Georges Moustaki – “Concerto De Moustaki Segunda-Feira À Noite Em Lisboa – O Amor Ainda Louco” (concerto | crítica)

Secção Cultura Quinta-Feira, 28.11.1991


Concerto De Moustaki Segunda-Feira À Noite Em Lisboa
O Amor Ainda Louco


Georges Moustaki canta o amor. De forma diferente, em “Nous Sommes Deux” ou “La Pornographie”. Com a mesma convicção de quando seduzia adolescentes, com “La métèque”. Para muitos, foi o reencontro com o passado. E a descoberta da voz fabulosa de Marta Contreras.



Surgiu no palco do Tivoli, em Lisboa, vestido de branco. Dos sapatos à ponta dos cabelos e à barba de profeta. Georges Moustaki cantou velhas e novas canções. Tocou guitarra, acordeão, piano e bouzouki. Conversou com uma audiência ávida de recordar a cor dos sonhos de uma época. Sobretudo demonstrou ser um profissional que sabe jogar com as emoções próprias e alheias sem perder a autenticidade.
“Il est trop tard”, “Il y avait un jardn”, “Ma liberté”, “Porquoi mon Dieu”, “Voyage”, “Nous voulions”, foram temas que fizeram brilhar os olhos de muita gente. “La pornographie”, uma “homenagem à música francesa…” de fazer corar, deu lugar a uma sequência de música brasileira – “Sanfonero”, “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, e “Baía de Todos os Santos”, dedicada a Jorge Amado – que serviu para revelar uma grande cantora, a chilena Marta Contrearas, cuja voz, de múltiplos registos e intensidades, se soube impor a uma plateia extasiada. De forma subtil, encantatória, teatral ou sussurrada, consoante cada canção o exigia. Espantoso o dueto vocal que manteve com José Santana, técnico de luz, na ocasião cantor, em “Baía”.
Ao longo de duas horas de concerto, sempre as palavras de amor e de luta, a dança com o tempo e com as recordações: “Nous voulions changer le rume de l’Histoire”. “L’imagination ao pouvoir”. “Vive la liberte: tout est possible, tout est permi”. “Canções que dizem muito a algumas pessoas” – murmura em português, antes de ficar a sós no palco, consigo próprio, a guitarra e a memória dos outros. Cada refrão acompanhado em surdina pela assistência, em tom de veneração. “J ene suis jamais seul avec ma solitude”. Snif.
“La femme qui était dans mon lit n’a pas 20 ans depuis longtemps. (…) Gardez vos larmes et vos sarcasmes”. Magia amarga que terá tocado mais do que um coração feminino, abrigado na escuridão da sala.
De novo acompanhado pela banda de suporte – José Rossi, acordeão, Marc Berteaux, baixo, Luís Cavani, bateria, e a divina Contreras, voz e percussão – Georges Moustaki senta-se ao piano para vestir a pele de “pêcheur d’amour”, com o tom sofrido e solitário que faz vibrar a corda certa. Tensão aliviada por uma canção nova, “Nini”, que Contreras sobrepõe a “Lili Marlène”. “Nini Marlène”?. “Portugal”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, faz levantar a assistência levada de seguida ao rubro, mal soam os primeiros acordes de “La métèque”, o tema mais desejado da noite.
“Venez dancer, les jeunes filles” – o desafio é lançado às “senhoras e raparigas” presentes na sala. Moustaki pega no braço de Contreras e abandonam o palco a dançar. Ao som de uma valsa que evoca a dos “mille temps”, de Jacques Brel. Momentos antes a cantora chilena cantara a solo uma canção, dando de novo a revelar o seu enorme talento. O espectáculo termina com um pequeno discurso aproveitado pelo cantor para saudar os seus “amigos portugueses” José Afonso e Luís Cília. “Ce fut”, em suma, “un bon” concerto. Mas é preciso acabar com esta mania de dizer bem de tudo o que é francês. “Mais oui.”

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