Pogues – “Waiting For Herb”

pop rock >> quarta-feira, 15.09.1993
ÁLBUNS POP ROCK


Pogues
Waiting For Herb
Warner Bros., distri. Warner Music



Nos tempos do desdentado alcoólico, Shane MacGowan, a música dos Pogues era na verdade digna de ser chamada “punk folk”. Música para se ouvir de copo de cerveja ou de “whiskey” na mão, melodias cambaleantes e estimulantes que contavam a vida dura das classes menos favorecidas na Irlanda, a que o álcool acrescentava uma dose extra de dramatismo. Mas Shane saiu e os Pogues transformaram-se num grupinho de meninos bem comportados, ou quase. Um dos seus membros, Tery Woods, é um veterano da folk inglesa e foi um dos fundadores dos Steeleye Span. Michael Brook, vejam lá, pegou nos cordéis da produção e não se coibiu de aveludar ainda mais uma série de temas com a sua “infinite guitar”. O resultado é um álbum bem mais produzido e agradável que os anteriores da banda. Pelo caminho ficaram a energia, o entusiasmo e a desbunda dos bons velhos tempos, substituídos por canções que deslizam pelo ouvido sem deixar vestígios no coração e muito menos no fígado. Tal qual uma cerveja sem álcool. (6)

Jorge Palma – “Jorge Palma – Em Público / M”

