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Tom Verlaine – “Verlaine tocou só e mal acompanhado”

PÚBLICO SEGUNDA-FEIRA, 7 MAIO 1990 >> Cultura


Verlaine tocou só e mal acompanhado

TOM VERLAINE tocou guitarra e cantou sozinho, sábado à noite, na sala, à cunha, do Alvalade, em mais uma iniciativa integrada na Semana Académica de Lisboa. Interpretou canções do recente álbum “The Wonder”. Os fanáticos gostaram. Os outros exasperaram-se afirmando ter pago gato por lebre.
Alguns dias antes do concerto corria o boato de que John Cale, que recentemente tocou em Portugal, acompanhado apenas ao piano, ter-se-á encontrado com Verlaine e dito qualquer coisa como: “Os gajos (os portugueses) gostam de tudo. Levas só a guitarra, como eu fiz com o piano, que eles gostam na mesma”. Dito e feito. Tom trouxe a guitarra. A segunda asserção de Cale é que se mostrou menos correta. O público, na sua maioria, sentiu-se defraudado e protestou. A quase dois contos o bilhete deveria ter dado direito a mais. Pelo menos três ou quatro instrumentos a, vá lá, 600 paus cada…

Viola do Saco

Mas nem tudo foi mau nesta primeira prestação ao vivo no nosso país do antigo líder dos Television. O palco, sóbria e eficazmente iluminado, em tons de vermelho e roxo, decorado com algumas folhas de palmeira dando um toque de exotismo ao quadro, criava um ambiente misterioso e intimista. O som esteve perfeito, permitindo distinguir cada nota da guitarra e inflexão da voz. Quem quis acompanhar as aventuras narradas nas letras das canções do romântico Verlaine, não teve razões de queixa. Até o que não foi dito se conseguia ouvir. O pior foi que, à medida que o “espetáculo” ia decorrendo, a voz (excelente) de Verlaine e o som cristalino da guitarra acústica, não se revelaram suficientes para o interesse da assistência. As pessoas não estavam preparadas para ouvir histórias, contadas por um tímido trovador de guitarra em punho e pose distante. Depois do festival de som e carne de Kid Creole & The Coconuts e do rock australiano dos The Church, o choque foi demasiado brutal.

Chachada

Começaram os assobios e apupos e a debandada para o bar quando não o abandono puro e simples do recinto. A partir de certa altura, as canções passaram enfadonhamente a soar todas de modo semelhante, demonstrando que o formato de apresentação escolhido não é o mais aconselhável para este tipo de sala. A própria voz de Verlaine, por muito boa que seja, tornou-se irritante, por força das mesmas inflexões e do tom “soft” mantido durante todo o concerto, sendo óbvia a necessidade de um mais consistente apoio instrumental, à semelhança aliás do que acontece no disco. À guitarra apeteceu metê-la no saco.
“Chachada”, “seca” ou mesmo “o tipo merece levar uma lição” foram algumas expressões escutadas durante deambulações pelo recinto, exprimindo os sentimentos mais profundos dos presentes, reveladores do desespero e, nalguns casos, ódio surdo, que lhes corroía a alma. Intimamente dei-lhes razão. Não se faz uma maldade destas a quem esperava uma segunda versão dos Television ou uma reprodução tão fiel quanto possível da exuberância de “The Wonder”. Quem ficou a ganhar foi a organização que deve ter feito uns bons contitos à custa da simplicidade de meios. Para um próximo concerto sugere-se o “playback”, sempre fica mais barato…

Tom Verlaine – “O Romântico Da Televisão” (discoteca | artigo de opinião)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 25 ABRIL 1990 >> Videodiscos >> Pop

A DISCOTECA

O ROMÂNTICO DA TELEVISÃO

Tom Verlaine, lendário guitarrista e compositor, estará em Portugal a 5 de maio, para a realização de um concerto no cinema Alvalade. Depois de, com os Television, ter provado que a New Wave podia ser inteligente, Verlaine regressa com novo álbum a solo, de genérico “The Wonder”.



O universo da música popular é fértil em personagens estranhas, a maioria só de fachada, algumas genuinamente alienígenas. O homem dos Television é sobretudo misterioso. Pouco dado a entrevistas, quase nada se sabe da sua visão do mundo, para além dos discursos poéticos gravados ao longo de um percurso discográfico simultaneamente brilhante e irregular. Tímido e introvertido em extremo, perde a vergonha nos discos e dispara palavras cínicas e geladas, apoiadas por uma guitarra não menos incisiva e cortante.

