Realejo – Cenários

15.05.1998
Portugueses
Luz Sobre O Cenário
Realejo
Cenários (10)
Ed. Movieplay, distri. Euroclube

Se os Gaiteiros de Lisboa explodem na ruptura das normas e os Vai de Roda navegam numa fusão galaico-portuguesa próxima de uma New Age inscrita no compêndio da tradição, os Realejo “limitam-se” a tocar a música de que gostam, de forma superlativa e com a naturalidade dos predestinados. O que os distingue daqueles dois grupos, que constroem a sua música sobre uma contextualização e teorização prévia, extramusical. Escute-se uma faixa como “Bendito das Trovoadas”. Ou “Maragato son”. É música de outra dimensão, que transcendeu a escolaridade, os estilos e – muito importante, apesar de algumas vozes afirmarem o contrário – as limitações técnicas que amiúde condicionam a liberdade de ideias e intenções. As duas faixas citadas pertencem, respectivamente, ao reportório tradicional da Beira Baixa e de Miranda do Douro, mas os Realejo transforma cada uma delas em autênticas sinfonias de bom-gosto, dos arranjos à interpretação, pasaando, inclusive, por modificações estruturais. Sendo portugueses, os Realejo fizeram a sua música ultrapassar as fronteiras nacionais. Sendo tradicionais, os Realejo afirmam a modernidade, no sentido mais nobre do termo, em qu enão se “inventa” recorrendo a colagens, quase sempre forçadas, de estilos, ou artimanhas de estúdio, mas antes se afirma a importância da interiorização e da individualização, pondo a forma ao serviço de uma vivência interior.
Os Realejo possuem o dom, raro, do entendimento da essência sonora, da alma, de cada instrumento. Sua é então uma música de concertamento, de diálogo apaixonado, em que as vozes da sanfona, da gaita-de-foles, do violino, do violoncelo, da concertina ou das cordas dedilhadas se fundem com a própria alma dos músicos. Facto a que não é alheio Fernando Meireles aliar o talento de intérprete (na sanfona mas também no cavaquinho e no bandolim, em “Final de Inverno”, por exemplo) ao de mestre construtor. Os Realejo contam ainda nas suas fileiras com um compositor de excepção, Amadeu Magalhães, transmontano de gema mas cidadão do mundo, no modo como assimilou e intuiu um universalismo que, de “Sanfonia” para estes “Cenários”, alargou o conceito de música de raiz tradicional portuguesa para formas musicais ao nível do que melhor se faz, hoje, na Europa. “Cenários” é música para ser dançada. É música para se cortejar a dama oculta (“Deus te salve ó Rosa”, tema algarvio de ressonâncias medievais onde choram o violoncelo de Ofélia Ribeiro e o violino de Miguel Areia). Música para o cérebro se deleitar em jogos contrapontísticos (a versão de “Music found harmonium”, o original de Amadeu Magalhães com a sua concertina esfuziante, em “Nunca me canso”).

Apocalyptica – Inquisition Symphony

15.05.1998
Vilões Cellos
Apocalyptica
Inquisition Symphony (7)
Mercury, distri. Polygram

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pwd: www.gudubet.com

Do experimentalismo “a sério” dos Kronos Quartet à insurreição populista dos Soldier String Quartet, passando por ocasionais intromissões dos Balanescu Quartet, o quarteto de cordas tem vindo a ganhar um lugar de proeminência na música popular desta década, mais ou menos próximo do academismo, mas sempre ostentando orgulhosamente um estatuto de superioridade em relação à pop plebeia.
Era confortavelmente assim até os Apocalyptica cuspirem na sopa e oferecerem os seus préstimos – que o mesmo é dizer os seus violoncelos – à selvajaria e ao peso mastodôntico dos décibeis do “heavy metal”, num álbum inteiro dedicado aos Metallica. Heresia da qual ficaram as sementes desta nova investida do quarteto finlandês. Não satisfeitos em agradecer aos Sepultura (cujos temas os Apocalyptica irão interpretar nos próximos concertos a realizar em Portugal – dia 18, no Paradise Garage, em Lisboa; dia 20, no Coliseu do Porto -, bem como os dos Faith No More e dos Pantera), o quarteto reincide em subverter as normas do violoncelo, insistindo no poder do “riff”, na aceleração e na saturação dos timbres.
Desta feita, o tema é a Inquisição, a perseguição e o castigo dos hereges, escolhido talvez como alusão aos que não perdoam aos Apocalyptica terem tirado o violoncelo do seu canto dourado. A capa, um violoncelo em forma de caveira, contém do lado de dentro o aviso: “Este disco contém ruído excessivo.”
E assim é: os Apocalyptica carregam com toda a força nos pedais do volume, tocando como se estivessem a esmagar baratas. Com efeito, nós, baratas, ficamos reduzidos a papa. Mas “Inquisition Symphony” não se esgota numa sinfonia de motores que Glenn Branca não desdenharia apadrinhar, uma vez que os Apocalyptica fizeram questão de mostrar a sua formação clássica e a sua sensibilidade, em temas de câmara como “Nothing else matters” e “Fade to black” (poderia ser um “hit” tão ou mais belo que “The piano”…), que prolongam o trabalho inacabado de dois ex-minimalistas, Michael Nyman e Mikel Rouse.
O tema final, “One”, além de conter um solo de pura pirotecnia, equivalente ao que nos anos 70 Darryl Way fez com o violino nos Curved Air, em “Vivaldi” e “Ultra Vivaldi”, sugere a todo o momento a entrada em cena da voz de David Coverdale, dos Deep Purple. Entre o exibicionismo e o totalitarismo, fica a certeza de que é difícil permanecer indiferente aos excessos dos Apocalyptica.

Fridge – Semaphore

08.05.1998
Fridge
Semaphore (7)
Output, import. Lojas Valentim de Carvalho

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O pós-rock está a chegar à idade adulta, a julgar pelos mais recentes trabalhos dos Tortoise, Trans AM, Ui, Gastr Del Sol e Tone Rec. A esta elite não se juntam, por enquanto, os Fridge que, depois de “Ceefax”, um álbum que terá feito as delícias dos incondicionais dos Neu!, atingem, no entanto, neste seu terceiro álbum, a maturidade capaz de os libertar do peso excessivo das influências. “Semaphore”, embalado numa vertiginosa sequência de fotografias destituídas de mensagem (“Ceefaz” era todo branco, à maneira dos Faust), arranca com uma batida mecânica, fazendo gala de uma agressividade que a seguir se diluirá num gosto acentuado pelo ambientalismo. Consumada a marca do “krautrock” restava ao Fridge enveredarem por vias mais pessoais que passam aqui pela descoberta da melodia em desenvolvimento de guitarras que se deixam adormecer em “grooves” demetal. Por vezes a música recorda um grupo como os Dif Juz (uma das pérolas menosprezadas da 4AD dos anos 80), noutras são ainda os Neu!, no seu lado mais amplo e aquático, de “Neu!75”, a fazer sentir a sua presença. Na conjugação e alternância deste lado cinematográfico da sua música com temas com base em programações electrónicas (semelhantes, na forma, aos utilizados pelos Trans AM no recente “The Surveillance”) constroem os Fridge a sua auto-estrada sinalizada por semáforos de nevoeiro.