pop rock >> quarta-feira, 15.09.1993


JORGE PALMA *
EM PÚBLICO
M


– Viajante das músicas, de lugares, de si próprio. Aceita a definição?
Viajante um bocado forçado, neste momento… Um gajo vai arrecadando coisas e às tantas dá por si com coisas a mais, uma tralha que nunca mais acaba!
– No princípio não era assim…
No princípio era um saco e chegava… mas um gajo vai arrecadando coisas… responsabilidades… o espírito do viajante, porém, feliz ou infelizmente, não morre e um gajo vê-se perante uma imagem de si próprio que não é a ideal. Às tantas, com as responsabilidades, dá por si a dizer: “Mas eu não posso viajar assim!”
– Quer dizer que era um nómada e que agora se viu forçado a ser sedentário?
É isso. E não posso ignorar factos concretos como por exemplo o meu puto. Neste momento seria um disparate, na minha maneira de ver… Não posso ir para África ou para outro sítio qualquer e levá-lo comigo. O gajo precisa de estar na escola e criar raízes e amigos…
– Não quer que saia ao pai, é isso?
[Risos]. Não me importava que saísse a mim, mas eu sou um sobrevivente, fiz toda a espécie de asneiras e sobrevivi! Mas como é que eu posso fazer em relação ao meu puto? Tento protege-lo, quero que ele seja feliz… Mas como é que um gajo como eu lhe diz para fazer isto ou aquilo? Ele já me responde: “Então e tu?”
– Disse que sobreviveu. Sobre “o fio da navalha”, utilizando a expressão de Somerset Maugham?
Sim, confesso que tenho lá o livro mas ainda não o li, como muitos outros… É o “living on the edge”. Conheces o vídeo dos Metallica? O gajo está a tocar guitarra em cima de uma linha de comboio, no momento preciso em que o comboio vai passar, o gajo dá um único passo em frente e sai fora da linha. O comboio passa e continua tudo na mesma, ninguém deu por nada. Isso é “timing” que eu acho que tenho tido…
– Nessa vida de viagens que levou, lembra-se de uma que o tenha marcado, pela positiva ou pela negativa?
Tenho saudades de uma viagem em que vim à boleia da Dinamarca. Comecei com um gajo sueco que tocava contrabaixo comigo. O gajo desistiu ao fim de uma hora, foi apanhar o comboio. Viajar com um contrabaixo é complicado… Fiz duas vezes essa viagem. Na primeira cheguei onde queria, uma aldeia onde vivia a namorada do meu bandolim. Cheguei de Alfa-Romeo, com o número de telefone da última senhora que me tinha dado boleia e por quem eu estava apaixonado. Devorámos o supermercado lá da terra, que era dos pais da namorada do meu amigo. Da outra vez demorei três dias para atravessar a Alemanha. Foi na altura dos Bader-Meinhoff, dormi na auto-estrada, sem saco-cama, sem nada, com a guitarra ao lado, à chuva e a ouvir tiros. Disse para comigo: “O melhor é não me mexer daqui!” Acordei, sozinho, ao fim de quatro ou cinco horas de sono, e pensei: “Estou vivo. Agora, o melhor é ir pela Bélgica [risos]. O que é que paga isto, pá?”
– A propósito de viagens, de uma vez por todas, o seu álbum “Viagens na Palma da Mão” é ou não uma referência explícita ao ácido?
Coincide. Eu andava no segundo ano de Engenharia, na Faculdade de Ciências e a coisa foi perdendo o interesse, completamente. Cada vez mais e mais estava envolvido em esquemas de orquestrações e comecei a ganhar dinheiro com a música. Era puto, tinha 22 anos, e quando arranjava coragem para ir às aulas práticas (às teóricas não era preciso!), havia greves e confusões, o pessoal aos gritos a insultar os professores. Por isso, “ciao”, acabou.
Fui para a Dinamarca e, altamente influenciado pelo rock sinfónico dos Genesis, Van Der Graaf, Yes, Soft Machine, fui ter com um gajo com quem tinha tentado encenar “Godspell” em Portugal, que tinha uma casa enorme e um piano de cauda onde eu construí esse primeiro álbum. Fi-lo em inglês porque não sabia quando voltaria para Portugal e estava com uma “fitada” em Inglaterra. Depois, deu-se o 25 de Abril. Hesitei, voltei para Portugal. E quando volto gravo o primeiro álbum – “Viagem na Palma da Mão”. Antes do ácido. O ácido vem depois. Nessa altura era ópio e haxixe. Na Dinamarca tinha-se de tudo…
– O ácido, o ópio e o haxixe influenciaram a sua música?
O que é que eu teria sido se não fosse isso tudo? Era de certeza diferente, se calhar era um gajo muito mais atinado. Mais pontual, por exemplo…
É uma questão de espírito – tu sabes que existe aquilo e queres experimentar e tem sido sempre esta a minha abordagem das coisas. Mas há coisas em que um gajo fica “agarrado”. Os copos, os cigarros… O xutos, a heroína…
– Conseguiu livrar-se facilmente disso?
Foi relativamente fácil. Apesar de ter havido um ano em que “enfiei” de tudo, acho que não estava vocacionado para ali, não era o que me interessava. Mantive um distanciamento, apesar de saber que há aqui um problema… um gajo tem que se alienar um bocado, há uma força que falta às vezes – ou pelo menos um gajo pensa que falta -, precisa de ir buscar estímulos…
– Essa alienação é inevitável?
Acho que ainda conseguia “limpar-me” fisiologicamente se as condições ideais existissem. Só que elas não existem… De que é que me serve fazer ioga ou comer macrobióticos, para depois levar com uma camioneta? Eu vivo aqui e por isso tenho que pactuar com o esquema vigente. Não posso ser um ET na minha terra. Idealizo coisas, tomo conhecimento de coisas desagradáveis, mas não me posso esquecer de que estou aqui, no Princípe Real, num bar, e não vou beber água – vou beber “whisky” ou cerveja e vou fumar cigarros. Porque eu já experimentei beber água e não fumar e depois comecei a olhar para os gajos e pensei: “Isto está mal! [risos]? E “ouvi” silêncios gélidos e disse: “Porra, eu não quero esta merda!” Eu quero o pessoal a beber e a divertir-se…
– Por vezes dá ideia de que existem dois Jorges Palmas: o do conservatório, perfeccionista, e outro com a voz completamente rebentada, da desbunda, sem controlo. Tem uma explicação para isso?
Há uns tempos que não era convidado para tocar piano como um músico de estúdio e ontem fui tocar. Estive lá três horas a tentar perceber o que é que os gajos queriam que eu fizesse. Não tenho escrito canções nos últimos tempos, tenho escrito letras quando me pedem… Tenho estado a evitar um reencontro com uma realidade que é a minha… Hoje vou ver os Xutos e não sei o que vai acontecer. Se eu tiver uma sessão de estúdio amanhã ou qualquer coisa importante, é melhor ir ver os Xutos e dormir uma hora ou duas. Se eu for para a cama não consigo dormir a pensar naquela merda. Já lá vai o tempo em que eu tomava “drunfos”…
Tenho dificuldade em dormir porque estou a imaginar tudo e a viver tudo antecipadamente. Eu sei que sou muito desastrado e que muitas vezes estrago as coisas por tê-las antecipado, e depois quando lá chego já não tenho a energia que tinha umas horas antes. Não dormi, bebi demais e nem sequer é uma perspectiva egoísta, é a minha maneira possível de ser. Se acontecer alguma coisa comigo neste momento, esqueço-me do que vem a seguir. O importante é o que está a acontecer agora. Sou um hedonista.
– Depois de “Só”, lançado em 1991, de canções antigas acompanhadas ao piano, tem algum novo trabalho em perspectiva?
Estou a trabalhar numa espécie de complemento desse disco. Terá quatro guisttras eléctricas, bateria, gravado ao vivo, sem artifício nenhum. Eu sou o guitarrosta, faço os acordes e canto, outro é o Zé Pedro com a sua Gibson, o Flak também com uma Gibson, o Alex no baixo e o Kalu na bateria. O título vai ser “Palma’s Gang ao vivo no Johnny Guitar”.
– Fechemos o ciclo. É um nómada, um viajante, mas dá a impressão que Lisboa desempenha um papel muito importante na sua música. Se Lisboa fosse mulher, como a definiria?
Uma puta! [risos]. Uma puta morena…
*Cantor, compositor, guitarrista, pianista, viajante, hedonista. O próximo álbum, com o título “Palma’s Gang ao Vivo no Johnny Guitar”, será lançado em breve pela Polygram.