A Lua na Sarjeta

Os Television, banda seminal da New Wave americana, nasce em 1973, fruto da associação de Verlaine com o baixista/vocalista Richard Hell e o baterista Billy Ficca. Cedo dão nas vistas, congregando à sua volta um grupo de admiradores que rapidamente os elevam ao estatuto de “banda de culto”. Tom Verlaine, líder incontestado e carismático, convence os proprietários do clube CBGB a abrir as portas à nova vaga de grupos e artistas que, entretanto, emergiam no circuito “underground” da cidade, e dos quais se destaca Patti Smith, em cujo “single” de estreia, “Hey Joe/ Piss Factory”, Verlaine virá a colaborar.
Patti e Tom partilham o gosto pela poesia, desde os românticos (Tom escolheu como apelido o do simbolista francês Paul Verlaine), aos poetas da Beat Generation, como Kerouac ou Ginsberg. Em comum, também, a preocupação de que as palavras sejam algo mais do que simples letras de canções e o estilo declamatório de as cantar. Características estas bem vincadas no álbum-estreia dos Television, “Marquee Moon”, de 1977, autêntica pedrada no charco do primarismo “punk” que então vingava, sobretudo do lado de cá do Atlântico.

Poeta Ignorado

Para trás ficam a tentativa infrutífera de Brian Eno (que chega a produzir algumas “demo tapes” da banda), de levar Verlaine e os companheiros para o luxo da Island britânica, e a substituição de Richard Hell (que virá a formar com Johnny Thunders os Heartbreakers) por Fred “Sonic” Smith.
“Marquee Moon” suscita o entusiasmo da crítica e do público ingleses, deixando o lado “yankee” estranhamente indiferente. Richard Hell não tem melhor sorte com os Heartbreakers e abandona o ex-New York Dolls, para formar a sua própria banda, os “Voivods”, contando nas suas fileiras com um senhor guitarrista chamado Robert Quine, aceite mais tarde como membro de “elites” já de um outro mundo. Os dois polos opostos iniciais dos Television, Verlaine, o intelectual, e Hell, o “junkie” decadente, procuram por vias divergentes o sucesso em grande escala, que sempre lhes fugirá.
Depois de uma “tournée” como banda de suporte dos Blondie, os Television lançam, em 1978, o segundo álbum, “Adventure”, mais elaborado que o anterior e em que a parte musical (até então um tanto ofuscada em detrimento da poética) se equipara em requinte e subtileza às palavras, sempre corrosivas, do poeta. Os ingleses voltam a captar a mensagem, em termos de aceitação crítica e de vendas. A proverbial falta de gosto das massas americanas continua a ditar leis na pátria do segundo Verlaine.

Via Aberta

Os Television acabam e Tom parte para uma carreira a solo, iniciada com o álbum “Tom Verlaine”, de 1979, e continuada, dois anos mais tarde, com “Dreamtime”. “Words From The Front” (1982) e “Cover” (1984, já na multinacional Virgin) são outras tantas tentativas frustradas de traduzir em números uma reconhecida qualidade artística. Por fim, em 1987, a Fontana, especialmente reativada para a ocasião, edita “Flash Light”, um dos melhores discos de Verlaine, mas ainda e sempre com o mesmo destino dos restantes: a indiferença pública.
“The Wonder” pode alterar este estado de coisas. Permanecendo, no essencial, fiel às características que distinguem a sua música, Verlaine abre um pouco o som, como na ainda tímida tentativa de criar um “funky” intelectual, no tema “Shimmer”, também editado em maxi. Um outro maxi, “Kaleidescopin’”, denota a mesma preocupação e evidencia, até na pacificação das palavras, uma serenidade e uma maturidade capazes finalmente de convencer, mesmo o mais empedernido, de que o homem tem coisas importantes para dizer.

Tom Verlaine – “The Miller’s Tale”

Pop Rock

12 de Junho de 1996
reedições poprock

Tom Verlaine
The Miller’s Tale
2XCD VIRGIN, DISTRI. EMI – VC


tv

Tudo o que você sempre quis ouvir de Tom Verlaine mas não sabia como nem onde, ou seja, andava à toa. A presente antologia reúne num primeiro compacto gravações inéditas ao vivo realizadas pelo músico nova-iorquino a 3 de Junho de 1982 no The Venue, em Londres, enquanto o segundo passa em revista a carreira do ex-Television em sessões de estúdio compreendidas entre os tempos com a banda e o mais recente trabalho a solo. Como é habitual neste tipo de edições, o pacote inclui temas e versões inéditos, neste caso uma sessão de 1986 com Dave Bascombe, para um álbum inicialmente previsto para sair na Polygram mas até à data nunca editado, “singles” e “maxis” em vinilo e um CD promocional da edição francesa da EMI. Óptimo pretexto para saborear de novo as descargas de energia da “new wave” norte-americana e aqui, em particular, da guitarra com sonoridade de cutelo de um dos seus líderes. Tanto nos Television, grupo que chegou a rivalizar em importância, com os Talking Heads e os Feelies, como na sua obra solitária, onde um formalismo mais cerebral substituiu um fulgor mas também a menor elaboração do colectivo. Pessoalmente, preferimos o álbum de estúdio, onde o desenho tem outro rigor e a imagem da televisão se fixa com maior nitidez. (7)