PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 24 OUTUBRO 1990 >> Pop Rock >> LP’s
BEL CANTO
Birds of Passage
LP e CD, Crammed, distri. Contraverso
“Bom-gosto” é o termo que define este disco na perfeição e graças ao qual os noruegueses Bel Canto, desde que se estrearam com “White-Out Conditions”, conseguem suprir a falta de génio, através de uma invulgar capacidade para a disfarçar. Música que atrai pelo lado de fora. Sedutora na forma polida e clássica como afaga o cérebro, mais do que os sentidos. Sedução pela inteligência, empreendida e concretizada sem grande esforço pela voz (belíssima) de Anneli Marian Drecker. O tempo cada vez mais pertence mais às mulheres – já o sabíamos. Este disco volta a comprová-lo. Aqui tudo se realiza em função da voz de Anneli Marian. Laboratorialmente, cada som foi criado e testado de maneira a encaixar-se com um máximo de eficácia nos diversos registos vocálicos da cantora.
Impera a eletrónica: “samplers”, percussões digitais, o trivial neste final de século. Para amenizar um pouco a frieza dos “bits”, foram chamados alguns dos músicos habitualmente ligados à editora: Luc Van Lieshout (dos Tuxedomoon, no “flugelhorn”), Jeannot Gillis (violino, viola-de-arco), Marc Hollander (dos Aksak Maboul, clarinete, teclados e percussão) e Claudine Steenackers (violoncelo). Certas passagens de “Birds of Passage” sugerem climas semelhantes aos que os This Mortal Coil criaram. “Continuum” e “The Glassmaker” dão cor e colorido exótico ao ambiente solene prevalecente ao longo de quase todo o disco. O primeiro, cantado em espanhol por Anneli, fala de maldições, de ritmos ocultos e mágicos que impelem a dançar. No segundo, a voz e o canto aproximam-se de um registo étnico semelhante ao que utilizou Mari Boine Persen, no maravilhoso disco que recentemente gravou para a Real World. Os Bel Canto, ao contrário dos Dead Can Dance, em “Aion”, não serão por enquanto capazes, pela sua música, de fazer vibrar os espaços imensos de uma catedral. Para já, uma capela chega-lhes. Poderá a voz de Anneli Marian voar mais alto? ***