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Genesis + Rui Veloso + Vários – “Chuva De Estrelas” (dossier)

Pop-Rock Quarta-Feira, 11.12.1991 (“dossier”)


CHUVA DE ESTRELAS

Este Natal é uma fartura. É costume artistas consagrados aproveitarem a quadra para regressar às lides editoriais. Mas poucos terão sido os anos, desde a saudosa década de 60, em que o período deu origem a tamanha colheita de novos discos de artistas de primeiro plano (para já não falar de compilações de êxitos). Diz-se que foi da guerra do Golfo, que fez as grandes editoras atrasarem para agora o produto que se previa para antes ou a exigirem antecipações de artistas que planeavam lançar mais tarde.
É esta “rentrée” recheada de vedetas que se revês no presente “dossier”. Consideram-se os nomes mais sonantes, num plano internacional ou nacional, que acabam de editar trabalhos originais de estúdio ou ao vivo. Trata-se de cada um a título daquilo que é fundamental, ou seja, a sua dimensão de fenómeno mediático e comercial, recordando-se os antecedentes e o contexto que assistiram a tais retornos. Nessa medida, as avaliações dos discos respectivos passam para segundo plano.

GENESIS



Phil Collins, Tony Banks e Michael Rutherford chamam “nova era” ao período discográfico iniciado com “Abacab” e cujo penúltimo capítulo remontava a 1986 e a “Invisible Touch”, que, diga-se de passagem, foi número um em tudo o que é sítio. Os três Genesis enaltecem as virtudes do estúdio próprio, que, dizem eles, lhes garante um som impecável. Aliás, pode dizer-se que estão em condições de enaltecer tudo. Phil Collins, então, não tem razões de queixa.
Assim, os motivos que os levaram a não pôr, por enquanto, cobro ao dinossauro são de ordem exclusivamente artística. Faz-lhes falta o som de grupo, a companhia mútua, o acréscimo de criatividade segundo a lei de que “três cabeças trabalham melhor que uma cabeça só”.
“We Can’t Dance” é ainda um objecto terapêutico, uma purga, remádio santo para o “stress” dos artistas: “aliviou-nos da tensão” – garante Tony Banks, o mais tenso dos Genesis, por acaso aquele que dos três se saiu menos bem nas actividades a solo e, por isso, o mais atreito à hipertensão.
Passados tantos anos sobre as saídas de Peter Gabriel e Steve Hackett, os Genesis resolveram que queriam ser “diferentes”. Por exemplo, Tony Banks descobriu que existiam outros registos no sintetizador para além das cordas sintéticas e que era possível, com um sampler, imitar um som de órgão. No próximo álbum, lá para 2010, talvez nos mostre como é possível produzir, com um órgão, o som de um sampler sintético de cordas. Tony Banks é um infeliz. Sente-se “frustrado” pela falta de sucesso dos seus discos. Os outros apiedaram-se.
Para Phil Collins, mais um menos um disco dos Genesis tanto se lhe dá como se lhe deu – é mais uma diversão que outra coisa, uma pequena extravagância “raffiné”. Está bem instalado na vida. Não necessita de fazer ondas para fazer dinheiro. Um “aid” aqui, um protesto ali, um depoimento humanitário acolá garantem-lhe a manutenção da imagem “clean” e o caudal de divisas. Condescende em dar-se ares de rufia e diz que gosta de pornografia e que é contra a censura. Ah, valente!
Mike Rutherford toca baixo e tem cara de parvo.
Seria muito bonito, e muito digno, e tudo isso, a lenda, o mito, o nome, se não nos quisessem impingir os discos. Sim, é verdade, o Natal é boa altura para “dar música”. Mas o que é de mais enjoa. Adeus ó vão-se embora.

