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Everything But The Girl – “Sorriam Corações”

pop rock >> quarta-feira >> 05.10.1994


Sorriam Corações



Vão estrear-se em Portugal e logo com uma série de três concertos. São os Everything But The Girl, “A melhor banda britânica ainda não fenomenalmente famosa”.

“Amplified Heart”, o seu álbum mais recente, mostra uns Everything But The Girl diferentes do habitual. Mais duros e musculados. Com outras ambições para além da sua música servir de banda sonora para um par de namorados abraçados numa praia fazerem o que têm a fazer. Para trás ficaram os tempos em que Tracy Thorn e Ben Watt – talvez o par mais feio de sempre da música pop, excluindo Popeye e Olívia Palito – flirtavam com os ritmos quentes da América do Sul e o jazz fazia parte da sua bagagem musical itinerante. É verdade que a dupla continua a ter no amor a sua temática principal, só que agora já nem tudo são rosas e é preciso fazer pela vida antes de se chegar a vias de facto.
Para tal mudança de atitude terão contribuído as presenças de um novo produtor, John Coxon, responsável pela ascensão das Pooka, e de Harry Robinson, na qualidade de arranjador, alguém que no passado andou ligado aos já desparecidos Sandy Denny e Nick Drake. Ou então ter-se-á dado o caso de ele e ela se terem fartado do papel de meninos bonitos, o que, convenhamos, devia ser com certeza tarefa difícil. Mas, como os músicos não se medem pela fotogenia, o seu peso terá de ser aferido por outra escala de valores, embora no caso de Meat Loaf ou Frank Black esta norma não se aplique.
Thorn e Watt têm um passado. Ela fez parte dos Marine Girls e publicou a solo o álbum “A Distant Shore”, cujo título diz tudo quanto ao seu conteúdo. Watt, por seu lado, gravou, também sozinho, “North Marine Drive”. Foi a admiração de ambos pela vida marítima que os juntou. Watt também gravou, devido à semelhança dos apelidos, com Robert Wyatt. Há quem considere quaisquer destes discos feitos em solitário melhores do que qualquer um da dupla.
Enfim, nessa época metia-se os Everything But The Girl no mesmo saco que os Working Week, Sade Adu e Carmel, com o rótulo “British jazz revival”. O que no caso dos EBTG era talvez demasiado abusivo. É certo que o jazz, como já dissemos, e para não acharem que estou a desmentir-me, exercia um fascínio nestes dois jovens, mas nada que tivesse a ver com os paroxismos rítmicos dos Working Week, a sensualidade de Sade Adu ou o formalismo geométrico de Carmel. No caso dos EBTG, era tudo mais adocicado pelas subtilezas da bossa-nova, outra das influências óbvias do grupo.
A fama foi chegando aos poucos. Concertos no Ritz de Nova Iorque ou no Parque Gorky em Moscovo tornaram a banda célebre e a imprensa italiana, vejam lá, considerou Tracy a “dona da mais bela voz da pop britânica”. Uns exagerados estes italianos, sempre atrás das “donnas”, não se lembrando que existia uma “Madonna” que, ainda por cima, nessa altura cantava que era virgem. Bem, mas como alguém dizia, “Baby, The Stars Shine Bright”, os dois tornaram-se estrelas, por volta de 1988. Nesse álbum cresceram e foram para estúdio com uma orquestra.
Seguiram-se outros trabalhos, recebidos pela imprensa com alguma simpatia, mas raramente com entusiasmo: “The Language of Life”, “Worldwide” e a colectânea de sucessos “Home Movies”, que inclui dois inéditos produzidos por Phil Ramone. Sem esquecer um EP onde, já adultos compenetrados da função do artista, incluíram versões de canções de Tom Waits, Bruce Springsteen e Cindy Lauper.
E assim, sem fazerem grandes ondas nem operações plásticas, os Everything But The Girl chegaram a “Amplified Heart”, um álbum que levou a Radio One a considera-los “a melhor banda britânica que ainda não é fenomenalmente famosa”, o que talvez não seja um elogio por aí além. Seja como for, depois disso, até os Massive Attack convidaram Tracy para cantar com eles.
É este grupo, “ainda não fenomenalmente famoso”, em cujo início esteve uma versão de “Night and day” de Cole Porter, que os portugueses vão ver pela primeira vez. Com a dupla principal estarão o baterista Dave Mattacks, um ex-Fairport Convention e colaborador eventual dos Pere Ubu, e o contrabaixista Rob Braviner.
DIAS 6 E 7, CENTRO CULTURAL DE BELÉM, LISBOA
DIA 8, COLISEU DO PORTO.

