PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 2 MAIO 1990 >> Videodiscos >> Pop
FEITIÇO
SUZANNE VEGA
Days Of Open Hand
LP e CD A&M, Warner Bros, edição Polygram
Vega é nome de estrela. “Fria” e cintilante como a voz de Suzanne, possuidora da estranha capacidade de nos prender nos confins do seu firmamento. Voz que lentamente se insinua e vai escorrendo pela alma adentro, aos poucos revelando recessos desconhecidos, inundando de luz o que antes era escuridão, como uma brisa fluindo por entre neblina e céus azuis. As canções de “Days of Open Hand” são leves como pólen, suaves e difusas como nuvens, transparentes, límpidas e com a cor de bolhas de sabão. Canções que não compreendemos mas sentimos, “Between the pen and the paperwork, I know there’s a passion in the language, between the muscle and the brain work, there must be feeling in the pipeline” (“Big Space”). Afastando-se de alguns terrenos mais concretos, como os da denúncia social, exemplificados no célebre “Luka” do anterior álbum, “Solitude Standing”, Suzanne Vega opta, neste seu novo trabalho, por uma abordagem mais difusa, entrecruzando sentimentos e pensamentos num “puzzle” de sons e palavras, apontando para múltiplas direções e tecendo uma complexa rede de formas e sentidos, como as de um caleidoscópio girando nas mãos de uma criança. O disco permanece, de ponta a ponta, fiel a um ambiente de mistério e serenidade, que nem as palavras mais fortes, de temas como “Men in a War” ou “Fifty-Fifty Chance”, conseguem quebrar. Suzanne esconde, ao mesmo tempo que revela, as suas preocupações e sonhos, em canções que se esvaem em vapores inebriantes, agarrando-nos por onde é mais difícil fazê-lo: por dentro, sem reservas e, por vezes, sem sequer nos darmos conta do feitiço. Para a construção de tal clima contribuíram, em grande parte, a produção da própria Vega, em conjunto com Anton Sanko, o homem das teclas e dos computadores, e a escolha criteriosa de um naipe de músicos, do qual sobressaem os nomes de Michael Blair, percussionista habitualmente ligado às experiências de fusão nova-iorquinas, Glen Velez e Richard Horowitz, respetivamente nos tambores e na flauta egípcia (no tema “Room Of The Street”) e John Linnell, dos They Might Be Giants, que toca acordeão no tema de abertura “Tired Of Sleeping”. Philip Glass, que, a par de Michael Nyman, parece apostado em investir em força no negócio da música pop, mil vezes mais rentável que o das óperas, assina os arranjos das cordas em “Fifty-Fifty Chance”, ajudado de perto pelo inevitável Kurt Munkacsi. Estes e mais uma mão-cheia de músicos, presentes na sessão, influíram decisivamente, de forma discreta mas incisiva, no resultado final de “Days Of Open Hand”, terceiro e, até agora, melhor disco da cantora. Uma palavra final para a capa, um belíssimo arranjo gráfico de uma fotografia de Suzanne, que talvez nunca tenha tocado no famoso clube CBGB, mas que, desde agora, se integra em definitivo como membro de pleno direito no não menos disputado BCBG, “Bom Chic Bom Genre”.