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Paolo Conte – “Tournée”

pop rock >> quarta-feira >> 12.01.1994


Paolo Conte
Tournée
CGD, distri. Warner Music



Senhoras e senhoras, percam a vergonha, a sisudez e os preconceitos e ouçam para nunca mais parar a música de Paolo Conte. O inconfundível, incomparável e inclassificável Paolo Conte, o decadente, o trágico, o da voz tão rouca como o bagaço ou tão terna como um licor. O das varandas e ressacas ao nascer do Sol, dos sonhos de Hollywood sonhados numa viela sórdida abraçados a uma prostituta. “Tournée” apanha o cantor e compositor em grande forma, ao vivo em várias salas durante uma digressão pela Europa realizada entre 1991 e 1993. Estão aqui todas as marcas do seu génio, impressas nas vocalizações de “crooner” que canta em italiano, inglês e francês um mundo com a trama dramática de um filme de Fellini, nos arranjos para “big band” onde as memórias de Benny Goodman e Duke Ellington se cruzam com a cançoneta italiana, os blues, o “boogie woogie” ou simplesmente as canções de amor etilizado que de tão trôpegas inventam para si próprias um estilo inteiramente novo. Com a música de Paolo Conte só há duas hipóteses: ou não se conhece ou, conhecendo-se, fica-se para sempre preso ao seu fascínio. Tocante. (8)

Vários – “Figuras Portuguesas Do Ano – Leões Da Música 1993” (balanço)

pop rock >> quarta-feira, 29.12.1993
FIGURAS PORTUGUESAS DO ANO

Leões Da Música 1993




O troféu Leões da Música é uma iniciativa de um grupo de sócios do Sporting com lugar cativo no Estádio de Alvalade que, graças a este expediente, assistem à borla a todos os concertos que lá ocorrem. Apesar de estarem particularmente gratos a todas as estrelas internacionais que de algum modo financiam a sua equipa ao actuar em Alvalade, evitando os descalabros de tesouraria de outro clube da Segunda Circular, a dita associação decidiu neste ano atribuir o prémio a uma banda portuguesa que também actuou no seu estádio: os Sitiados. Não tanto por lá terem tocado no Portugal ao Vivo, mas em virtude de lançarem uma canção, incluída no seu último álbum “E Agora…”, em que asseguram aquilo de que mesmo os sócios leoninos mais entusiastas já começam a duvidar. Dizem eles que o Sporting vai ser campeão…

Iniciação Sexual 1993




Falando ainda no Portugal ao Vivo, importa desmentir os boatos vindos a público de que uma parte significativa da comitiva da Secretaria de Estado da Juventude que presenciou aquele evento teria riscado os Xutos & Pontapés da enorme lista das bandas que, em 1994, merecerão apoio governamental. O chamado “incidente sexual” ocorrido durante a prestação do tema “Sexo”, quando os Xutos chamaram ao palco um trio de “strippers” que fez questão em despir as roupinhas até às partes mais íntimas, foi, de facto, aplaudido de pé pelas individualidades que a testemunharam e que, segundo fontes fidedignas, terão mesmo adiantado que, agora, finalmente, têm uma boa razão para acompanhar os filhos aos concertos de rock português. Claro que a criação do galardão Iniciação Sexual por parte da revista “Rezar” não tem nada a ver com estas motivações.

Caves Aliança 1993




Desde o ano passado, surgiram bandas portuguesas a cantar em inglês que de novo se fala em conflitos de geração entre os músicos da nossa praça. Para que não acabe tudo à estalada, uma conhecida associação de pais do rock português criou um prémio especial para artistas de gerações diferentes que sejam capazes de se sentar a uma mesma mesa a comer um cozido à portuguesa ou mesmo um arroz à valenciana. O troféu, atribuído este ano pela primeira vez, vai parar às mãos de José Cid e Paulo Bragança, em virtude das afirmações proferidas pelo segundo a este jornal. Apesar de ter dito, sobre o primeiro, que se tratava de uma “burra velha” reconheceu também que, para o outro, era o filho que ele nunca tinha tido. O que não faz dele, necessariamente, um burro novo, mas é uma manifesta prova de ternura intergeracional.

Bacalhau 1993




“Bacalhau”, por extenso “Quero cheirar teu bacalhau”, é o nome de um galardão especialmente atribuído a artistas portugueses pelo grémio de estudiosos que se debruçam sobre os efeitos sociais e antropológicos do maior êxito de Quim Barreiros. O troféu, que em anos anteriores foi sempre secretamente confiado, na medida em que as distinções resultavam de episódios decorridos à meia luz no canto de bastidores, por trás de colunas de som, no banco traseiro de “limousines” ou simplesmente em Monsanto, é neste ano pela primeira vez objecto de grande divulgação pública. O feliz premiado é Vítor Gomes, “rocker” lendário da década de 60, que confiou a este diário um inesquecível episódio ocorrido no seu actual regresso aos palcos. Uma senhora da assistência, não conseguindo mais conter-se perante o “charme” amadurecido do ídolo, terá coberto o artista ajoelhado com a sua saia, deixando-o no escuro de microfone na mão e não sabendo o que fazer a seguir.

