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Suzanne Vega – “A Autora De ‘Luka’ Canta Hoje Em Cascais E Amanhã No Porto – Os Encantos Da Casta Suzanne” (concerros | antevisão | artigo de opinião)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 7 DEZEMBRO 1990 >> Cultura


A autora de “Luka” canta hoje em Cascais e amanhã no Porto

Os encantos da casta Suzanne


Suzanne Vega canta hoje à noite no Pavilhão de Cascais e amanhã no Coliseu do Porto. O PÚBLICO foi ouvi-la a Madrid e antecipa o que pode suceder nos concertos portugueses da cantora nova-iorquina. Os madrilenos gostaram muito.



Suzanne Vega entusiasmou os cerca de dois mil que se deslocaram, quarta-feira, a uma discoteca erguida num cenário de Disneylândia durante pouco mais de uma hora. Na voz da cantora, Nova Iorque pareceu uma cidade onde apetece sonhar.
Para falar verdade, nem sequer foi em Madrid, mas sim no Parque Sur, local de diversão, uma espécie de Disneylândia, situado a sul da capital. O concerto propriamente dito realizou-se numa discoteca algures no interior do Centro Comerical do Parque, a Universal Sur. “Madrid es Universal”, explicavam os dizeres impressos nas “t-shirts” da organização, tentando compensar, com o trocadilho, o desinteresse a que o acontecimento foi votado, na capital. Em Madrid, nenhuma excitação. Nem um cartaz.
Steve Rooker era o nome agendado para a primeira parte (e não Peter Blegvad como se espera que aconteça, hoje à noite, no Pavilhão de Cascais e, amanhã, no Coliseu do Porto), que afinal não tocou. Ninguém deu pela falta, entretidos que estavam todos a acompanhar, num ecrã gigante instalado no local, a transmissão direta do encontro de futebol Barcelona-Real Madrid. Ganhou o “Real” por um a zero e Suzanne teve de esperar.
O ambiente da “Universal” ia-se compondo e aquecendo gradualmente. Enquanto o espetáculo não começava, cada um fazia o que podia para dar nas vistas, com a discoteca transformada em “passerelle”. Eles, maioritariamente de jeans e blusão de cabedal ou kispo “Michelin”. Elas, de casaco comprido de pele, (des)cobrindo saias quase inexistentes. Tudo farpelas impecáveis, com ar de terem sido acabadas de comprar no “Corte Inglês” ou nos “Preciados”. Entre a Madrid Universal e o que se espera para Lisboa e Porto, interpõe-se a Europa e a sobranceria da peseta…
Contrastando com a ousadia das “chicas”, Suzanne Vega surgiu em palco envergando um vestido de grávida, ar casto e a pose “Bon Chic Bon Genre” que a caracteriza. “Atacou” em força com dois temas do recente “Days of Open Hand”, “Dust in the Pipeline” e “Tired of Sleeping”, num registo mais duro do que no disco. Pausa para cumprimentar o público, com o “Olá Espanha” da praxe. Quando mencionou a sua proveniência nova-iorquina todos aplaudiram, mostrando, uma vez mais, até que ponto são exigentes “nuestros hermanos”.
Não foi preciso muito tempo até a assistência se render sem condições, acompanhando com palmas cada canção, uma delas cantada por Suzanne Vega sem qualquer apoio instrumental, como que querendo demonstrar por que motivo é hoje considerada uma das melhores vozes da música popular americana, pesem embora, na ocasião, as deficiências do som e a pobreza de um show de luzes limitado aos triviais focos coloridos.
Se Suzanne Vega consegue cativar, não é decerto pelo lado do espetáculo, mas somente pela comunicação que a sua voz consegue estabelecer e pela excelência das canções. Confinando o jogo cénico a um tímido bailado sobre o palco, as atenções concentram-se no rosto pálido e no corpo franzino, presas às entoações encantatórias da voz. A autora de “Luka” sabe como criar uma atmosfera intimista, não fazendo jus ao apelido de estrela, apelando ao invés à participação da assistência.


