Arquivo da Categoria: Críticas 2001

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #185 – “Verd e Blu – Musicas a Dançar”

explicam por palavras. Sentem-se como se sente aquilo que temos por mais profundo: o divino.
Fernando Magalhães

Verd e Blu
Musicas a Dançar
Menestrèrs Gascons, distri. Etnia
Quando se fala na música tradicional da Gasconha surge de imediato o nome dos Perlinpinpin Folc. Nada mais natural e nada mais injusto para os Verd e Blu, os seus rivais mais próximos. Quando chegaram na mesma altura a Portugal “Téarèze”, dos Perlinpinpin Folc, e “Musica de Gasconha”, dos Verd e Blu (que voltou a ser reposto em “stock”), atribuímos a ambos a pontuação máxima. Trata-se de duas montanhas separadas com a mesma altitude, situadas na mesma cordilheira, erguidas uma em frente à outra em desafio.
“Musicas a Dançar”, curiosamente, afasta-se, ao nível dos arranjos, de “Musica da Gasconha”. Se o objectivo último continua a ser, para Jean Baudoin, Marie-Claude Hourdebaigt e Joan-Francés Tisnèr, “trazer uma nova estética” para a música tradicional da Gasconha, a forma escolhida para o fazer mudou. O som liquefez-se, perdeu rugosidades, espalhando-se pelos interstícios abertos no álbum anterior. As canções voam em levitação, numa ondulação encantatória a grande altitude. O que no primeiro álbum era metal transformou-se em madeira, o urro tornou-se sussurro, o bosque floresceu em jardim. As melodias são fluidos que fogem da razão a esconder-se na memória. A gaita-de-foles (“boha”), a sanfona (“sonsaina”), os pífaros e tamborins de corda flutuam sobre a superfície de um sintetizador-aquário, mudando de cor e forma a cada instante como os vidros de um caleidoscópio.
Em “Congós lanusquets”, os Verd e Blu fazem a vénia aos Planxty. “Mariana” é a voz de Marie-Claude filtrada na passagem pelo túnel dos mistérios da Disneylândia. “Quin te va l’aulhada” prova que a música antiga do futuro existe. Uma “Borregada” convida a perdermo-nos na dança. Em “Dimars”, o grupo veste a pele de uns Hedningarna mais ponderados, acertando o passo por uma espécie de “morris dancing” gascã. Mas o momento de maior assombro chega com “New’ scà”, no qual os Verd e Blu ultrapassam toda a concorrência e penetram em território virgem, em 3m50s de perder a respiração. Viagem alucinante que começa num cravo-computador à maneira de Morton Subotnik, segue com uma sanfona nos confins da galáxia e uma flauta em redor, a voz feminina a baralhar as onomatopeias de Meredith Monk, para acabar numa sarabanda de cordas e em estranhos mas nunca despropositados efeitos de estúdio. Nunca se fez nada assim.
“Musica de Gasconha” era o corpo e sangue da Gasconha. “Musicas a Dançar” é, na mesma região, o sonho. (9)
Fernando Magalhães

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #180 – “Obra prima do Brasil +”

#180 – “Obra prima do Brasil +”

Obra-prima do Brasil + …
Fernando Magalhães
Mon Jul 2 14:49:48 2001

Confesso ter ficado siderado com a audição, no carro, à vinda do Porto, do novo (ed. 2000) de ZECA BALEIRO, que adquiri na banca da Jojo’s music a 2000$00: “Líricas”.

Já tinha o “Vô Imbolá” (n/sei se o título está correctamente escrito) mas este “Líricas” é um disco assombroso, mais acústico e tocante. Zeca Baleiro é um fabuloso pintor palavras / emoções (neste caso, os textos das canções são mesmo essenciais). A música, em simbiose perfeita com os poemas, junta elementos híbridos que vão do Alternative country à brasileira, à influências (?) difusa de Tom Waits e, sobretudo, Chico Buarque, de quem Zeca Baleiro será o nobilíssimo herdeiro espiritual.

Um disco a rondar a perfeição com algumas faixas verdadeiramente como ventes (no sentido nobre da palavra “comoção”).

Outra aquisições no Porto:

“The Lounge Lizards”, dos Lounge Lizards (que apenas tinha em vinilo)
“Songs of Leonard Cohen” (1968), dele mesmo. Ainda não tinha, é o disco de uma quantidade d eclássicos.
“Mathilde Santing”, de Mathilde Santing”, mini álbum de estreia. Mas este é para esquecer: 5/10. Datado.

Todos a 1750$00

“Stories from the City, Stories from the Sea”, da Polly-Jean Harvey. Ainda só ouvi os 4 primeiros temas mas parece estar à altura dos álbuns anteriores.

“Starless and Bible Back” – KING CRIMSON. Edição remasterizada do 25º aniversário.
Na FNAC, a 1650$00 (!!)

“Mama Mundi” – CHICO CÉSAR. Oferecido pelo festival. Bom disco, a la Chico César, uma misturada de tudo, feita com bom gosto. 7/10.

“Can I Have My Monkey Back” – GERRY RAFFERTY – já tinha, mas adquiri-o de novo, pela capa (original), a 2200$00. Folk pop, entre os Beatles e Lindisfarne.

Lesser – “Gearhound”

Y 2|FEVEREIRO|2001
escolhas|discos

LESSER
Gearhound
Matador, distri. Zona Música
7|10



J. Lesser, ISR, 157, Backfire, DJ 40 Year Old Woman (!), não importa como se apresenta. É um foragido de bandas rock que encontrou na eletrónica o último refúgio da “estética punk”. Trabalhou com Matmos e Kid606 (com quem prepara o projeto Sex Pixels…) e no horizonte está uma colaboração com os Blectum from Blechdom. Formou uma banda de covers dos Metallica, os Creeping Death, e ao vivo as suas atuações pautam-se pelo caos e destruição. Editou a cassete “I hate me”, acompanhada da oferta de uma lâmina de barbear (verdadeira) e um bocadinho de LSD (falso). Tudo junto explica este “Gearhound”, carga explosiva de eletrónica apocalíptica onde se misturam as influências dos Big Black, Sebadoh, Meat Beat Manifesto, Public Enemy e Negativland. Um dos temas, “Cheeseburger lady”, é uma réplica de “Hamburguer lady”, dos Throbbing Gristle. Dat Politics, Atari Teenage Riot e Speedy J não passam de easy-listening, comparados com a tareia sónica de J. Lesser.