Vários (Wes Montgomery, Terje Rypdal, John Abercombie, Pat Metheny) – “Lugares Distantes” (Dossier | ECM | Discoteca | artigo de opinião)

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990 >> Videodiscos >> Pop

A DISCOTECA

LUGARES DISTANTES

São três guitarristas e gravam normalmente para a ECM. Por muito que os seus caminhos por ali se tenham cruzado, cada qual parte para novas aventuras – para chegar a outras músicas, outras paragens, em que o jazz é apenas um pretexto.



Norueguês, 42 anos, admirador do lendário Wes Montgomery, um imenso e insuspeito currículo feito de incursões por territórios afastados e aparentemente inconciliáveis: o jazz, a música contemporânea, o classicismo romântico, mesmo o rock de tonalidades “hard”. Na ECM encontra-se grande parte destes trabalhos. O duplo “Odyssey” deu-lhe fama de contemplativo, propenso à introspeção e a um esteticismo marcado pelas imensidões geladas do país dos fiordes. “After the Rain” parecia dar razão àqueles que persistiam em ver nele apenas o guitarrista de sonoridade “String ensemble”, por vezes mesmo comparada à de Mike Oldfield, compositor de harmonias e melodias sustentadas por um lirismo pouco dado a fraturas rítmicas e temáticas. Álbuns como “Wave” (com o trompete de Palle Mikkelborg) e aqueles que recentemente gravou com o grupo The Chasers obrigaram à reformulação destes conceitos.

O fogo do espírito

“Undisonus/Ineo” (ECM, distri. Dargil) insere-se na vertente clássica do músico, que aqui não participa como intérprete. Nada de guitarra, portanto. Duas composições, como o genérico refere. “Undisonus” (op.23), em três andamentos, para violino e orquestra, composta entre 1979 e 1981. Terje Tønnsen, o instrumentista solista, acompanhado pela Orquestra Filarmónica de Londres, dirigida por Christian Egsen. “Ineo” (op.29), dividida em quatro andamentos: “Ineo”, “Lux”, “Memini” e “Adeo”, para as vozes corais do Grex Vocalis e a orquestra de câmara The Rainbow Orchestra, dirigida pelo mesmo maestro.
Terje Rypdal é um compositor prolífico. Só em “opus” já vai em 48, o último dos quais intitulado “The Big Bang”. O disco agora em análise confirma as suas capacidades neste campo, através da criação de uma música aberta aos grandes espaços e possuidora de uma intensidade dramática por vezes próxima da pungência mahleriana. Aparentemente serena na forma, avança em crescendo de tensão, através do emprego específico das cordas (nomeadamente os violoncelos e o baixo) e dos sopros, como massas sonoras poderosas, correspondentes ao telurismo da natureza. Pairando sobre o turbilhão elemental, o violino angustia-se, foge, investe, sussurra e grita, voz humana questionando o infinito. Música do fogo (o violino), da água (nos reflexos e cintilações da harpa fluindo como um rio) e da terra. Música do homem e do mundo primordial.
Do outro lado, “Ineo”, a ascese, o fogo transformado em espírito, elevando-se para as alturas libertadoras, até chegar ao céu. Sublimação das pulsões do corpo na voz coletiva da humanidade inteira. Maior contenção no volume, um júbilo subtil. Demanda de Deus. Na grande arte inventa-se o destino, deposto aos pés da eternidade.
“Undisonus/Ineo” transporta o misticismo de anteriores obras até às dimensões da religiosidade pura, que, na mesma editora, só encontra paralelo no total despojamento da trilogia “Tabula Rasa/Arbos/Passio” de Arvø Part. Ambos perseguem o sublime.

Academismo

John Abercrombie mantém-se fiel a uma sonoridade que fez escola na ECM. Em “Animato” apresenta na companhia de Vince Mendoza (nos sintetizadores e compositor da maior parte dos temas) e de Jon Christensen (na bateria e percussões). Reconhece-se a técnica irrepreensível, o bom gosto dos arranjos, mas não se confunda o belo com o bonito. Beleza, encontramo-la no disco de Rypdal, cores e sons agradáveis ao ouvido, no de Abercrombie. Falta-lhe o génio que torna irrelevantes todos os academismos. “Animato” é um disco académico, quando opta pela segurança de um estilo mantido a níveis qualitativos aceitáveis mas incapaz de reservar já qualquer surpresa ou transgressão. O que se torna irrelevante para os indefectíveis da editora.

