Uma “Borregada” convida a perdermo-nos na dança. Em “Dimars”, o grupo veste a pele de uns Hedningarna mais ponderados, acertando o passo por uma espécie de “morris dancing” gascã. Mas o momento de maior assombro chega com “New’ scà”, no qual os Verd e Blu ultrapassam toda a concorrência e penetram em território virgem, em 3m50s de perder a respiração. Viagem alucinante que começa num cravo-computador à maneira de Morton Subotnik, segue com uma sanfona nos confins da galáxia e uma flauta em redor, a voz feminina a baralhar as onomatopeias de Meredith Monk, para acabar numa sarabanda de cordas e em estranhos mas nunca despropositados efeitos de estúdio. Nunca se fez nada assim.
“Musica de Gasconha” era o corpo e sangue da Gasconha. “Musicas a Dançar” é, na mesma região, o sonho. (9)
Fernando Magalhães