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Frank Zappa – “Freak Out” + “Absolutely Free” + “We’re only in it for the Money” + “Cruising with Ruben and the Jets” + “Uncle Meat” + “Hot Rats” + “Waka/Jawaka” + “The Grand Wazoo” + “Over-Nite Sensation” + “One Size Fits All”

Pop Rock

12 Março 1997
reedições


Ratos Quentes


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Dos mais de 50 álbuns que constituem o legado discográfico de Frank Zappa (F.Z.), a solo ou com os Mothers of Invention, todos reeditados pela Rykodisc, com distribuição MVM, seleccionámos, segundo um critério assumidamente subjectivo, 10 obras que consideramos fundamentais, dos anos 60 e 70, correspondentes à fase de maior inspiração. De notar que em meados da década de 80 o próprio Zappa se encarregou de controlar o processo de remasterização e, nalguns casos, remistura da totalidade da sua discografia, tendo as presentes reedições obtido a sua aprovação.

Freak Out

Estreia dos Mothers of Invention, editada originalmente em 1966 num duplo álbum. A presente reedição foi remasterizada e remisturada por F.Z., em 1987. Em pleno movimento “flower power”, Zappa introduzia a nota de discordância nu discurso construído sobre a colagem, detritos de rock’n’roll e estilhaços de jazz. Inclui a “suite” “Help me, I’m a rock” e a paulada na cabeça dos “hippies” que é “Who are the brain police?” (9)

Absolutely Free

Mais experimental que o disco de estreia, “Absolutely Free” é o álbum comprovativo da influência seminal que os Mothers exerceram nas vanguardas da década de 70, em particular sobre dois dos seus baluartes, os Henry Cow, em Inglaterra, e os Faust, na Alemanha. O CD inclui dois temas extra que não figuram no original, em vinil, de 1967: “Bil leg Emma” e “Why don’tcha do me right?”. (8)

We’re only in it for the Money

Uma das obras-primas dos anos 60. Manifesto do contrapoder, com a sátira da capa a “Sgt. Pepper’s”, nunca antes o humor fora tão corrosivo nem a música tão inovadora. Em 1967, os “hippies” eram ridicularizados, o sistema feito em cacos e a revolução provocava gargalhadas. “The idiot bastard son”, “Flower punk”, “Take your clothes off when you dance”. As letras foram, na altura censuradas. “What’s the ugliest part of your body?” (“Qual é a parte mais feia do teu corpo?”). Resposta: “I know it’s your miiiinnnd!” (10)

Cruising with Ruben and the Jets

De 1968, remisturado por F.Z. em 1984. Paródia em torno da música para adolescentes, da “surf music” dos Beach Boys ao melaço das vocalizações “doo-wop” dos grupos dos anos 50. Canções de amor. Zappa era um romântico. O disco mais tradicionalista da carreira do músico que é, ao mesmo tempo, um dos mais subversivos. E uma delícia para os ouvidos. (8)

Uncle Meat

Editado em 1969 como banda sonora do filme com o mesmo nome. Remisturado por F.Z. em 1987, com reedição em CD duplo. O álbum de todos os experimentalismos e malabarismos. O serialismo e a música de câmara manipulados ao mesmo nível que o rock e a anedota. O segundo compacto contém mais de 30 minutos, para muitos massacrantes, de diálogos extraídos do filme, e a versão original de “King Kong”, com o violinista francês Jean-Luc Ponty, que posteriormente gravaria uma versão alargada do mesmo tema, num álbum com o seu nome. (8)

Hot Rats

Primeiro álbum a solo de Frank Zappa, gravado em 1969 e remisturado em 1987, para alguns, a sua obra-prima, é, sem dúvida, aquele que impõe o nome do músico como um dos “virtuoses” da guitarra. Aqui com as colaborações de Captain Beefheart e dos violinistas Jean-Luc Ponty e Don “Sugarcane” Harris. A presente reedição inclui informação adicional codificada, que pode ser lida nos sistemas Macintosh e Windows em qualquer computador com um “drive” de CD-ROM para leitura de CD áudio. (9)

Waka/Jawaka

Na mesma linha de “Hot Rats”, “Waka/Jawaka”, de 1972, inclui o longo tema com este nome, um novelo de “jazz” e de virtuosismo instrumental levado até ás suas consequências mais bizarras. Com uma secção de metais em que pontifica o trompete de Sal Marquez e as presenças de fabulosos executantes como Don Preston, George Duke e Aysnley Dunbar. (9)

The Grand Wazoo

Ainda de 1972, “The Grand Wazoo” aumenta ainda mais a complexidade e a importância de Frank Zappa como um dos maiores compositores do século XX. Uma “big band” que inclui os mesmos solistas do anterior “Waka/Jawaka”, aumentada por uma secção de madeiras e outra de percussões, recria e desmonta todos os estilos de música moderna, da popular à erudita. Um “monstro” de pormenores inesgotáveis que adquire novos sentidos em cada audição. (8)

