Fátima Miranda – “Concierto en Canto”

Pop Rock

3 de Abril de 1996
Álbuns poprock

Fátima Miranda
Concierto en Canto
HYADES ARTS, IMPORT. ANANANA


fm

Esqueçam Meredith Monk, esqueçam Shelley Hirsch, esqueçam Joan LaBarbara. Nenhuma foi tão longe nem tão fundo na exploração da voz humana como Fátima Miranda. “Concierto en Canto”, objecto exemplar de uma editora espanhola especializada na edição de obras incatalogáveis do universo das “novas músicas”, é uma experiência avassaladora que – fica o aviso – poderá assustar os menos avessos a explorações pelos confins da galáxia musical. Quando um dos textos do livrete apresenta a voz desta natural de Salamanca como “infinita”, não está a exagerar. Os agudos a que se eleva em “Alankara skin”, dispensando quaisquer truques de produção ou manipulação electrónica, são simplesmente sobrenaturais. Fátima, elemento preponderante do colectivo Taller de Música Mundana, estudou “bel canto”, técnicas vocais japonesas, indianas e do flamenco e canto difónico mongol, tudo aqui aplicado num assombroso mergulho em que a vanguarda coincide com a fonte primordial dos sons. Música celeste e dos abismos, perigosa, na medida em que obriga a viajar até aos extremos da interioridade, “Concierto en Canto” possui aquela qualidade que obriga quem a ouve à ascese ou à perdição. Das sobreposições fonéticas desenvolvidas “ad infinitum” sobre uma frase simples, de “El Principio del fin” (um dos dois temas que recorre ao “overdubbing”), à alma cantando em discurso directo, na experimentação dos seus limites e das suas respirações, desprende-se deste encantamento a transcendência que caracteriza as obras-primas. (10)


Fátima Miranda-Concierto en Canto (28''54' Resumen del Concierto) from Fátima Miranda on Vimeo.

Stereolab – “Emperor Tomato Ketchup”

Pop Rock

20 de Março de 1996
poprock

Estereogramas a pilhas

STEREOLAB
Emperor Tomato Ketchup (8)
Elektra, distri. Warner Music


stereolab

O universo musical dos Stereolab é um apanhado de asteróides do passado que o grupo insufla com um humor e uma maleabilidade pop que não pertencem a mais ninguém. “Emperor Tomato Ketchup”, título pateta para um disco que ilude os sentidos como um auto-estereograma, é o equivalente musical de um filme animado dos Jetsons. Tim Gane, multinstrumentista do grupo, intoxicou-se a ouvir os sons da escola alemã dos anos 70. A sua cabeça encheu-se de espaço e de ritmos metronómicos. Para complicar ainda mais, ficou preso pelo beicinho às sonoridades “easy listening” para a idade espacial inventadas por Juan Garcia Esquivel, um mexicano que nos anos 50 atirou a música de elevador para a primeira fila da experimentação, explorando as possibilidades da recém-descoberta estereofonia e de elementos electrónicos arcaicos como o teremin (actualmente objecto de culto, utilizado por número crescente de artistas) e o ondioline. Esquivel que os Stereolab homenagearam no mini-álbum “The Group Played Space Age Batchelor Pad Music”. Para finalizar, a vocalista Laetitia Sadler canta frequentemente em francês, num registo que lembra Françoise Hardy.
Deste frasco de “ketchup” escorre uma música sumarenta em que aquilo que parece nem sempre é e as oposições se encaixam entre si como uma luva. Há citações explícitas, redundâncias que um golpe de magia faz soar inovadoras. O tema inicial “Metronomic underground”, é um decalque fiel dos Can, na batida tribal, nos pequenos dilúvios do órgão, na vocalização repetitiva e quase declamada, contribuindo para a criação de um clima de hipnose característico daquela banda germânica. “Les yper sound” recupera o rolamento rítmico dos Neu!, enquanto “OLV 26” pilha um fraseado electrónico de “Autobahn”, dos Kraftwerk. Só que a distância que separa os Stereolab dos magos teutónicos é a mesma que separa um “western spaghetti” de um épico de John Ford.
A confusão, capaz de iludir os sentidos como um auto-estereograma, advém do contraste entre a aparente frieza (o sintetizador “Moog” que os Stereolab manipulam sempre foi tudo menos frio…) daqueles temas com o angelicalismo de baladas ora servidas por um arranjo de cordas na melhor tradição dos Divine Comedy, como “Cybele’s reverie” ou a claridade absoluta de “Monstre sacré”, ora flutuando em harmonias vocais etéreas que mergulham a inspiração nos Beach Boys, nos Faust dos momentos idílicos ou no “kitsch” fleumático dos Monochrome Set. Um álbum de múltiplos brilhos, onde a tecnologia de “baixa fidelidade” liga às mil maravilhas com o perfume de melodias “retro”-futuristas. Para ouvir e ouvir e ouvir até se gastarem as pilhas.



Bel Canto – “Magic Box”

Pop Rock

20 de Março de 1996
poprock

Bel Canto
Magic Box
ATLANTIC, DISTRI. WARNER MUSIC


bc

No início e no fim do disco ouve-se uma caixa de música a pingar vidrinhos de som sob a voz de criança mimada da vocalista. É o mais interessante que os noruegueses Bel Canto têm para oferecer neste álbum e nos dias que correm, apressados que estão em apanhar o comboio das “world musics” e dos “samples” contrabandistas de cultura. O segundo tema, “In zenith”, ainda consegue chamar por instantes a atenção para o fiozinho dental, perdão, vocal, que escorre da senhora, algures entre o mundo virtual e os contorcionismos de Kate Bush, mas o papão “etno-seca” deita tudo a perder para o contentor da vulgaridade. A seguir a caixa de música entra numa batida de dança mais convencional, produzida e maquilhada com os ingredientes “en vogue”. Um “must” para quem ainda acredita na magia do B. A. e um bocejo para quem achou alguma graça aos escorreitos “Whiteout Conditions” e “Birds of Passage”, que assinalaram a entrada em cena deste grupo cuja única pretensão parece ser a de ajudar a passar o tempo de uma maneira agradável. (4)