Laurie Anderson, Sérgio Godinho, Bob Dylan – “Três Maneiras De Escrever Uma Canção”

cultura >> quarta-feira, 23.06.1993


Três Maneiras De Escrever Uma Canção

LAURIE ANDERSON e Sérgio Godinho asseguram a primeira parte do espectáculo de Bob Dylan a 10 de Julho no Coliseu do Porto e a 13 no Estádio do Restelo, em Lisboa. O concerto de Dylan no Coliseu do Porto contará apenas com a presença do autor do álbum “Tinta Permanente”. Uma dupla de “escritores de canções”, diferentes no estilo, juntos pela primeira vez para contarem as suas histórias de hoje e de sempre. Dylan, o mítico “cantor de protesto” dos anos 60, cuja mensagem cabou por ser “levada pelo vento” e que recentemente regressou às origens da música rural americana, no álbum “Good as I Been to You”; Sérgio Godinho, o cronista do quotidiano e dos sonhos da pequena e média burguesia portuguesas.
Mais amplo é o uso que Laurie Anderson faz das palavras. Servindo-se da electrónica como filtro transformador da voz e dos sons produzidos pelo próprio corpo, a poetisa, compositora, violinista e “performer” esculpiu os sinais e paisagens interiores das grandes metrópoles norte-americanas em álbuns como “Big Science”, “Home of the Brave”, “Strange Angels” ou a mega-antologia “United States”.

Chico Buarque de Holanda – “Chico Buarque Em Portugal – Geração Derrotada”

cultura >> quinta-feira >> 27.05.1993


Chico Buarque Em Portugal
Geração Derrotada


Chico Buarque regressa a Portugal e aos sons num novo espectáculo de “reconciliação com a música e o violão”. Canções novas, outras pouco conhecidas, a rodagem para um novo disco a editar no final do ano. A contrariar a imagem de um homem desiludido que fez parte de “uma geração derrotada”: “Nos anos 70 queria derrubar o Governo. Hoje não quero derrubar governo nenhum.”