Over-Nite Sensation


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Quando ouvimos pela primeira vez, rimos a bandeiras despegadas. É o álbum que mais directamente apela aos jogos de humor e ao absurdo de situações desopilantes que retratam os Estados Unidos da estupidez. Das palavras às construções musicais, só por si, desopilantes, é um murro nas convenções e umas cócegas na inteligência. “Camarillo brillo”, “Dirty Love”, “Montana”. Um monumento ao génio. A presente reedição, ao contrário da anterior, separa este disco de “Apostrophe”. (9)

One Size Fits all

Nas entrelinhas do título esconde-se a obscenidade como forma de arte. Em 1975, Frank Zappa manipulava como queria o seu universo musical multifacetado, mas, por esta altura, já com contornos perfeitamente codificados. O “establishment”, que sempre combateu, começava a aceitá-lo. F.Z. ganhava o estatuto de compositor excêntrico e os próprios “tops” se preparavam para acolher a graça das suas dissidências. “One Size Fits all” é um típico disco de fusão, com doses cuidadosamente equilibras de humor e virtuosismo instrumental (com a presença do “blueman” Johnny “Guitar” Watson, onde, pela primeira vez, “edits” de estúdio e ao vivo são colados numa mesma canção. Estratégia que viria a ser utilizada em vários álbuns seguintes. (8)



“A Bolha De Sabão” – Artigo De Opinião

Pop Rock

26 Fevereiro 1997
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A BOLHA DE SABÃO

Uma bolha de sabão, quando rebenta, faz “pop”. Não conseguiremos encontrar mais nenhum tipo de consistência e permanência na música que também faz “pop”. Ela é, por essência, mesmo assim. Subsiste enquanto perdura uma imagem, uma moda, uma tendência. Afinal, ela não existe sem uma indústria a suportá-la. E a indústria não defende a arte, fabrica produtos para venda. A sua finalidade não é criar obras-primas, mas facturar cifrões.
Não interessa promover o que perdura. O objectivo é manter uma dinâmica de consumo, de manutenção de uma estética do efémero, em que as músicas se canibalizam mutuamente, sobrevivendo enquanto sobrevive o gosto e a apetência das massas, num período de tempo limitado e pré-determinado pela indústria.
Os “media” obedecem, por seu lado, às imposições do “timing” das editoras. A procura, por vezes desesperada, da “next big thing” disfarça o vazio que habita na maior parte das “novas” propostas avançadas pelos “novos” artistas. É a pescadinha do rabo na boca, o apagamento da história. Ou a sua reescrita à luz de interesses políticos e comerciais específicos, como no “1984” de Orwell.
Sabe-se que é assim, mas alinha-se no jogo. Na pop nada de novo foi dito depois dos Beatles, depois dos Beach Boys, depois dos Kinks ou, pelo contrário, a ruptura com o passado é condição necessária para que a ilusão persista? É verdade que, com a proximidade do final do século, o tempo se comprime e todas as épocas parecem próximas e disponíveis para reciclagem. Fenómenos de grupos como os Oasis ou Kula Shaker são sintomáticos da autofagia que predomina nos lugares cimeiros dos “tops”.
Mudaram os meios de produção e difusão, aumentaram a velocidade e a quantidade, isso é um facto. A música e os músicos pop são os mais narcisistas do mundo. Toda a gente se vê no espelho de toda a gente. David Thomas, dos Pere Ubu, disse uma vez, numa entrevista, que existe, actualmente, “música a mais”. Somos invadidos por sons que mais não são do que a mera tecnologia e conceitos de produção a camuflar a falta de talento. Os Kraftwerk, ao menos, não esconderam o jogo, tirando o máximo partido da mentira.
É verdade que existiu ao longo das últimas quatro décadas uma corrente subterrânea que soube aproveitar continuar e desestruturar as lições da história. Uma linhagem de “outsiders” que sempre se esteve nas tintas para fazer coincidir a sua música com os lugares-comuns das respectivas épocas. Dos anos 60 até hoje. Dos Velvet Underground, Captain Beefheart e Mothers of Invention aos Soft Machine, Henry Cow, Can, Magma e Faust. Dos Art Bears aos Art Zoyd. De Ron Geesin a Brian Eno. De Holger Czukay a Holger Hiller. De Anthony Moore a Barry Adamson. Dos Cluster e Neu! aos Trans AM e Tortoise.
Entre o Céu e o Inferno, a distância é a que separa os ouvidos de quem ouve e de quem faz. Qual é melhor, “Sgt. Pepper Lonely Heart’s Club Band”, dos Beatles, ou “We’re only in it for the Money”, uma sátira, incluindo a capa, ao primeiro, de Frank Zappa com os Mothers Of Invention? Ambos ficaram para a história como marcos, mas pelos motivos opostos. Os Beatles, porque conseguiram fazer a síntese perfeita de uma época, juntando o génio da inspiração e a percepção da sensibilidade do final da década a tudo o que os meios de produção tinham para oferecer, em 1967. Os Mothers, exactamente no mesmo ano, porque souberam usar em seu proveito esses mesmos meios (da tecnologia à vampirização do imaginário colectivo), manipulando e ridicularizando a seu bel-prazer, com o mesmo génio e uma descomunal dose de cinismo, quer a indústria, quer o público “mainstream”.
Na verdade, a bolha de sabão, ao rebentar, não faz barulho nenhum.