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Vários (June Tabor, Oyster Band, Boys of the Lough, Savourna Stevenson, Gianna Naninni, Cedar Walton, Bogus Brothers, Delfins, Pop Dell’Arte, Júlio Pereira, José Eduardo e António Pinho Vargas) – “XV Festa Do ‘Avante’ – Tradição Na Revolução” (concertos | festivais | antevisão)

Secção Cultura Quinta-Feira, 25.07.1991


XV Festa Do “Avante”
Tradição Na Revolução



Por incrível que pareça os comunistas portugueses não têm só defeitos, também têm qualidades. Sobretudo a partir do momento em que desistiram de comer criancinhas, a sua popularidade aumentou enormemente. Tornaram-se mesmo quase simpáticos. Mas não só a mudança de hábitos alimentares é digna de elogios. Também a sua reconhecida capacidade de organização e mobilização das massas.
Assim voltará a ser, nos dias 6, 7 e 8 de Setembro, na Atalaia, Amora, Seixal, com a Festa do “Avante” a entrar na sua XV edição. Em matéria de música, o programa insiste, e bem, numa política de diversificação. Dos oitos cabeçs de cartaz, metade inclui-se na área da música folk, ou tradicional: June Tabor, Oyster Band (está prevista a actuação conjunta da voz abissal da primeira com a euforia etilizada dos segundos, repetindo a magia discográfica de “Freedom and Rain”), Boys of the Lough, irlandeses da estirpe de uns Chieftains, Altan ou Patrick Street, onde pontifica o violinista Aly Bain, e Savourna Stevenson, uma das grandes intérpretes da “clarsach”, ou harpa escocesa, da actualidade.
No capítulo do rock a escolha recaiu na italiana Gianna Naninni, que, espera-se, causará escândalo, com a energia e entrega evidenciadas no álbum “Scandalo”. O vídeo recente tem a assinatura de um louco, Dieter Meier, membro dos inclassificáveis Yello.
O trio do pianista Cedar Walton, o “acompanhador perfeito”, como lhe chamaram, tocou a o lado de lendas como Charlie Parker, Dizzy Gilespie ou John Coltrane), que virá acompanhado pela bateria de Billy Higgins e o baixo de David Williams, fará decerto as delícias dos amantes do jazz.
Os Bogus Brothers são o primeiro nome internacional na história da Festa do “Avante” a reincidir. O êxito do ano passado forçou o regresso em força da “soul” e dos “rhythm and blues”. O flamenco estará presente através da guitarra cigana de Rafael Riqueni, para alguns o digno dicípulo de Paco de Lucia. Estes os nomes sonantes. Para além deles, os portugueses vão mostrar que a festa também sabe ser aqué,-fronteiras: Delfins, Pop Dell’Arte (no rock), Júlio Pereira (Folk-rock) e os grupos de José Eduardo e António Pinho Vargas (jazz-música contemporânea) garantem à partida grandes momentos musicais.
Mas nem só de música se faz a Festa do “Avante”. Uma bienal de pintura, na sua sétima edição, ou o Avanteatro, são algumas das realizações com que o PCP se propõe agitar e dinamizar durante três dias, o nosso tradicionalmente “morno” meio cultural. No grandioso palco 25 de Abril (agora transformado em anfiteatro), no pavilhão 1º de Maio ou em qualquer recanto onde a festa possa acontecer.
O resto é o folclore e a ideologia do costume, nos inúmeros pavilhões espalhados pelo recinto ou no inevitável discurso do camarada Álvaro Cunhal (ainda por cima com legislativas à porta), em festa que, ninguém duvide, constitui um dos acontecimentos culturais mais importantes, a nível nacional. Pelo menos uma vez por ano, os comunistas portugueses estão de parabéns. Até porque neste o partido cumpre a bonita idade de 70 anos. Avante camaradas.

Vários (Vai de Roda, Júlio Pereira, Paulo Moura, Moore by Four) – “Folk Tejo – Folclores, Por Tudo E Por Nada”

Secção Cultura Terça-Feira, 04.06.1991


Folk Tejo
Folclores, Por Tudo E Por Nada


Feito o balanço final do Folk Tejo, ressalta a necessidade de, para a próxima, se corrigirem os erros deste ano. Se a música, na generalidade, não foi de molde a entusiasmar, louve-se, pelo menos, o esforço de dar a conhecer à capital alguns dos nomes mais importantes da “folk” actual. Só por isso, terá valido a pena.



