Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #71 – “Happy, Moore, H.Cow…p_The Preacher (FM)”

#71 – “Happy, Moore, H.Cow…p_The Preacher (FM)”

Fernando Magalhães
04.02.2002 160436
O meu thread ficou “tapado” pelo do Karalinda… 🙂

Para que esta mensagem possa servir a mais interessados, aqui vai de novo:

Seguir para onde? É complicado!

Eu sugeriria 3 vias divergentes, mas qualquer deles traduzida em álbuns magníficos:

“The Henry Cow Leg End” (1973) dos HENRY COW, é o “pai” de toda a música europeia do chamado “rock de câmara”. É um disco a todos os títulos fascinante que alia um humor Frank Zappiano, o experimentalismo dos Faust, o jazz mais avançado (mas que, surpreendentemente, adquire nos HC uma acessibilidade notável) e até uma fabulosa canção pop, “Nine funerals of the citizen king”.

Outra obra-prima, já por mim aqui referenciada, é “Flying doesn’t Help”, de ANTHONY MOORE (às vezes aparece escrito “More”…o homem fez parte dos Slapp happy e dos Henry Cow), sem exagero, um dos mais fantásticos álbuns de…ROCK, de todos os tempos. O espírito dos Velvet Underground traduzido para um som contemporâneo. Baladas diabolicamente apelativas alternam com descargas de rock poderoso, pautadas por riffs de guitarra/eletrónica sem paralelo. A versão de “War”, tema incluído no álbum “In Praise of Learning”, dos Henry Cow, é, por si só, uma experiência arrasadora.

Dos SLAPP HAPPY, podes investigar o álbum anterior, “Sort of…”. Mais clássico mas mesmo assim escondendo algumas pérolas (canções, sempre as canções com um toque de magia e e excentricidade…) que “Slapp Happy”.
O “Ça Va” é engraçado mas eu prefiro o som mais “antigo” do grupo.

Claro que ainda tens as discografias do JOHN GREAVES e da DAGMAR KRAUSE a solo…

Importante: Os HENRY COW prosseguiram, de certa forma, no grupo ART BEARS (Fred Frith, Dagmar Krause, Chris Cutler). Uma música mais “fria” e esotérica que a dos HC que, de qualquer forma, se traduziu pelo menos numa obra prima: o álbum de estreia “Hopes and Fears”.
“Winter Songs” (uma leitura musical hermética da simbologia das catedrais medievais) e “The World as it is Today” (o mais complexo dos álbuns dos Bears) são igualmente muito bons, sobretudo o segundo.

O “problema” é que, se gostares de todas estas obras, tens pela frente um universo de discos, todos importantes, de dezenas e dezenas de bandas, cada qual um mundo de descobertas: 5 UU’s, MOTOR TOTEMIST GUILD, THINKING PLAGUE, UNIVERS ZERO, NON CREDO, DOCTOR NERVE, PFS, ZERO POP, ETRON FOU LELOUBLAN, SAMMLA MANNAS MAMA…

FM

Fernando Magalhães
04.02.2002 180642
quote:
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Publicado originalmente por thePreacher

Eu entretanto no outro post deixei-te uma pergunta, que era, se tiveres alguma disponibilidade, uma breve explicação para um leigo como eu de “rock de câmara”.
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Rock tocado com um rigor e um classicismo que evocam a música de câmara. Mas o termo foi usado sobretudo para acentuar o carácter “erudito” ou “elitista” (eheh) de uma música que juntou a energia do rock ao conceito de “música de interiores” e aos compassos complexos conotados com a música de câmara.
Claro que, a partir daqui, este conceito se tornou redutor, partindo a maioria dos grupos ligados a esta estética, chamemos-lhe assim, para músicas pessoalíssimas que integraram toda a espécie de elementos, do free jazz à eletrónica, de registos folk às programações de computador, da música concreta à canção pop, do Progressivo à improvisação.

O movimento foi despoletado ainda nos anos 70 por uma associação chamada “Rock in Opposition” da qual faziam parte os ingleses HENRY COW, os italianos STORMY SIX, os franceses ETRON FOU LELOUBLAN e os suecos SAMMLA MANNAS MAMA. E os belgas UNIVERS ZERO também, se não estou em erro…

Outras bandas que ainda não referi: SKELETON CREW, NEWS FROM BABEL, THE MUFFINS, WONDEUR BRASS, PRESENT, CONVENTUM, DÉBILE MENTHOL, AKSAK MABOUL…

FM

Júlio Pereira – “Música Popular Portuguesa – Janelas Coloridas”

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 30 NOVEMBRO 1990 >> Cultura


