Suzanne Vega – “Vega, A Estrela De Natal” (concertos | antevisão | artigo de opinião)

PÚBLICO SEXTA-FEIRA, 7 DEZEMBRO 1990 >> Fim De Semana >> Concerto


VEGA, A ESTRELA DE NATAL

É de Suzanne a voz da estrela Vega. Quente e suave, ardendo calmamente no íntimo de quem por ela se deixa guiar. Gravou até à data três álbuns, mas tem já reservado um espaço só para si na Estrada de Santiago que une o coração aos sons.



Nasceu, em termos artísticos, no seio da cena folk da Costa Leste americana. Cedo se fez notar, pelo inusitado do timbre vocal, bem como por uma escolha criteriosa e personalizada do reportório – canções intimistas, mágicas, esboços surrealizantes, em certos momentos contrariados pelo registo brutal da realidade concreta, como em “Luka”, do álbum “Solitude Standing”, na qual narra, em tom dorido, os maus tratos paternais infligidos a uma criança.


A idade adulta

Do disco estreia, “Suzanne Vega”, as multidões fizeram seus os temas “Marlene on the Wall” e “Small Blue Thing”, presas às juvenis e jubilosas entoações da então estreante de olhar inocente e assustado, receosa das armadilhas que o mundo arma, atónita perante o retumbante sucesso que logrou alcançar.
“Solitude Standing” assinala a entrada na “idade adulta”, através de uma maior contenção acompanhada de um mergulho nas imensidões interiores. O seu universo passou a reger-se por outras coordenadas, segundo lógicas menos lineares a que se acede somente por estradas labirínticas. Excetuando “Luka”, as canções de “Solitude Standing” organizam-se, de forma coerente, em volta de núcleos temáticos menos óbvios, aos quais a complexidade dos arranjos acrescenta uma maior riqueza instrumental.
Se “Solitude Standing” é o álbum da maturidade, o seguinte “Days of Open Hand” aprofunda ainda mais a faceta intimista, povoada de sombras e cintilações misteriosas do universo musical da cantora, liberta por fim, na exploração metódica das suas próprias fantasias. Temas ainda ligados à miséria do mundo, cantados por palavras que, sem fazer muita força, põem o dedo em algumas das suas feridas (casos de “Men in a War” e “Fifty-fifty chance”), são exceção, num leque caleidoscópico de emoções permeáveis aos exotismos trazidos para a sua música pela mão de Glen Velez, Richard Horowitz, Michael Blair e Philip Glass.

Excentricidade britânica

Convém chegar ao Dramático a tempo e horas de assistir à primeira parte do concerto, preenchida pela atuação de Peter Blegvad, excêntrico genial, que decerto irá fazer das suas. Não é por enquanto, pelo menos entre nós, um nome muito conhecido. Injustamente, diga-se, tendo em conta a excelência do álbum mais recente, “King Strut and Other Stories”, o primeiro distribuído em quantidades aceitáveis, no nosso país. Aqueles, no entanto, que vêm acompanhando de perto o seu percurso, desde os anos já longínquos dos Slapp Happy (ao lado de Dagmar Krause e Anthony Moore, precursores na atitude e na abordagem melódica da dupla Devine & Statton), e das aventuras experimentalistas no seio dos germânicos Faust, até ao rock escorreito dos Golden Palominos, sabem que assinou entretanto obras bem mais importantes, merecedoras de todos os encómios.
“The Naked Shakespeare”, produzido por esse outro louco que dá pelo nome de Andy Partridge e, sobretudo, “Downtime”, gravado para a Recommended Records, na companhia de músicos dos Pere Ubu, são exemplos lapidares da arte de compor ótimas canções, à margem dos esquemas habituais e habitadas por um humor cáustico e surrealista, capaz de as transformar em exercícios brilhantes de sabotagem aos lugares-comuns da pop. Se em “King Strut” se acalma diante do horizonte à vista que é Bob Dylan, nos citados discos torna-se referência principal a típica excentricidade britânica, na Inglaterra genialmente personificada pelos grupos de Canterbury, nos finais dos anos 60.
Suzanne Vega e Peter Blegvad formam uma combinação que promete. Veremos se o gigantismo e a frieza da sala serão suficientes para apagar o fogo que ambos são capazes de atear, na qualidade de astros de primeira grandeza, que, embora pertencentes a constalações diferentes, se equivalem na intensidade do brilho.

CASCAIS Pavilhão do Dramático de Cascais, 6ª, 7, às 21h30
PORTO Coliseu do Porto, sáb., 8, às 21h30.

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