Agora que a poeira começa a assentar, importa fazer o rescaldo e tirar algumas conclusões sobre o que foi e poderá vir a ser, num futuro próximo, o Folk Tejo, iniciativa que neste ano de arranque terá incorrido em alguns equívocos e erros de cálculo que, de futuro, convirá evitar. Do papel à prática, algo falhou. Não faz sentido, por exemplo, concentrar num só dia, quatro nomes de cartaz, todos conotados com a mesma área musical, deixando para o outro uma mescla desequilibrada de estilios que só terá servido para confundir e, nalguns casos desmotivar, o potencial auditor e consumidor das chamadas “músicas tradicionais”. Se os portugueses Vai de Roda e Júlio Pereira se incluem sem dificuldade naquela categoria, já a banda do brasileiro Paulo Moura ou os americanos Moore by Four fariam melhor figura, respectivamente numa festa dos subúrbios do Rio de Janeiro e no casino do Estoril. Depois, quatro nomes por noite, é excessivo: no final da noite de domingo, estariam pouco mais de meia centena de pessoas a assistir à actuação dos Moore by Four.
Quanto à escolha do Coliseu dos Recreios, para um acontecimento deste género, também não terá sido das decisões mais acertadas. Demasiado fria para uma música que exige a proximidade e a cumplicidade do público, a “catedral”, como lhe chamam, ainda por cima não ajuda em trmos acústicos, sobretudo quando, como foi o caso, não está cheia. Finalmente, o que é mais grave, ao “Folk Tejo” terá faltado um adequado enquadramento estrutural (ao contrário do que aconteceu recentemente com o 2º Festival Intercéltico), traduzido em actividades paralelas, capazes de o transformar em verdadeiro acontecimento cultural e não, como por vezes deu a desagradável impressão, numa mera jogada de oportunismo eleitoral. Uma referência final positiva para o programa, elaborado com mão de mestre pela equipa da “MC – Mundo da Canção”, que constitui oo relançamento desta revista de boa memória, preparada para arrancar com novos voos.
E a música, como foi? Excelente, a dos Vai de Roda, como já vai sendo hábito, pese embora a proverbial e salutar insatisfação do seu mentor, Tentúgal, sempre em busca da impossível perfeição. Destaque para as prestações instrumentais de todos os músicos que desta feita se sobrepuseram às partes vocalizadas, prejudicadas, sobretudo a partir de “São João”, pelo som “assassino”. No final, os Vai de Roda apresentaram um tema inédito, a incluir num provável terceiro álbum (“nem que seja daqui a mais sete anos”), introduzido por uma notável improvisação de Tentúgal, na sanfona, a imitar o fraseado e a sonoridade da gaita-de-foles e concluído de forma algo hesitante, pela voz de uma cantora convidada, pouco habituada ainda a estas andanças pelos “Coliseus”.
Júlio Pereira entrou de seguida, em força, empunhando uma espécie de mini-guitarra eléctrica (uma bandolarra? Um guitarrim?) pondo de imediato a assistência a bater palmas de acompanhamento, empolgada pela alegria contagiante e pelo reconhecimento do virtuosismo do homem das cordas. Dedilhando primeiro a braguesa, depois o cavaquinho, Júlio Pereira percorreu o caminho que vai da foz, das “Janelas Verdes” até à nascença, do álbum da “guitarra pequenina”. Acompanhado por uma banda de cinco músicos (destaque para Paulo Curado, nos “saxes” e flauta), Júlio Pereira recriou, à sua maneira (quer se goste ou não dela) o folclore português, evidenciando uma frescura e uma alegria de tocar que terão surpreendido muita gente. Referência muito especial para a voz maravilhosa da Minela e para a não menos maravilhosa forma como interpretou “Senhora dos Remédios”, num dos momentos mais altos de todo o festival.

Bam-Vindos Ao Cabaré

Paulo Moura, saxofonista e clarinetista brasileiro, responsável pela fusão do Jazz com o “chorinho” e a “gafieira” dos bailes cariocas, desiludiu. Música de cabaré, sem “punch” nem imaginação, deixou saudades de feitos passados, acentuadas ainda mais pelas desinspiradas prestações vocais da “crooner” sambista Marilu Moreno. Quando Paulo Moura tocou “Lisboa Antiga”, apeteceu deitar uma moeda na caixa ds esmolas.
Aos Moore by Four competia fechar em apoteose o “Folk Tejo”. Pura ilusão. O adiantado da hora e a vulgaridade dos músicos (versão de terceira dos” Manhattan Transfer”) provocou a debandada geral do público, que, no final, ficou rduzido a uma pequena legião de fanáticos, disposta a aproveitar até à última gota as contorções e a postura “Hollywoodesca” dos músicos (a saxofonista, com pinta de “streaper”, soprava um saxofone tenor mais comprido que a saia, enquanto ia atirando a perninha para trás, num arremedo de fúria “swingante”…) mas já desesperada com o “top” da vocalista loura, que teimava em não cair.
À saída, alguém do público, vindo especialmente de Bragança para assistir ao “Folk Tejo”, bradava, entusiasmado, para quem o quisesse ouvir: “Fabuloso”. Pena Jorge Sampaio não precisar dos votos bragantinos.