Música popular portuguesa

Janelas coloridas


O NOVO DISCO de Júlio Pereira junta a pintura e a música. São dez quadros de pintores portugueses, traduzidos em outras tantas incursões musicais em que o folclore se dilui, de forma subtil, no som contemporâneo.
“Quadros numa exposição” – assim se intitulava uma obra de Mussorgsky que expressava no piano os sonhos pictóricos do pintor russo Victor Hartmann, em partitura posteriormente orquestrada por Ravel e finalmente liquidada pela pirotecnia circense dos Emerson, Lake and Palmer. Um século mais tarde, Brian Eno traduzia para música quatro aguarelas do pintor alemão Peter Schmidt, em “Before and After Science”. Agora chegou a vez de Júlio Pereira, tradicionalista na sensibilidade e inovador na maneira de a exteriorizar, inventar musicalmente dez quadros de pintores portugueses contemporâneos. À coleção, a exibir em público a partir do dia 6, chamou “Janelas Verdes”, numa alusão ao museu que lhe fica perto da casa e da alma lisboeta.
“Janelas Verdes”, nono álbum de originais na sua discografia, está longe de ser um museu, muito menos de arte antiga. Cada quadro é pretexto para, partindo de uma apreciação subjetiva da obra e de posterior conversa com o seu autor, recriar o universo das imagens em peregrinações pelo folclore do globo – “a música tradicional está toda nas ‘Janelas Verdes’, mas não de maneira evidente. Em discos anteriores, com ‘Cavaquinho’ ou ‘Braguesa’, ‘peguei’ em elementos etno-musicais do nosso país, uma chula, um vira, um corridinho, e desenvolvi-os, condicionado pela sua estrutura. Neste caso, não me agarrei a qualquer elemento musical conotado diretamente com a música tradicional. Conhecer os diversos pintores e a sua obra, foi conhecer outros tantos mundos diferentes. O pintor Eurico levou-me até ao México, a Paula Rego sugeriu-me uma coreografia de um menino e meninas a brincar numa horta. O quadro de Júlio Pomar transportou-me para o meio de um intensíssimo carnaval na Idade Média, e por aí fora, em dez viagens imaginárias…”.
Ao contrário do álbum anterior, “Miradouro”, a eletrónica tem aqui um papel mais discreto. Enquanto que o primeiro “foi todo concebido no computador, soando talvez por isso, um pouco maquinal”, o novo disco “foi realizado tecnicamente de maneira diferente, todo ele composto na viola braguesa que foi gravada em primeiro lugar, só depois sendo acopladas as partes eletrónicas”.
Viagens ulteriores apontam para a possibilidade de gravação de um disco inteiramente acústico – “Os próprios tempos apontam para isso”. Quanto mais nos embrenhamos na eletrónica, mais saudades temos dos instrumentos acústicos. O ‘sampler’ é um bom exemplo da nova direção que a música eletrónica está a seguir, paradoxalmente procurando reproduzir, por meios digitais, o som acústico natural…”.
Em “Janelas Verdes” o computador e os sintetizadores coabitam com o cavaquinho, a viola braguesa ou os instrumentos trazidos por músicos convidados, como o saxofone de Paulo Curado, o trompete de Tomás Pimentel, o oboé de António Serafim ou as vozes de Maria João, Anabela Duarte e Luís Madureira. A gaita-de-foles geme, apenas num dos temas – “No nosso país há poucas pessoas que saibam tocar bem o instrumento e menos ainda a construí-lo. Ao contrário do que acontece por exemplo na Galiza, onde observei escolas com dezenas de miúdos a tocar “gaita”, e em que abundam os construtores, em Portugal já só os velhos a fabricam”.
Do rock às chulas, da tradição ao folclore universal, do cavaquinho e da braguesa ao computador e aos “sete instrumentos”, Júlio Pereira continua a debruçar-se sobre o futuro. Desta vez de janelas das cores todas que os olhos conseguem ver.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #70 – “Saturnia e Space-Rock (rat-tat-tat)”

#70 – “Saturnia e Space-Rock (rat-tat-tat)”

Fernando Magalhães
01.02.2002 180653
Quanto ao SUN RA e JOHN COLTRANE.
A questão está em que a música destes dois compositores é mais espacial no conceito do que na prática.
Em SUN RA, apesar de tudo, existem elementos verdadeiramente “cósmicos”. O meu preferido é mesmo o 2º lado, um longo solo de Moog, de “Nuits de la Fondation Maeght” (ed. Shandar, infelizmente fora de mercado).
O “It’s after the End of the World” está praticamente todo incluído num CD duplo intitulado, “Out in Space/não sei quê Myth” 🙂 🙂 🙂

Já a música de Coltrane apenas espiritualmente tem a ver com o espaço. O “Meditations” é uma longa dissertação do homem pelo interior de si mesmo (o inner space), nos limites do free jazz, muito bem secundado por umo segundo sax tenor, de Pharoah Sanders, e o piano de McCoy Tyner. Mas, para mim, prende-me mais à terra do que me impele para o cosmos!

Mas…e voltando ao SUN RA, o que este músico não levou às últimas consequências, fê-lo um seu ex-companheiro da sua Arkestra – um tal SAMARAI CELESTIAL, que descobri através de “o vendedor”. São dois CDs, um deles duplo, com temas longuíssimos (há um com mais de 60 min….), de eletrónica, entre o selvático e o planante, espécie de selva de sons orgânicos que, num dos temas, adquirem mesmo a forma de uma homenagem explícita ao mestre, numa faixa intitulada “Sun Ra”.
Percebe-se que o tipo é louco (ou será um iluminado?) mas a música é, de facto, uma verdadeira viagem!!!! Outro tema, de 20 min., é um longo solo de percussões eletrónicas com o Samarai a ler por cima um manifesto sobre a ascese planetária e a nova idade de ouro da humanidade.

FM