Pop Rock
18 de Janeiro de 1995
álbuns world
reedições
Quando a música era um brinquedo
INCREDIBLE STRING BAND
Wee Tam and The Big Huge (8)
Changing Horses (6)
I Looked Up (7)
Hannibal, import. MVM
Incredible String Band: o maior espectáculo do universo. O circo dos circos do movimento “hippie” e dos anos 70. Os inventores da folk psicadélica. Surrealistas, ecologistas, consumidores desregrados de erva mais um acidozito de vez em quando, multinstrumentistas até ao absurdo (há discos onde Robin Williamson e Mike Heron tocam, cada um à sua conta, mais de vinte instrumentos), folclóricos, contadores de histórias, pioneiros da world music, tudo isto foram os Incredible String Band, uma banda a que o tempo fez justiça e cuja influência hoje muitos reivindicam (a propósito, Mick Jagger era um dos seus fãs incondicionais e, já nessa época, os Dr. Strangely Strange uma cópia bastante convincente).
“Wee Tam and The Big Huge” repõe a versão original unificada, um duplo álbum, que posteriormente fora reeditado, tanto em vinilo como em compacto, na forma de dois discos separados, “Wee Tam” e “The Big Huge”, pela Elektra. Álbum brilhante, ao nível de “The Hangman’s Beautiful Daughter” (já recenseado no Pop Rock), a banda sonora “Be Glad for the Song Hás no Ending” ou, na fase da Island, “Liquid Acrobat as Regards the Air”, de canções sem tempo que juntam as alucinações psicadélicas com simbologia mitológica, histórias infantis e imagens de uma “Velha Albion” idealizada, com gnomos, duendes, unicórnios e feiticeiros a dançarem em prados verdejantes e castelos, numa nuvem de sonhos. O tema de entrada, “Job’s tears”, dá de imediato acesso a um outro mundo. Como no universo poético de Tolkien, sai-se do outro lado diferente. Com a fantasia entrelaçada à realidade. As vozes… aquelas vozes…
“Changing Horses” é o álbum mais fraco de toda a discografia da banda, muito por culpa do tema final, “Creation”, 16 minutos de declamação poética (faceta que Robin Williamson, já com o seu estatuto de bardo da harpa, não dispensou, em discos com a sua Merry Band), onde estão presentes todos os lugares-comuns da ideologia “hippie”, acompanhados por uma instrumentação exótica, neste caso reduzida a mero adereço. No primeiro lado (ah, estes termos do passado que não nos largam a memória!…), três temas ao melhor nível dos ISB: “Dust be diamonds” (kazoos, guitarras acústicas “folky”, harmonias vocais – com as duas meninas do grupo, Rose Simpson e Licorice, no seu papel de falsas ingénuas – sem lógica visível, as entoações escocesas de Robin conferindo às palavras ressonâncias de fazer crescer água na boca, teatro, pura magia), “Sleepers, awake!”, harmonização a quatro vozes “a capella”, no mais genuíno espírito folk de um projecto como “Morris on”, de Ashley Hutchings, e “Mr. & Mrs.”, uma balada sem centro de gravidade fixo, onde as vozes disparam em várias direcções num êxtase lisérgico em que a música se transforma num brinquedo.
“I Looked Up” inclui quatro composições de Mike Heron, entre as quais “Black Jack Davy”, que seria repescado anos mais tarde em “Earthspan”, contra apenas duas, as mais rebuscadas e teatrais, de Robin Williamson: “Pictures in a mirror”, um piano dissonante e uma vocalização indescritível (Syd Barrett encontra um fantoche de Jim Morrison e os Genesis dos outro lado do espelho), numa história de loucos contada por um louco, e “When you find out you are”, onde aos seus inconfundíveis trejeitos vocais contrapõe Licorice uma voz mais infantil do que nunca. Algo se perdeu na música popular nas últimas duas décadas. Algo que existia na música feliz dos Incredible String Band.