Arquivo mensal: Fevereiro 2011

Neil Young – “On The Beach” (self conj.)

01.08.2003

Neil Young
On The Beach
9/10

LINK

American Stars’n Bars
8/10
Hawks And Doves
7/10
Re.ac.tor
7/10
Reprise, distri. Warner Music

Neil Young – Um Reactor Na Praia
Quatro álbuns que permaneciam até agora sem prensagem em CD estão finalmente disponíveis em versões remasterizadas. De audição obrigatória para quem quiser conhecer o mosaico completo da obra de um dos grandes compositores americanos dos nossos dias. “On The Beach”, de 1974, é de abocanhar imediatamente. A par de “After the Goldrush”, “Tonight’s the Night” e “Zuma”, é um dos clássicos do “singer songwriter” canadiano. Um daqueles álbuns que nos faz ter fé no rock ‘n’ roll. Nele Neil Young volta-se do avesso, expõe-se, morde e lambe as feridas, indo direito ao coração latejante dos “blues”. É aqui que a sua alma se revolve e a sua dor se sublima. Ou, como lhe chamou a revista Rolling Stone, “um dos álbuns mais desesperados da década”. Quando qualquer meia-leca cambaleante agarrado a uma garrafa de whisky e a uma guitarra meio desafinada no barracão da “alternative country” passa por herói, é bom recordar “the real thing” e dar o prémio a quem palmilhou durante décadas as estradas e o pó de uma existência sem lar. “See the sky above the rain”, “Revolution blues”, a transplantação de medula das origens do rock para assegurar a nossa sobrevivência interior que é “For the turnstille”, “Vampire blues” e a sua bebedeira de sangue e a caminhada solitária sobre o fio da navalha “Ambulance blues”, um épico do genuíno “country” ou “folk alternativo” para adultos, infiltram-se como chuva na roupa, fazem-nos os olhos vítreos, tornando-nos incapazes de qualquer reacção que não seja a rendição total. Faz um ataque aos críticos, faz um ataque aos homens. A praia está deserta e Neil Young está voltado de frente para o mar.
“American Stars ‘n Bars”, de 1977, é declaradamente “country”, a cavalo nas “slide guitars” e em melodias que reflectem a amargura e os dramas da América profunda. Valsas de celeiro, “barrel rock”, uma maneira de contar e de balançar as histórias que pode sugerir o filme desse outro americano em carne viva chamado Stan Ridgway. E se “Hey babe” não esconde ser a enésima variação da típica “melodia frágil” do autor, “Bite the bullet” é dos melhores momentos de raiva rock que o canadiano já nos ofereceu. Os coleccionadores de clássicos saberão reconhecer “Like a hurricane”, com os seus ecos e efeitos atmosféricos, harmonias vocais psicadélicas, um vibrafone e a elegância sonhadora dos Crosby, Stills, Nash & Young.
“The old homestead”, “Lost in space” (os Byrds não encontrariam um título melhor) e “Captain Kennedy”, arrancado da espinha dorsal da folk, são algumas das melodias encantatórias de “Hawks & Doves”, álbum de 1980 pouco mencionado na discografia do autor que sucede ao luciferino “Rust never sleeps” e, talvez por isso, não ferve em tão pouca água. Sem grandes explosões de catarse, contém canções de uma beleza aérea e “country folk” com o violino de Rufus Thilbodeaux em destaque, servida em formato mais adequado às pretensões da rádio FM, incluindo o Dyloniano “Union man”.
“Re.ac.tor” (a reacção do actor?), de 1981, com os Crazy Horse, liga-se À corrente do “rhythm ‘n blues” (“Get back on it”, curiosamente tão “laidback” como “Get back” dos Beatles…), tem compassos e palmas “new wave” (“Southern pacific” mostra tudo o que dá vida a um tema dos Talking Heads), harmonias vocais e guitarras a fazerem lembrar o “Station to Station”, de Bowie, numa série de automatismos rítmicos que preparavam o tereno para a inesperada incursão nos terrenos da pop electrónica que daria origem, dois anos mais tarde, a “Trans”. Para arrasar, “Re.ac.tor” ainda arranja forças para o rock bélico de “Shots”, com tiros e explosões e, uma vez mais, batida cem por cento Talking Heads. Sem defesa possível.

Zappanoia – “Portuguese Extraction”

05.12.2003
Zappanoia
Portuguese Extraction
Ed. E distri. ReflectRir
7/10

O projecto é tão louco como qualquer outro: interpretar exclusivamente a música de Frank Zappa. Faz sentido, se considerarmos que o guitarrista e compositor deixou um vasto acervo com lugar no das grandes músicas do século passado. Faz menos, quando a réplica pretende ser, como neste caso, o mais fiel possível ao original. Tarefa ingrata, porque a música de Zappa é feita à imagem do seu autor: única e original. Daí a dificuldade, mas também o desafio, que se pôs ao quarteto português (ao vivo, a formação alarga-se para sexteto e septeto, com metais e a inclusão de uma vibrafonista). As notas estão no lugar certo, importante numa música que exigiu sempre dos seus executantes o máximo de virtuosismo, mas falta o nervo, a paranóia, o golpe de asa. “Information is not knowdlege”, lê-se, aliás, na capa. Eduardo Cunha não se coíbe de solar na guitarra mas a pricipal falha reide nas suas vocalizações, demasiado “lisas” e num inglês a que falta o acento americano do mestre. Ao mesmo nível do guitarrista estão igualmente os desempenhos instrumentais de Diogo Sotto-Mayor, nas teclas, Rui Soisa, no baixo, e João Luís Lobo, na bateria, em clássicos como “Cosmik debris”, “Dirty love”, “Zoot allures”, “Love my life” e “Peaches in regalia”. Zappa continua a deixar crescer o bigode em Portugal.

Bernardo Devlin – “Circa 1999 – 9 Implosões”

05.12.2003
Bernardo Devlin
Circa 1999 – 9 Implosões
Ed. E distri. Extremocidente
8/10

LINK (compilações com algumas músicas de Bernardo Devlin)

Devlin é um músico estranho, habitante de constelações geladas e com os olhos demasiadamente abertos para a noite. “Circa 1999” faz em absoluto ao complemento “Nove Implosões”. A voz deste antigo elemento dos Osso Exótico situa-se algures entre o romantismo sombrio de Scott Walker e o tom operático de Peter Hammill, neste caso num registo próximo do de “The Fall of the House of Usher2. Entre a declamação, o lamento e a litania, Devlin fala da “Hora morta e outros segundos”, “À altura dos olhos” e de um “Novo alvor”, segundo uma gramática de secretas cifras interiores na qual “olhos” e “luz” são termos recorrentes. É dessa visão, alucinada (mas não é a alucinação a visão do invisível?) que nos fala e que nos esconde, sobre impenetráveis paisagens electrónicas que devem tanto à música industrial como à toca sem entrada nem saída de “Tilt”. Não é psicadelismo, porque a evasão onírica não é permitida, antes o desvario de poder de uma estranha cerimónia de sado-maso astral, em que a música – pianos tumulares, saxofones febris e electrónica fabril, percussões dos abismos, naipes de cordas fúnebres – determina o mais pequeno gesto na encenação desta paixão infernal em forma de estátua.