RUI VELOSO



Não edites amanhã o que podes editar hoje, parece ser o lema das editoras neste final de ano. Coincidência ou não, portugueses e estrangeiros escolheram o Natal para deitar cá para fora os frutos, verdes ou maduros, nalguns casos podres, da sua inspiração. É um ver se te avias. À partida, com Rui Veloso, o risco de “flop” comercial é diminuto, tendo em conta que é o nome mais sonante do rock português, o que, com o empurrão das operações de “marketing”, garante desde logo o escoamento do produto.
Encomendado pela Comissão dos Descobrimentos e beneficiando de um “budget” que terá rondado os seis mil contos, “Auto da Pimenta” tem ainda por cima algumas vantagens adicionais: é um objecto de apresentação luxuosa que, independentemente do conteúdo musical, convida à aquisição. Tudo na embalagem, desde o grafismo imaculado à profusão de imagens que piscam o olho ao aventureiro dos mares que vive em cada um de nós, grita “comprem-me”. Goste-se ou não, ouça-se ou não, “Auto da Pimenta” não é difícil adivinhar que vai ser a prenda de Natal mais procurada. É um valor seguro, um “bibelot” cultural capaz de fazer boa figura na discoteca ou na compacteca, da mesma forma que a colecção encadernada das obras completas de Eça de Queirós serve para abrilhantar a estante da biblioteca.
Depois, há os Descobrimentos e blá, blá blá, somos todos heróis, o mar, o fado, caravelas e saudade, ah que saudades do Império (do cinema, bem entendido…), Camões, Fernão Mendes Pinto, o Centro Cultural de Belém e para o ano, se Deus quiser e não houver bronca entretanto, a CEE. Assim, quem este Natal não comprar “Auto da Pimenta”, não é bom português nem bom chefe de família.
O disco, coitado, não tem culpa nenhuma. É um bom disco, tão bom ou melhor que os outros já gravados pela dupla. Rui Veloso e Carlos Tê fizeram o que se lhes pedia, a revisão moderna da epopeia dos Descobrimentos, e fizeram-no bem. “Auto da Pimenta” é um manual honesto do “português moderno”, pintado com as cores do sonho. Uma aventura de trazer por casa.

Tony – Banks – “Still”

Pop-Rock Quarta-Feira, 03.07.1991


Tony Banks
Still
LP / MC / CD, Virgin, distri. Edisom


Ainda por cá, Tony? Para quem não sabe, Tony Banks é o teclista dos Genesis, banda outrora importante, transformada, a partir do momento em que Phil Collins tomou conta das operações, num placebo grotesco, destinado aos consumidores das massas viciadas no “som FM”. “Still” é o vazio, a ausência completa de ideias, de originalidade, de um estilo próprio, de música, enfim. Como quase sempre acontecve nestes casos de degenerescência avançada, procura-se tapar o buraco recorrendo à utilização maciça de massa (pouco) consistente, feita de músicos convidados, escolhidos mais ou menos ao acaso. Em “Still” calhou aos vocalistas Nik Kershaw, Andy Taylor e Fish, o homem que gostaria de ter nascido Peter Gabriel, tentarem fazer passar por canções meros arranjos de estúdio. Uma referência final, elogiosa, para a vocalista feminina Jayney Klimek, que, levando em consideração a fotografia inclusa, desde já aconselhamos vivamente a trocar a música pelo cinema ou por uma carreira de modelo. Quanto ao resto, “Still” não existe.
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Genesis – “Sem As Asas Do Arcanjo” (televisão)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 22 AGOSTO 1990 >> Local

RTP

Sem as asas do arcanjo

DOIS GRUPOS distintos, com a mesma designação: Genesis. Antes e depois de Peter Gabriel. Infinitamente mais interessantes e inovadores na primeira fase, aquela em que contavam com os sonhos surreais e as vocalizações teatralizadas do arcanjo Gabriel. “From Genesis to Revelation”, assim se chamava o disco estreia, capa negra, música devedora dos sinfonismos caros aos Moody Blues, textos prenunciadores dos delírios poético-fantásticos que estavam para vir. A editora era a Decca, não alertada para o grande “boom” da música progressiva, prestes a eclodir na passagem para a década de Setenta. A era de oiro desenrolou-se na Charisma, editora onde despontaram grupos importantes do movimento como os de Jackson Heights, Audience e, sobretudo, os Van Der Graaf Generator, de Peter Hammill, ao lado de Peter Gabriel, um dos maiores poetas que a Pop já conheceu.
“Trespass”, “Nursery Cryme”, “Foxtrot”, “Selling England by the Pound”, universos de fábula pontuados pelo humor negro muito britânico e a extraordinária capacidade de Gabriel em criar histórias e personagens que aliavam o feérico das palavras à complexidade barroca de uma música servida por excelentes executantes, como eram e continuam a ser, o guitarrista Steve Hackett, o baixista Michael Rutherford, o teclista Tony Banks e Phil Collins, evidentemente. Com a obra-prima “The Lamb Lies down on Brodway”, os Genesis atingem o auge e Peter Gabriel parte para novas aventuras a solo.
Phil Collins tinha o caminho livre. A partir de “A Trick of the Tail”, já sem Gabriel, a personalidade e imagem da banda desvanecem-se progressivamente. Mas foi só quando Phil começou a cantar que os milhões começaram a aparecer. A partir de aí a história passou a ser outra. Hoje, ao lado de Phil Collins (que praticamente abandonou a bateria), permanecem Tony Banks e Mike Rutherford, aos quais se juntaram Daryl Strummer e Chester Thompson. Vamos vê-los ao vivo, no estádio de Wembley, em julho de 1987, interpretando canções recentes de “Invisible Touch” e outras mais antigas, anteriores glórias. Sem as asas do arcanjo, os Genesis deixaram de voar.