Sem sombra de pecado

Ao referir-se a Nova Iorque como cidade emblemática do medo e da violência, Suzanne fez um sorriso suave e afirma que é isso que a excita. Cultiva, por outro lado, a aparência frágil e a pose cândida que a tornam como que a emanação angelical do caos urbano. Nela, temas ou palavras mais duras ganham uma carga poética e uma consistência quase irreal; como se toda a violência do mundo pudesse ser vencida, por força do cantar.
Conquistando o público, só faltava o golpe final traduzido na sequência final, com “Luka”, “Solitude Standing”, “Book of Dreams” e “Men in a War”. Voltou ao palco para dois “encores”, num deles cantando de novo sem o resto da banda, em contraponto com uma frase rítmica, marcada (no tempo certo) por todos os presentes, em coro.
A Madrid Universal despediu-se da cantora, em apoteose. Se bem conhecemos o calor e o comportamento habitual das audiências portuguesas, é caso para acreditar que por cá vai ser ainda melhor. “Seguramente”…

Suzanne Vega – “Vega, A Estrela De Natal” (concertos | antevisão | artigo de opinião)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 7 DEZEMBRO 1990 >> Fim De Semana >> Concerto


VEGA, A ESTRELA DE NATAL

É de Suzanne a voz da estrela Vega. Quente e suave, ardendo calmamente no íntimo de quem por ela se deixa guiar. Gravou até à data três álbuns, mas tem já reservado um espaço só para si na Estrada de Santiago que une o coração aos sons.



Nasceu, em termos artísticos, no seio da cena folk da Costa Leste americana. Cedo se fez notar, pelo inusitado do timbre vocal, bem como por uma escolha criteriosa e personalizada do reportório – canções intimistas, mágicas, esboços surrealizantes, em certos momentos contrariados pelo registo brutal da realidade concreta, como em “Luka”, do álbum “Solitude Standing”, na qual narra, em tom dorido, os maus tratos paternais infligidos a uma criança.


A idade adulta

Do disco estreia, “Suzanne Vega”, as multidões fizeram seus os temas “Marlene on the Wall” e “Small Blue Thing”, presas às juvenis e jubilosas entoações da então estreante de olhar inocente e assustado, receosa das armadilhas que o mundo arma, atónita perante o retumbante sucesso que logrou alcançar.
“Solitude Standing” assinala a entrada na “idade adulta”, através de uma maior contenção acompanhada de um mergulho nas imensidões interiores. O seu universo passou a reger-se por outras coordenadas, segundo lógicas menos lineares a que se acede somente por estradas labirínticas. Excetuando “Luka”, as canções de “Solitude Standing” organizam-se, de forma coerente, em volta de núcleos temáticos menos óbvios, aos quais a complexidade dos arranjos acrescenta uma maior riqueza instrumental.
Se “Solitude Standing” é o álbum da maturidade, o seguinte “Days of Open Hand” aprofunda ainda mais a faceta intimista, povoada de sombras e cintilações misteriosas do universo musical da cantora, liberta por fim, na exploração metódica das suas próprias fantasias. Temas ainda ligados à miséria do mundo, cantados por palavras que, sem fazer muita força, põem o dedo em algumas das suas feridas (casos de “Men in a War” e “Fifty-fifty chance”), são exceção, num leque caleidoscópico de emoções permeáveis aos exotismos trazidos para a sua música pela mão de Glen Velez, Richard Horowitz, Michael Blair e Philip Glass.

Excentricidade britânica

Convém chegar ao Dramático a tempo e horas de assistir à primeira parte do concerto, preenchida pela atuação de Peter Blegvad, excêntrico genial, que decerto irá fazer das suas. Não é por enquanto, pelo menos entre nós, um nome muito conhecido. Injustamente, diga-se, tendo em conta a excelência do álbum mais recente, “King Strut and Other Stories”, o primeiro distribuído em quantidades aceitáveis, no nosso país. Aqueles, no entanto, que vêm acompanhando de perto o seu percurso, desde os anos já longínquos dos Slapp Happy (ao lado de Dagmar Krause e Anthony Moore, precursores na atitude e na abordagem melódica da dupla Devine & Statton), e das aventuras experimentalistas no seio dos germânicos Faust, até ao rock escorreito dos Golden Palominos, sabem que assinou entretanto obras bem mais importantes, merecedoras de todos os encómios.
“The Naked Shakespeare”, produzido por esse outro louco que dá pelo nome de Andy Partridge e, sobretudo, “Downtime”, gravado para a Recommended Records, na companhia de músicos dos Pere Ubu, são exemplos lapidares da arte de compor ótimas canções, à margem dos esquemas habituais e habitadas por um humor cáustico e surrealista, capaz de as transformar em exercícios brilhantes de sabotagem aos lugares-comuns da pop. Se em “King Strut” se acalma diante do horizonte à vista que é Bob Dylan, nos citados discos torna-se referência principal a típica excentricidade britânica, na Inglaterra genialmente personificada pelos grupos de Canterbury, nos finais dos anos 60.
Suzanne Vega e Peter Blegvad formam uma combinação que promete. Veremos se o gigantismo e a frieza da sala serão suficientes para apagar o fogo que ambos são capazes de atear, na qualidade de astros de primeira grandeza, que, embora pertencentes a constalações diferentes, se equivalem na intensidade do brilho.

