Pop Rock >> Quarta-Feira, 10.06.1992
JÚLIO PEREIRA
O Meu Bandolim
LP / MC / CD, Columbia, ed. Sony Music
É triste dizer isto, ainda por cima em público, mas é verdade: Júlio Pereira, a cada novo disco que edita, vai-se afundando na repetição de esquemas batidos e no acomodamento a um som que aos poucos se tornou numa caricatura de glórias passadas, dos tempos de “Cavaquinho” e “Braguesa”.
“O Meu Bandolim” descreve-se em poucas palavras: música para turistas. É uma opção como qualquer outra, com as respectivas vantagens (materiais) e riscos (descaracterização, comodismo, urticária). Irrita sobretudo o som, o terrível “som Júlio Pereira” que consiste em fazer passar todos os instrumentos pelo crivo implacável de filtros que não deixam passar um grãozinho de poeira. A questão, posta em termos de metáfora, está em que o que é verdadeiramente profundo e genuíno, o objecto precioso, perde todo o seu encanto quando destituído da “patine” que é uma marca da dignidade do seu estatuto – a tal poeira de que Júlio Pereira se quer ver livre a todo o custo. “O Meu Bandolim” soa a produto de laboratório, cheira a desinfectante, é todo “Omo lava mais branco”.
Depois falta a inspiração. A música é quase toda folclore no pior sentido que a palavra pode ter, precisamente aquele que o próprio autor é suposto criticar, da época áurea dos ranchos televisivos de Pedro Homem de Mello. “O Meu Bandolim” tem neste aspecto a profundidade e a espessura dramática do cochicho. Na capa interior, vem lavrada a história e as técnicas de interpretação do instrumento, numa atitude pedagógica que é de louvar.
O pior é que, depois de se ouvir o disco, o efeito provocado no auditor choca manifestamente com as intenções. O bandolim torna-se objecto de tortura psicológica e fica-se com vontade de ser mau e fazer o que não se deve: entregar o instrumento “à actividade exploratória infantil”, como diz o texto interior ou, pior ainda, aos “acessos cíclicos de mudança nos adultos”, de maneira a “terminar ingloriamente numa fogueira ou num folguedo carnavalesco”. Da fogueira, apesar de tudo, ainda há a salvar a técnica irrepreensível dos executantes e os três temas que escapam à vulgaridade dominante: “Palaciana”, evocativa de alguma beleza passada, “Poção mágica” e “Conversa adiada”, respectivamente diálogo do bandolim de Júlio Pereira com o oboé de Serafim Vieira e a guitarra de José Peixoto. O resto é conversa fiada ou, como diz o título de uma das canções, “fogo-de-artifício”. (3)