Boas Maneiras 1993




É um prémio da responsabilidade de um grupo de psiquiatras cristãos anónimos mas muito atentos a estas coisas da juventude e do rock. Preocupados, na sua costela cristã, com a imoralidade infecciosa que alastra entre os lusitanos sub-21, desde as bancadas dos estádios às manifestações estudantis (todos domindados pelo hino “P’ro C…”), mas compreendendo, pelo lado da sua costela psiquiátrica, a necessidade de os jovens exprimirem as suas ambições, ou seja, praguejarem, o núcleo em questão decidiu neste ano laurear uma banda estreante. Trata-se dos Lulu Blind, cujo álbum de estreia “Dread”, lançado há pouco mais de um mês, é por certo o disco que inclui o maior rol de palavrões de toda a história do rock nacional. Mas, aí está, as bujardas dos Lulu são proferidas em inglês – o que instantaneamente transforma o ordinário em “chic” -, ainda por cima sob um mar de distorção e ruído, o que contribui ainda mais para que o eventual conteúdo ofensivo se dilua. Uma aliança perfeita, portanto, entre a catarse juvenil e a boa educação.

Embaixatriz 1993




Todos os anos, um núcleo de verdadeiros lusitanistas, que por uma questão de perspectiva preferem viver no estrangeiro, elege o seu embaixador cultural. O prémio vai para artistas nacionais que apesar da resistência das multinacionais do disco e da indiferença das entidades giovernamentais, arriscam por conta própria manter vivo o bom nome de Portugal além-fronteiras. O troféu vai neste caso para Eugénia Melo e Castro, que, depois de Roberto Leal e do desaparecido Dino Meira, assumiu a sempre difícil e algo ingrata tarefa de propagar a arte de ser português no Brasil, sobretudo agora que as relações entre os dois países estão manchadas pelo acidente dos e outras manifestações de xenofobia nacional. Geninha chegou ao extremo da abnegação de lançar o álbum “Lisboa dentro de Mim – O Sentimento de Um Ocidental” primeiro no Brasil, e vejam a retribuição: apesar do monte de recortes elogiosos na imprensa de São Paulo e de outras cidades brasileiras, ainda houve jornalistas portugueses que tiveram o desplante de desfazer no disco e, por sinal, nas qualidades vocais da artista.

Vários – “Eleitos Do Ano 1993 – Nova Fórmula” (internacionais)

pop rock >> quarta-feira, 29.12.1993


ELEITOS DO ANO 1993 – NOVA FÓRMULA

De facto, a eleição dos melhores álbuns do ano 1993 segundo o Piop Rock é a mais científica de sempre. Escolhemos oito áreas: pop-rock português, pop-rock anglo-saxónico, reedições pop-rock, bandas sonoras, vídeos, world music, reggae e blues. Depois, fomos a todos os suplementos que editámos este ano e destacámos os discos com melhores classificações, distribuindo-os por tops segundo as referidas áreas. Uns tops são maiores do que outros, porque as áreas também não têm todas o mesmo valor.
Há conclusões interessantes a tirar, como, por exemplo, de que, enquanto se chegou facilmente a um “top” da “world” só com discos com o máximo de pontuação e não foi preciso descer a menos do que aos nove pontos na área pop-rock internacional, já na música portuguesa se teve de repescar discos com sete pontos, para se reunir uma dezena. Claro que, a seguir, fizemos uma certa batota, porque, se dez discos portugueses com oito pontos não havia, em contrapartida os que tiveram sete pontos seram mais de dez. Excluímos primeiro as compilações, depois os idoscos ao vivo, por fim, usámos critérios menos transparentes. Completas as listagens, concentrámo-nos na votação do disco do ano em cada uma das oito áreas. Após acesas discussões, algumas birras e muitas cedências mútuas – do tipo, eu voto no teu discoportuguês se tu votares no meu de “world” -, elegemos os melhores de 1993. E, por fim, já cansados, recomeçámos a escrever.
Mas era rigor laboratorial a mais, veleidades epistemológicas excessivas, estávamos À beira do colapso. Foi quando surgiram duas ideias para fugir ao trauma da cientificidade e restituir a este suplemento a sua verdadeira alma rock ‘n’ rol. Uma dessas ideias foi votar os artistas do ano, partindo do princípio que nesta área musical não são as boas acções, nem tão pouco os factos, que conferem prestígio, antes a escandaleira e os boatos. O que lerem aqui é assim uma mistura de realidade e fantasia, de genuína admiração e muita má língua. A outra odeia foi recapitular os melhores momentos dos concertos que houve em Portugal em 1993 e, a partir daí, elaborar um questionário, partindo também do princípio de que um espectácuklo rock ‘n’ rol fica na história não tanto pelo virtuosismo dos desempenhos, mas sobretudo pelos acidentes extra musicais.
Bom Ano Novo!
LUÍS MAIO, FERNANDO MAGALHÃES E JORGE DIAS