Júlio Pereira – “Música Popular Portuguesa – Janelas Coloridas”

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 30 NOVEMBRO 1990 >> Cultura


Música popular portuguesa

Janelas coloridas


O NOVO DISCO de Júlio Pereira junta a pintura e a música. São dez quadros de pintores portugueses, traduzidos em outras tantas incursões musicais em que o folclore se dilui, de forma subtil, no som contemporâneo.
“Quadros numa exposição” – assim se intitulava uma obra de Mussorgsky que expressava no piano os sonhos pictóricos do pintor russo Victor Hartmann, em partitura posteriormente orquestrada por Ravel e finalmente liquidada pela pirotecnia circense dos Emerson, Lake and Palmer. Um século mais tarde, Brian Eno traduzia para música quatro aguarelas do pintor alemão Peter Schmidt, em “Before and After Science”. Agora chegou a vez de Júlio Pereira, tradicionalista na sensibilidade e inovador na maneira de a exteriorizar, inventar musicalmente dez quadros de pintores portugueses contemporâneos. À coleção, a exibir em público a partir do dia 6, chamou “Janelas Verdes”, numa alusão ao museu que lhe fica perto da casa e da alma lisboeta.
“Janelas Verdes”, nono álbum de originais na sua discografia, está longe de ser um museu, muito menos de arte antiga. Cada quadro é pretexto para, partindo de uma apreciação subjetiva da obra e de posterior conversa com o seu autor, recriar o universo das imagens em peregrinações pelo folclore do globo – “a música tradicional está toda nas ‘Janelas Verdes’, mas não de maneira evidente. Em discos anteriores, com ‘Cavaquinho’ ou ‘Braguesa’, ‘peguei’ em elementos etno-musicais do nosso país, uma chula, um vira, um corridinho, e desenvolvi-os, condicionado pela sua estrutura. Neste caso, não me agarrei a qualquer elemento musical conotado diretamente com a música tradicional. Conhecer os diversos pintores e a sua obra, foi conhecer outros tantos mundos diferentes. O pintor Eurico levou-me até ao México, a Paula Rego sugeriu-me uma coreografia de um menino e meninas a brincar numa horta. O quadro de Júlio Pomar transportou-me para o meio de um intensíssimo carnaval na Idade Média, e por aí fora, em dez viagens imaginárias…”.
Ao contrário do álbum anterior, “Miradouro”, a eletrónica tem aqui um papel mais discreto. Enquanto que o primeiro “foi todo concebido no computador, soando talvez por isso, um pouco maquinal”, o novo disco “foi realizado tecnicamente de maneira diferente, todo ele composto na viola braguesa que foi gravada em primeiro lugar, só depois sendo acopladas as partes eletrónicas”.
Viagens ulteriores apontam para a possibilidade de gravação de um disco inteiramente acústico – “Os próprios tempos apontam para isso”. Quanto mais nos embrenhamos na eletrónica, mais saudades temos dos instrumentos acústicos. O ‘sampler’ é um bom exemplo da nova direção que a música eletrónica está a seguir, paradoxalmente procurando reproduzir, por meios digitais, o som acústico natural…”.
Em “Janelas Verdes” o computador e os sintetizadores coabitam com o cavaquinho, a viola braguesa ou os instrumentos trazidos por músicos convidados, como o saxofone de Paulo Curado, o trompete de Tomás Pimentel, o oboé de António Serafim ou as vozes de Maria João, Anabela Duarte e Luís Madureira. A gaita-de-foles geme, apenas num dos temas – “No nosso país há poucas pessoas que saibam tocar bem o instrumento e menos ainda a construí-lo. Ao contrário do que acontece por exemplo na Galiza, onde observei escolas com dezenas de miúdos a tocar “gaita”, e em que abundam os construtores, em Portugal já só os velhos a fabricam”.
Do rock às chulas, da tradição ao folclore universal, do cavaquinho e da braguesa ao computador e aos “sete instrumentos”, Júlio Pereira continua a debruçar-se sobre o futuro. Desta vez de janelas das cores todas que os olhos conseguem ver.