15 de Setembro 2000
POP ROCK – DISCOS
Fátima Miranda
ArteSonado (9/10)
Led, distri. Ananana
Mal fará quem se propuser escutar o mais recente álbum da cantora espanhola Fátima Miranda recostado no sofá com a concentração regulada a meio gás. “ArteSonado” exige que o mundo se apague à sua volta de modo a deixara voz inundar o mais ínfimo recanto da alma. Mantendo embora o mesmo elevadíssimo grau de virtuosismo e experimentação vocais que caracterizavam o anterior e magnífico “Concierto en Canto”, o novo trabalho da cantora que esta semana atuou em Lisboa e no Porto opera porventura a um nível mais subliminar, evidenciando sinais de um ritualismo que, recorrendo, como seria de esperar, a técnicas vocais tradicionais como o drhupad indiano, o flamenco ou o canto polifónico de Tuva, se revestem de uma inconfundível modernidade. Fátima Miranda invoca aqui forças ancestrais e coloca a voz ao seu serviço numa sequência de oito movimentos que percorrem toda a gama de registos vocais e estados de espírito que vão da serenidade contemplativa à histeria, da regressão à infância ao lançamento de maldições, da recriação étnica ao risco absoluto, entre o humor e a psicose, o amor e a morte. “Ornado de artesões” ou a “arte que soa”, dois dos significados semânticos do título, “ArteSonado” é a arquitetura vocal e anímica de êxtases formatados pela inteligência analítica e por uma imensa vontade de ir sempre mais além. Acondicionado num livro que é, também ele, um intenso convite ao jogo e ao prazer, “ArteSonado” não terá o impacte de “Concierto en Canto” mas deixa a certeza de que ficará igualmente inscrito no grupo das grandes obras vocais deste século.