Envergando uma camisola azul-escura de gola alta (dá a impressão que ultimamente apenas veste camisolas azuis de gola alta), olhar atento e penetrante, Francisco Buarque de Holanda, Chico Buarque, falou ontem em conferência de imprensa realizada na embaixada do Brasil sobre o seu novo espectáculo, com organização da Propalco, a apresentar em Portugal. Hoje À noite no Teatro São Luiz, só para convidados, com filmagem da SIC para posterior apresentação televisiva; dias 28 e 29, no Pavilhão Carlos Lopes, dia 3 de Junho em Aveiro, no Teatro Aveirense, e 4 e 5 de Junho no Coliseu do Porto. Todos às 22h.
“Mais ‘cool’, intimista – prometo não dançar – e apurado musicalmente” que o seu anterior “show”, “Frncisco”, é como o cantor e compositor brasileiro define a nova apresentação ao vivo, ultrapassada para já a faceta de escritor que lhe tomou toda a atenção durante os últimos meses. Do novo recital, como Chico Buarque prefere chamar-lhe, fazem parte quatro canções novas: as parcerias “Choro bandido”, com Edu Lobo, “Pianao na Mangueira”, com Tom Jobim, e “Outra noite”, escrita para a mini-série portuguesa “Procura-se”, ainda inédita, com Luís Cláudio Ramos, maestro e guitarrista do actual agrupamento, além de um novo arranjo para o tema “Pivete” (o puto da rua, no Brasil).
O resto será constituído por temas menos conhecidos do público aos quais se irão acrescentar novas composições, à medida que a digressão for decorrendo, para inclusão num próximo álbum a editar no final do ano. Completam a banda que acompanha Chico a Portugal o percussionista Chico Batera, o baterista Wilson das Neves, o baixista Jorge Hélder, o pianista João Rebouças e Marcelo Bernardes, nos sopros.
Chico Buarque, prestes a atingir os 50 anos de idade, está diferente. Joga futebol e distancia-se da política: “Aconteceu alguma coisa nova em política este ano no Brasil?” A ironia, percebe-se, tornou-se uma arma de dois gumes. Deixou de parte os temas mais politizados porque “há canções que ficam datadas, demasiado vinculadas a determinados momentos. Até podem voltar mais tarde, mas com uma referência histórica. Existe um hiato de tempo em que é melhor elas ficarem na geladeira”.
Canções “escritas na época mais dura da repressão brasileira, pela necessidade de contestar, mas que com o tempo se desgastam”. Depois, “a quantidade de problemas e de miséria é tão grande que chega a saturar. A canção, que pretendia tocar as pessoas, chamar-lhes a atenção, despertar emoções, tornou-se insuficiente. A realidade está ali gritante, na televisão e na rua, em toda a parte”.
Nota-se nas palavras o cansaço e a desilusão. Para o autor da “Ópera do Malandro”, “o papel político do artista tem muito menos peso hoje do que nos anos 70”. Aponta como exemplo as campanhas eleitorais em que “os artistas se fazem pagar para fazer propaganda política. Há dez anos, quando se queria insultar um artista dizia-se que tinha sido pago para fazer tal propaganda. Hoje já não é insulto mais uma coisa rotineira. Tudo ‘show business’”.
Sem querer fazer “juízos de valores”, Chico Buarwue diz que “são profissionais que, assim como anunciam uma geladeira ou um automóvel, também anunciam um candidato político”. “A opinião do artista”, acrescenta, “perdeu em termos de testemunho para se transformar num testemunho meramente comercial.”
Mas não se escusou a comentar problemas como a segregação dos brasileiros em Portugal (o cantor manifestou-se, inclusive, preocupado com a possibilidade de a sua filha ser impedida de desembarcar em Lisboa na próxima quinta-feira, por não trazer os documentos em ordem, estar sem dinheiro e não possuir visto de trabalho) – “resultante de uma ignorância que está um pouco disseminada por toda a parte” – ou o próximo acordo ortográfico: “Eu vou ter que mudar a minha escrita? [depois de algumas explicações] Ah, então para mim não muda nada, vocês é que vão ter que arranjar uma solução para o problema!…”
Por trás do sorriso ressalta, porém, a imagem do cidadão que viu desfazerem-se muitos dos seus sonhos. De alguém “com quase 50 anos” que “andou criticando muitas coisas que não se modificaram”. De Chico Buarque que um dia cantou “eu pergunto a você onde vai se esconder da enorme euforia” espanta ouvir dizer: “De certa forma pertenço a uma geração derrotada. Mas uma geração que se orgulha das suas derrotas, que sempre se manifestou contra o que está acontecendo hoje.”
Mas o tempo e o cansaço vão corroendo os ideais. Uma justificação: “O que muda é a atitude. Nos anos 70, se pudesse, eu derrubava o Governo. Hoje não quero derrubar governo nenhum.” E um conforto: “Continuo a ter uma reacção crítica em relação ao actual Governo, mas estou aqui na embaixada…”