cultura >> segunda-feira >> 07.11.1994
Marisa Monte Seduz Público Do Porto
Nos Braços De Uma Sereia

SE ELBA Ramalho é uma tentação com pernas, Marisa Monte é uma tentação com braços. O Coliseu do Porto viu as duas e pôde comprová-lo. Marisa, para além dos braços e de um corpo enleante, tem uma voz e uma presença em palco espantosas. Nada que se compare ao fracasso que constituiu a sua primeira apresentação em Portugal, em 1991, em que desafinou por todos os lados. Hoje ela é o que se chama uma profissionalona. Sabe o que faz e o que canta, domina como quer o ritmo e as tensões de um espectáculo, em suma, tão nova e é já uma das maiores vozes femininas da MPB.
Dá para perceber que o seu espectáculo de sábado à noite no Coliseu do Porto foi um êxito. A assistência, numerosa, viu-se a braços para conter os arrepios causados pela actuação de Marisa Monte, um monte de talento e sensualidade. O mesmo deve ter acontecido ontem em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Hoje, no Coliseu dos Recreios lisboeta, a cantora irá de novo decerto fazer faísca.
Marisa Monte, acompanhada por uma banda de sete elementos (um acordeonista, dois percussionistas, dois guitarristas, um baixista e um baterista), surgiu em palco envergando um longo vestido negro que deixava nus apenas os braços. Não foi preciso mostrar mais, como costumam fazer por exemplo as suas colegas Joanna, Fáfá ou a Elba das pernas de boa memória. Braços expressivos que cantaram tanto como a voz. Braços que acariciaram o cabelo, o rosto, o ventre e se acariciaram mutuamente. E as canções? Umas boas, outras óptimas, algumas fracotas, a atirar para o estilo telenovela. Mas em todas elas a voz da cantora brasileira conseguiu arrancar lampejos de emoção, como se fossem em qualquer dos casos declarações de amor tórridas ou pueris, não importa, mas sempre sinceras. Ao todo, incluindo os “encores”, Marisa Monte cantou vinte e uma. De início numa cadência lenta, com a sensualidade da voz e dos gestos a insinuar-se sem que a razão desse conta. Depois, sem avisar, a cantora de “Mais” ferveu no baião, no frevo e no samba. O corpo libertou-se das últimas amarras e o público rendeu-se, sem hipóteses nem vontade de resistir. No final, a plateia em peso do Coliseu dançava ao ritmo de “Balança a perna”, uma das canções do novo álbum “Verde Anil Amarelo Côr de Rosa e Carvão”. Uma bandeira brasileira agitava-se no meio da multidão.
Porque mais subtis, preferimos os temas de “Mais”, o álbum anterior da cantora: “Eu não sou da sua rua”, “De noite na cama”, “Diariamente”. “Ensaboa” foi diferente, com os braços, os tais braços, a fingir que ensaboavam o ventre e as pernas. Temperatura a subir no Coliseu. “Maria de verdade”, o tema que abriu o concerto. “Pale blue eyes”, “Dança da solidão”, “Segue o seco” e “Na estrada” saíram por sua vez do álbum das cores. “Preciso me encontrar2 rondou a obsessão, com uma batida tribal e o corpo ondulante da cantora a sugerir crimes do coração. A partir de certa altura a combinação das luzes, da voz e do corpo com o ritmo incansável e letras como “ai ai” e “eu só quero chocolate”, passou ainda a fazer mais sentido.
Já no “encore”, com a sala em delírio, os músicos da banda, responsáveis ao longo de todo o concerto pela criação de uma selva de seduções, mostraram em pequenos solos o muito que valem. Brilharam com intensidade Waldonys, no acordeão, e Marco Lobo, que conseguiu pôr uma cuíca (instrumento tradicional brasileiro) a cantar como uma “prima donna”. Em final apoteótico, para não dizer orgiástico, Cezinho explodiu num solo de bateria, acompanhado pelas “vari-lites” que disparavam relâmpagos e mudavam de cor de forma desenfreada. “Lenda das sereias” colocou um ponto final na loucura. A sereia tinha um nome: Marisa Monte. Para ela aquele braço, perdão, aquele abraço!