As virtudes do trio

“Question and Answer” (Recycle, distri. WEA) é uma grata surpresa. Pat Metheny parece ter recuperado bem das inenarráveis concessões feitas ao comercialismo mais baixo, com que se distinguiu no ano passado no execrável “Open Letter”. Neste novo disco, chamou dois músicos fabulosos: o baixista Dave Holland e o baterista Ray Haynes. A gravação processou-se como se de uma “jam session” se tratasse – oito horas no estúdio, sem ideias preconcebidas, apenas o prazer de tocar, de ouvir e responder. E o deleite de quem assiste e frui a imensa riqueza de pormenores, de soluções tímbricas e harmónicas que o trio desenvolve ao longo de nove temas, em que o jogo de grupo prevalece sobre as ações individuais. Pat Metheny revela aqui até que ponto soube assimilar as influências que se lhe reconhecem – Wes Montgomery, sempre, Jim Hall, Gary Burton, Ornette Coleman, Miles Davis, dando-lhes um cunho pessoal inconfundível. Inesquecível a abordagem do tema de Miles que abre o disco, “Solar”, bem como de “Law Years”, de Ornette. Só escutando se torna possível distinguir a gama infinita de soluções rítmicas de Haynes que, sem nunca repetir uma frase, uma acentuação, mantém, contudo, a solidez necessária ao desenvolvimento harmonioso do todo. Quanto a Dave Holland, basta referir que a sua prestação é um contínuo solo, inesgotável no duplo papel de suporte e estimulador dos outros instrumentos, fluxo assombroso de ideias que se interligam e constantemente se renovam. Aqui se reitera a opinião de que Pat Metheny, sendo embora um compositor apenas competente, se transfigura quando integrado em formações instrumentais, ou em contextos formais suscetíveis de o colocarem em situações de interação musical deslocadas do seu “approach” habitual. Seja nas peças de Reich, ou na companhia de Sonny Rollins e Ornette, é sempre em situações de diálogo e confronto que as suas capacidades se revelam ao mais alto grau.
“Question and Answer” vem repor as velhas questões sobre o papel determinante da interpretação sobre a composição. Sendo esta, em última análise, sempre improvisação. Criatividade solta no instante, com Metheny, sempre partilhada.

Fernando Magalhães no “Fórum Sons” – Intervenção #36 – “Klankrieg”

#36 – “Klankrieg”

Fernando Magalhães
06.11.2001 160439

Atenção, a música deste grupo que amanhã actua no Lux, um duo constituído por FELIX KUBIN e outro alemão, não tem rigorosamente nada a ver com a música a solo de F. Kubin.
É música electro-acústica, electrónica industrial, manipulação de frequências e interferências de electricidade estática.

Na Ananana está disponível o álbum deste grupo intitulado “Das Fieber der Menschlichen Stimme”. O novo tem por título “Radionik”.

FM

PS- Quem vai ao Lux amanhã? Baleal? 🙂

PSS-Entre Mercury Rev e Ken Vandermark, a minha escolha é óbvia: o pós-jazz superenergético de Vandermark, um dos maiores saxofonistas actuais.

PSSS – Quem vai a Diamanda Galas no sábado, na Aula Magna? Baleal? 🙂 🙂

Jon Hassell – “City: Works Of Fiction”

PÚBLICO QUARTA-FEIRA, 15 AGOSTO 1990 >> Videodiscos >> Pop


O INTRÉPIDO EXPLORADOR

JON HASSELL
City: Works of Fiction
LP e CD, Land



Cada dia que passa, o planeta Terra torna-se mais pequeno. A aldeia global de que falava McLuhan deixou de ser uma utopia (ou antiutopia, consoante a perspetiva…), para se tornar uma realidade insofismável. Apesar disso, permanecem invioláveis (até quando?) culturas e costumes desalinhados da grande metrópole totalitária em que se vai tornando o monstro ocidental. Ao Terceiro Mundo e às regiões exóticas do globo vai uma certa classe de músicos buscar inspiração e orientação para a feitura de complexas síntese formais e conceptuais. Às músicas das diferentes culturas regionais, únicas nas suas particularidades intrínsecas, justapõe-se uma música do mundo, que, justamente, daquelas se serve para a criação de unidades multifacetadas e surreais, o todo transcendendo as partes que o integram. Música universal, juntando na mesma viagem a eletrónica e o artesanato étnico, a emoção primitiva e o racionalismo contemporâneo.
A partir da massa primordial e informe das pesquisas iniciais, surgiu uma elite de compositores, capaz de filtrar a imensidade de influências e fontes sonoras disponíveis e, de uma forma coerente, produzir uma música para a qual a designação de “nova” não soa despropositada. Roberto Musci & Giovanni Venosta, O Yuki Conjugate, Lights in a Fat City e Jon Hassell encontram-se em fase avançada no processo de análise/síntese seguido na concretização dessa “World Music” englobante e planetária.
“City: Works of Fiction” é exemplar quanto às intenções e aos métodos de trabalho. A cidade, lugar de concentração e pluralidade cultural, simboliza neste caso o ponto de convergência, cruzamento, feito de sínteses, deslocamentos e desfocagens, transcendente e imanente na medida em que formaliza um impossível folclore universal, retirando (graças às proezas técnicas do sampler) sons e pormenores de um espaço tempo concretos para os reinserir em novos e diferentes contextos. Trabalho de ficção, como o título alude.
Com este álbum, Jon Hassell aventura-se bem mais longe do que em anteriores trabalhos, por direções e atalhos virgens. Cada tema é acompanhado por um texto, também ele ficcional, inventando história e mitos para uma civilização existente somente nos mapas da imaginação, e desenvolvido musicalmente segundo lógicas que aliam o rigor matemático ao tribalismo tecnológico. O computador surge transfigurado em ícone primitivo, simulando sonoridades étnicas e ambiências naturais traficadas. Mais do que nunca, as sinuosidades em surdina do trompete são uma espécie de vento que passa sobre a selva, visão aérea das cidades dos prodígios. Tal qual a torre de Babel, “Works” combina uma profusão de linguagens díspares, como o funky, a música ambiental, o jazz, a eletrónica, o concretismo e folclores vários, num discurso complexo mas sempre articulado, sem que diversidade das fontes e dos meios resulte qualquer perda de unidade ou coerência. Ao contrário das “Possible Musics” dos primórdios em que o som do quarto mundo se quedava ainda como simples possibilidade, Jon Hassell encontra, com “City: Works of Fiction”, a chave e a passagem que permitem a entrada no novo universo a explorar.