PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 25 ABRIL 1990 >> Videodiscos >> Pop
A DISCOTECA
O ROMÂNTICO DA TELEVISÃO
Tom Verlaine, lendário guitarrista e compositor, estará em Portugal a 5 de maio, para a realização de um concerto no cinema Alvalade. Depois de, com os Television, ter provado que a New Wave podia ser inteligente, Verlaine regressa com novo álbum a solo, de genérico “The Wonder”.
O universo da música popular é fértil em personagens estranhas, a maioria só de fachada, algumas genuinamente alienígenas. O homem dos Television é sobretudo misterioso. Pouco dado a entrevistas, quase nada se sabe da sua visão do mundo, para além dos discursos poéticos gravados ao longo de um percurso discográfico simultaneamente brilhante e irregular. Tímido e introvertido em extremo, perde a vergonha nos discos e dispara palavras cínicas e geladas, apoiadas por uma guitarra não menos incisiva e cortante.
A Lua na Sarjeta
Os Television, banda seminal da New Wave americana, nasce em 1973, fruto da associação de Verlaine com o baixista/vocalista Richard Hell e o baterista Billy Ficca. Cedo dão nas vistas, congregando à sua volta um grupo de admiradores que rapidamente os elevam ao estatuto de “banda de culto”. Tom Verlaine, líder incontestado e carismático, convence os proprietários do clube CBGB a abrir as portas à nova vaga de grupos e artistas que, entretanto, emergiam no circuito “underground” da cidade, e dos quais se destaca Patti Smith, em cujo “single” de estreia, “Hey Joe/ Piss Factory”, Verlaine virá a colaborar.
Patti e Tom partilham o gosto pela poesia, desde os românticos (Tom escolheu como apelido o do simbolista francês Paul Verlaine), aos poetas da Beat Generation, como Kerouac ou Ginsberg. Em comum, também, a preocupação de que as palavras sejam algo mais do que simples letras de canções e o estilo declamatório de as cantar. Características estas bem vincadas no álbum-estreia dos Television, “Marquee Moon”, de 1977, autêntica pedrada no charco do primarismo “punk” que então vingava, sobretudo do lado de cá do Atlântico.
Poeta Ignorado
Para trás ficam a tentativa infrutífera de Brian Eno (que chega a produzir algumas “demo tapes” da banda), de levar Verlaine e os companheiros para o luxo da Island britânica, e a substituição de Richard Hell (que virá a formar com Johnny Thunders os Heartbreakers) por Fred “Sonic” Smith.
“Marquee Moon” suscita o entusiasmo da crítica e do público ingleses, deixando o lado “yankee” estranhamente indiferente. Richard Hell não tem melhor sorte com os Heartbreakers e abandona o ex-New York Dolls, para formar a sua própria banda, os “Voivods”, contando nas suas fileiras com um senhor guitarrista chamado Robert Quine, aceite mais tarde como membro de “elites” já de um outro mundo. Os dois polos opostos iniciais dos Television, Verlaine, o intelectual, e Hell, o “junkie” decadente, procuram por vias divergentes o sucesso em grande escala, que sempre lhes fugirá.
Depois de uma “tournée” como banda de suporte dos Blondie, os Television lançam, em 1978, o segundo álbum, “Adventure”, mais elaborado que o anterior e em que a parte musical (até então um tanto ofuscada em detrimento da poética) se equipara em requinte e subtileza às palavras, sempre corrosivas, do poeta. Os ingleses voltam a captar a mensagem, em termos de aceitação crítica e de vendas. A proverbial falta de gosto das massas americanas continua a ditar leis na pátria do segundo Verlaine.
Via Aberta
Os Television acabam e Tom parte para uma carreira a solo, iniciada com o álbum “Tom Verlaine”, de 1979, e continuada, dois anos mais tarde, com “Dreamtime”. “Words From The Front” (1982) e “Cover” (1984, já na multinacional Virgin) são outras tantas tentativas frustradas de traduzir em números uma reconhecida qualidade artística. Por fim, em 1987, a Fontana, especialmente reativada para a ocasião, edita “Flash Light”, um dos melhores discos de Verlaine, mas ainda e sempre com o mesmo destino dos restantes: a indiferença pública.
“The Wonder” pode alterar este estado de coisas. Permanecendo, no essencial, fiel às características que distinguem a sua música, Verlaine abre um pouco o som, como na ainda tímida tentativa de criar um “funky” intelectual, no tema “Shimmer”, também editado em maxi. Um outro maxi, “Kaleidescopin’”, denota a mesma preocupação e evidencia, até na pacificação das palavras, uma serenidade e uma maturidade capazes finalmente de convencer, mesmo o mais empedernido, de que o homem tem coisas importantes para dizer.