CASCAIS Pavilhão do Dramático de Cascais, 6ª, 7, às 21h30
PORTO Coliseu do Porto, sáb., 8, às 21h30.

Suzanne Vega – “Days Of Open Hand”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 2 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Pop

FEITIÇO


SUZANNE VEGA
Days Of Open Hand
LP e CD A&M, Warner Bros, edição Polygram



Vega é nome de estrela. “Fria” e cintilante como a voz de Suzanne, possuidora da estranha capacidade de nos prender nos confins do seu firmamento. Voz que lentamente se insinua e vai escorrendo pela alma adentro, aos poucos revelando recessos desconhecidos, inundando de luz o que antes era escuridão, como uma brisa fluindo por entre neblina e céus azuis. As canções de “Days of Open Hand” são leves como pólen, suaves e difusas como nuvens, transparentes, límpidas e com a cor de bolhas de sabão. Canções que não compreendemos mas sentimos, “Between the pen and the paperwork, I know there’s a passion in the language, between the muscle and the brain work, there must be feeling in the pipeline” (“Big Space”). Afastando-se de alguns terrenos mais concretos, como os da denúncia social, exemplificados no célebre “Luka” do anterior álbum, “Solitude Standing”, Suzanne Vega opta, neste seu novo trabalho, por uma abordagem mais difusa, entrecruzando sentimentos e pensamentos num “puzzle” de sons e palavras, apontando para múltiplas direções e tecendo uma complexa rede de formas e sentidos, como as de um caleidoscópio girando nas mãos de uma criança. O disco permanece, de ponta a ponta, fiel a um ambiente de mistério e serenidade, que nem as palavras mais fortes, de temas como “Men in a War” ou “Fifty-Fifty Chance”, conseguem quebrar. Suzanne esconde, ao mesmo tempo que revela, as suas preocupações e sonhos, em canções que se esvaem em vapores inebriantes, agarrando-nos por onde é mais difícil fazê-lo: por dentro, sem reservas e, por vezes, sem sequer nos darmos conta do feitiço. Para a construção de tal clima contribuíram, em grande parte, a produção da própria Vega, em conjunto com Anton Sanko, o homem das teclas e dos computadores, e a escolha criteriosa de um naipe de músicos, do qual sobressaem os nomes de Michael Blair, percussionista habitualmente ligado às experiências de fusão nova-iorquinas, Glen Velez e Richard Horowitz, respetivamente nos tambores e na flauta egípcia (no tema “Room Of The Street”) e John Linnell, dos They Might Be Giants, que toca acordeão no tema de abertura “Tired Of Sleeping”. Philip Glass, que, a par de Michael Nyman, parece apostado em investir em força no negócio da música pop, mil vezes mais rentável que o das óperas, assina os arranjos das cordas em “Fifty-Fifty Chance”, ajudado de perto pelo inevitável Kurt Munkacsi. Estes e mais uma mão-cheia de músicos, presentes na sessão, influíram decisivamente, de forma discreta mas incisiva, no resultado final de “Days Of Open Hand”, terceiro e, até agora, melhor disco da cantora. Uma palavra final para a capa, um belíssimo arranjo gráfico de uma fotografia de Suzanne, que talvez nunca tenha tocado no famoso clube CBGB, mas que, desde agora, se integra em definitivo como membro de pleno direito no não menos disputado BCBG, “Bom Chic Bom Genre”.