Troféus Imaginários, Mas Merecidos, Para Artistas De Sonho

AS FIGURAS INTERNACIONAIS DO ANO

Pinóquio 1993



Refutando perentoriamente toda a espécie de vis acusações que recaem sobre o autor de “Dangerous”, a Associação dos Amigos do Pinóquio (anónima, mas aparentemente subsidiada por uma multinacional, de um refrigerante concorrente da Pepsi) decidiu este ano atribuir por unanimidade o seu galardão maior a Michael Jackson. Trata-se, como é óbvio, de um acto simbólico, com que se pretende acentuar que a parte do corpo do artista que cresce quando está na companhia de menores não é a que ele costuma mais afagar durante os concertos (isto é verdade, alega ele). Tendo verificado que o mesmo sucedia com o focinho do Homem Elefante (daí ter licitado os despojos mortais da infeliz criatura) e o do seu chimpanzé (corre o boato, não confirmado, de se passar outro tanto com a sua amiga Liz Taylor), o mais famoso do clã Jackson teria então submetido o seu próprio órgão do olfacto a uma difícil operação de cirurgia estética e, a partir daí, ele passou a crescer ou a diminuir não por dizer verdades ou mentiras (ele pouco mais diz que “obrigado”), mas consoante as tenras companhias.

Batráquio 1993



Uma Liga de Amigos dos Animais, preocupada com a violência protagonizada por humanos praticantes de música eléctrica contra outros seres vivos – praga que cresce desde que o rock sinfónico caiu em desgraça -, acaba de criar o troféu Batráquio da Música. O prémio original destina-se a estimular a pacificação da cena musical pela metamorfoseação em sapos, encenada ou real, de estrelas de rock e amigos, numa inversão alegórica da fábula popular. Este ano, o galardão foi naturalmente arrecadado por Prince, que começou por rubricar uma digressão de Verão perguntando às suas plateias como é que se chamava (isto é verdade). O rumor que corre é de que o famoso génio minorca, depois de passar semanas a fio a imitar James Brown, George Clinton e Jimi Hendrix, acordou um dia sem saber quem era. Quando a sua corte de cinderelas lhe jurou que ele era Prince, não acreditou e pensou que o confundiam com um tal Victor, que também era imitador. Como as plateias não o convenceram do contrário, ele decidiu-se por esta ideia brilhante de publicar anúncios nos principais jornais do mundo à procura da mulher mais bonita do planeta. O raciocínio é o seguinte: quando ela o beijar pela primeira vez, e se ele for mesmo Prince, então ele transforma-se em batráquio.

Rainha GATT 1993




No contexto de uma nova estratégia dos serviços secretos dos Estados Unidos, delineada no tocante às negociações do GATT, superestrelas norte-americanas foram convidadas para executar certos trabalhinhos no estrangeiro. Os artistas mais insuspeitos foram recrutados, tendo Madonna, bem conhecida pela sua paixão pelo mundo latino – desde o hino hispânico “La Isla Bonita” à sedução do actor António Banderas -, sido indigitada para atacar na América do Sul. Muito descarada, mas não menos patriota, Louise Ciccone não se fez rogada e desferiu um rude golpe nas pretensões sul-americanas quando, em Outubro passado, actuou em San Juan, Porto Rico, e usou uma pequena bandeira desse país para, em palco, limpar o suor não apenas nos sovacos, mas também no peito e entre as pernas (isto é verdade). A proeza valeu-lhe instantaneamente o prémio de Rainha GATTT, nos Estados Unidos, mas toda a publicidade que daí resultou comprometeu novas missões similares. No Canadá, ainda conseguiu dizer “Fuck Toronto”, numa estação de rádio local (isto é verdade), mas já na Alemanha teve de anular um concerto, onde era seu propósito vexar os alemães protagonizando um número de lésbica vestida à Marlène Dietrich. Correm agora boatos insistentes de que os serviços secretos norte-americanos pretendem enviar Michael Jackson vestido de panda para rebaixar os chineses; e Garth Brooks disfarçado de Saddam para desmoralizar as tropas iraquianas.