Incredible String Band – “Incredible String Band” + “The Hangman’s Beatiful Daughter”

pop rock >> quarta-feira, 15.09.1993
REEDIÇÕES


A INCRÍVEL CORNUCÓPIA
INCREDIBLE STRING BAND
Incredible String Band (6)
The Hangman’s Beatiful Daughter (8)
Elektra, distri. Warner Music



Iam os anos 60 na metade e na zona do Soho, em plena euforia “hippie”, uma legião de jovens ingleses descobria a música tradicional do seu país. No meio da confusão reinante e da profusão de ideias que o haxe e o ácido ajudavam a fazer brotar, dois amigos, Mike Heron e Robin Williamson (que por acaso é escocês…) criaram uma banda que, volvidos quase 30 anos sobre a sua formação, tem servido de inspiração a muita gente. Entre os dois aprenderam a tocar umas boas dezenas de instrumentos, dos mais comuns aos mais exóticos (com predomínio para os indianos, como era então da praxe), que utilizaram para criar uma música sem classificação possível. Os “blues”, a desbunda psicadélica, as “ragas” indianas, a tradição rural inglesa, a música de circo, o misticismo e a declamação, tudo contribuía para fazer da música dos Incredible uma cornucópia de onde brotavam híbridos fascinantes, e uma das mais originais da sua época (Mick Jagger, entre outros, deixou-se fascinar completamente por ela).
“Incredible String Band”, estreia discográfica, lançada em 1966, apresenta os ISB em formato de trio (com Clive Palmer), ainda com o arsenal de instrumentos em fase de armazenamento. Na forma de baladas que não chamariam a atenção se não fossem o estilo e a combinação inusitadas das vozes de Heron e Williamson (hoje um bardo da harpa e nome respeitado nos meios “Folk” britânicos). “The Hangman’s Beautiful Daughter” conta já com o par de vozes femininas de Licorice e Rose Simpson, duas “hippies” entretanto recrutadas para a comunidade. É uma das obras mais representativas da banda, e nela avulta um conjunto de canções estranhas, em constante flutuação entre géneros musicais, uns mais identificáveis do que outros, coroado por esse encantamento de Merlin que é “A very celular song”. Enquanto em Inglaterra se processa em bom ritmo a reedição em compacto da totalidade da obra desta banda seminal, por cá a Warner importou quantidades reduzidíssimas dos dois trabalhos em análise, bem como de “Changing Horses” e “The Big Huge” (na versão original acoplado, num duplo-álbum, a “Wee Tam”). Aos dois últimos não lhes conseguimos pôr a vista em cima. Quem tem medo de arriscar: a distribuidora ou as lojas? “Earthspan”, da mesma banda, apareceu há alguns meses perdidonos escaparates e por lá não ficou dutante muito tempo. Entre outras obras, os Incredible String Band têm disponíveis jóias como “U”, a banda sonora “Be Glad for the Song has no Ending” e “Liquid Acrobat as Regards the AIr”. Um filão que urge explorar.