Justine 1993




O prémio Justine distingue fêmeas proeminentes nso “tops” internacionais que tenham dado o passo decisivo e público de se auto-reavaliar numa óptica libidinal, eventualmente operando a transfiguração de sacos de batatas para “pin-ups” radicais. O troféu que em edições precedentes foi conquistado por artistas como Sheena Easton e Kylei Minogue, vai este ano, não sem alguma surpresa, para a última sensação “indie” que responde pelo nome de Polly Harvey. Apesar dos seus dois discos deste ano não evidenciarem melhoras de vulto no plano da moléstic amusical, Polly tomou gosto pela experiência de aparecer ainda pudicamente com as costas nuas, na capa de um New Musical Express do ano passado, e desembaraçou-se do visual da cara deslavada e cabelo oleoso, roupas de mendigo e botas cardadas, para ressurgir toda pintada e de óculos escuros, com nada mais do que um “top” e um calçãozito a tapar-lhe o recheio, qual mulher fatal com alcova por cenário (isto é verdade). Enquanto se espera pelo dueto escaldante desta “Belle de Jour” da distorção com Prince, já se anuncia a transformação de virtuosas em bombas sexuais – de Enya, Elisabeth Frazer e Kate Bush.

Benfeitor 1993




Embora não fosse a escolha mais óbvia, o prémio pela acção benemérita de origem rock ‘n’ rol acabou por ir parar, com toda a justiça, às mãos de Axl Rose. Isto porque o sempre vulnerável e sensível cantor dos Guns N’ Roses processou a sua ex-noiva, a modelo Stephanie Seymour, argumentando que a “fera” o violentou, tanto no foro mental quanto num plano emocional. Trocada por miúdos, na sequência de várias cenas de peixeirada, a reputada donzela pôs a circular uma foto sua com um olho negro, afirmando que a dita mazela resultava de um murro que Axl lhe aplicara no dia de Natal do ano passado, quando, segundo diz o cantor, foi ela que lhe atirou com uma peça de mobília. Pior do que isso, Stephanie recusou-se a devolver-lhe o anel de noivado e toda uma série de pechisbeque que lhe oferecera, conjunto estimado em qualquer coisa como cem mil libras. Tudo isto é, no entanto, irrelevante e o que ressalta deste infeliz melodrama é que Axl quer recuperar a quinquilharia para a vender e doar para fundos que revertem para centros de assistência a crianças violentadas (isto é verdade). Como ele, se calhar, por matulonas demau génio.

Anti-Sexista 1993




Enquanto a crítica britânica de literatura prosseguia um animado debate sobre o significado exacto do refrão “por ti fazia tudo, mas isso é que não”, recorrente no novo álbum “Bat out of Hell II”, o seu autor, Meatloaf, abria um centro de recuperação para marginais. Na foto (isto é verdade, ou seja, não é uma montagem), o benemérito artista exemplifica o suave método de reabilitação para tirar da vida duas jovens caídas em tentação, permitindo que elas mantenham o seu antigo visual e uniformes de trabalho numa casa de passe gótica, mas substituindo as actividades viciosas pelo inofensivo passatempo de montar em duas rodas (há uma certa inversão de posições que também é terapêutica). As chamas ao fundo são, naturalmente, mais uma metáfora requintada para a saída dos infernos em versão motorizada e a sua exegese teológica foi já encetada por um núcleo de estudiosos destas coisas.

Saias 1993




Apesar de estarem fartos de ser “grunge” e de todos os rótulos anexos, tais como “Novos Campeões da Barbárie”, “Sexistas sem Pausa” e “Misógenos de Seattle”, os Nirvana voltaram em 1993, para reciclar as mesmas fórmulas de combinação de punk e heavy metal em “In Utero”. Não conseguiram mudar o som, mas, em compensação, operaram uma subtil reforma do visual, trocando as camisas de flanela aos quadrados e as calças de ganga, rotas nos joelhos, por lindos e vaporosos vestidos folridos. A luminosa iniciativa dos Nirvana produziu instantaneamente uma nova tendência da moda, contagiando bandas tais que Afghan Whigs, Stone Temple Pilots e Smashing Pumpkins, nos Estados Unidos, e James, Maniac Street Preachers e Take That, em Inglaterra (isterdade). Também se diz que a revista feminina “Vogue” vai passar a ser para homem e vice-versa; e a “Elle” só não passa a “Lui”, porque esse é já o nome de uma revista “soft porno”. Entretanto, os fãs, inicialmente apanhados desprevenidos, não demoraram a assaltar os guarda-roupas de mães e irmãs, mas estão agora perante um grande dilema: se os seus heróis vestiram saias compridas no Outono, será que devem já rapar as pernas para usar mini-saia na Primavera?