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Os Sons Da Fala + Pedro Abrunhosa – “9 de Junho, Praça Velha de Coimbra, 21h00”

pop rock >> quarta-feira >> 08.06.1994


FUSÕES LUSÓFONAS

OS SONS DA FALA + PEDRO ABRUNHOSA
9 de Junho, Praça Velha de Coimbra, 21h00



Coimbra vai ser palco, dia 9 de Junho, das Comemorações do dia de Portugal, que por acaso até é o dia 10. Vai ser na praça velha da cidade, Às 21h, e Vitorino será o director musical de um espectáculo de genérico “Os sons da fala”, baseado na música dos vários países de língua portuguesa (incluindo a Galiza e o português antigo) e com uma série de convidados especiais. De África virá um quarteto constituído por Manuel Paris, no baixo eléctrico, João Ferreira, na percussão, Zezé Barbosa, na guitarra eléctrica, e Toy Paris, na bateria, que fará o suporte musical da representação portuguesa, formada por Vasco Gil, no sintetizador, Jacinto Ramos, tuba, Jorge Reis, saxofones alto e soprano, Carlos Salomé, adufes e cavaquinho, Edgar Caramelo, saxofone tenor, e Tomás Pimentel, arranjos de metais, trompete e filiscórnio. A lista de convidados é apelativa. Bana e Tito Paris representam Cabo Verde. O primeiro interpretará a morna “Ondas sagradas do Tejo” e uma canção do seu reportório. Uxia, a cantora galega mais portuguesa de todas, virá cantar uma canção de José Afono, “Se voaras mais perto”, acompanhada por Filipa Pais, a tocadora de gaita galega Maria José, dos Muxicas, e os três irmãos Salomé, em adufes.
Waldemar Bastos vem de Angola para interpretar o fado “Foi Deus” e André Cabaço, de Moçambique, fará o mesmo em “Diana”, um tema com letra de António Lobo Antunes. Ambos vão cantar mais duas canções dos respectivos reportórios. O Brasil faz-se representar por Carlos Lyra e os portugueses convidados são Janita Salomé, com mais duas mornas, “Saudade de Cabo Verde” e “Maria Bárbara”, e Filipa Pais de novo a fazer os apoios vocais. Sérgio Godinho completa o lote dos portugueses presentes em “Os sons da fala”.
Vitorino explica as razões de escolha do local – “Coimbra era a capital cultural do Império” – e o sentido geral do espectáculo: “Vão estar presentes em grande força cantores da lusofonia portuguesa dos PALOP a cantar nas suas línguas e nos seus dialectos, nos seus crioulos. Vai ser um som luso-africano, até porque a banda principal é mista. Uma verdadeira fusão. Fala-se hoje muito em fusão, mas a gente não só fala como a vai tornar real.”
Das funções entregues a Vitorino fazem parte “a coordenação de todo o projecto”, incluindo a organização, a sequência do espectáculo, o endereço de convites, enfim, o pôr em prática todas as ideias e sugestões. Em colaboração com Paulo Pulido Valente. Vitorino apenas lamenta a não participação de um convidado que estava nas suas intenções trazer a Portugal: “Convidei um indiano de Calecute que não pode vir porque tem um trabalho em Toulouse. É pena, porque Calecute foi o primeiro ponto tocado por Vasco da Gama na sua viagem à Índia. Vamos ter dificuldades em arranjar indianos. Ainda só não temos músicos da Ásia.”
Uma curiosidade relativa a “Os sons da fala” é que, segundo Vitorino, “será tudo ao contrário. O Janita vai cantar em crioulo, todos os cantores vão cantar depois uma canção do Zeca Afonso, em português, mas a norma vai ser os portugueses cantarem em crioulo”.
Antes de “Os sons da fala” outros sons soarão em Coimbra, dos actualmente muito falados Pedro Abrunhosa e Bandemónio.

Altan, Boys of the Lough, Bothy Band, Buttons & Bows, Chieftains, De Danann, Dervish, Triona Ní Dhomnaill, Dubliners, Dolores Keane, Mick Moloney, Christy Moore, Patrick Street, Planxty, Skylark, Trian – “Trevos de Quatro Folhas” (dossier, música tradicional irlandesa)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994
DOSSIER

TREVOS DE QUATRO FOLHAS



O texto que se segue faz uma resenha dos grupos e intérpretes que, de algum modo, revolucionaram e divulgaram em maior escala a música tradicional irlandesa. Uns fizeram escola, outros são por natureza excêntricos e “desrespeitadores”. Alguns pretendem acrescentar-lhes elementos de modernidade, fundindo certas especificidades da folk com outras linguagens, explorando pontos em comum, proximidades ou distâncias que surpreendentemente se anulam.
Desta súmula que propomos ao conhecimento e audição dos leitores, ficaram de fora alguns nomes sem dúvida importantes – Michael Coleman, Leo Rowsome, Willie Clancy, Séamus Ennis, Paddy Tunney, etc. -, patriarcas das gerações posteriores e alicerces do “boom” que iria abalar a ilha na madrugada dos anos 70. Isto seguindo um critério que privilegia uma certa universalidade e acessibilidade da música, ficando deste modo igualmente excluídos à partida os artistas cuja obra se construiu sobre especificidades, sejam elas um determinado instrumento (Mary Bergin, no “tin whistle”, ou Derek Bell, na harpa, por ex.) ou música com carácter marcadamente regional ou sectário (por exemplo, a música religiosa de Noirín Ní Riain). Porém, todo este mundo imenso encontra-se à disposição de quantos já penetraram o suficiente nos meandros desta música para poderem apreciar em pleno as maravilhas que podem encerrar um “bodhran”, um “tin whistle” ou umas “uillean pipes”.

ALTAN




Fizeram a transição da geração de ouro dos anos 70 para o novo “boom” dos anos 90. Uma carreira solidamente construída sobre a humildade a correcta assimilação dos ensinamentos dos antepassados granjearam-lhes a reputação de melhor banda irlandesa da actualidade. A voz de Mairéad Ní Mhaonaigh, a experiência do “intruso” escocês, ex-Silly Wizard, John Cunningham e a capacidade de autorregeneração e inovação de que dão mostras fazem o resto.
Um disco recomendado: “Harvest Storm”

BOYS OF THE LOUGH
Celebraram recentemente 25 anos de carreira. Quinze álbuns gravados e uma postura discreta, um pouco na sombra dos Chieftains, não obstam a que sejam um dos grupos de maior importância – sem dúvida dos que sempre se mantiveram fiéis a um estilo, sem concessões. Com uma formação relativamente estável ao longo dos anos, destaque para Aly Bain, “virtuose” do violino ao estilo de Shetland, Christy O’Leary, nas “uillean pipes”, e Cath McConnell, um dos maiores tocadores de “tin whistle” vivos da Irlanda.
Um disco recomendado: “Farewell and Remember Me”

BOTHY BAND
Geniais. Revolucionaram por completo a música e o conceito da música tradicional irlandesa. Uma energia espantosa, patente logo no álbum homónimo com que se estrearam em 1975, aliada a uma extraordinária capacidade técnica dos seus elementos e a uma intuição rara nos arranjos, fazem deste colectivo uma das principais referências da música na Irlanda, “tout court”. Se os Chieftains representam o classicismo, os Planxty a força do colectivo e os De Danann a experimentação, os Bothy Band representaram a revolução e a irreverência. Na altura houve quem comparasse, pela importância, este grupo – primeiro a fazer ajoelhar as audiências de rock à “irish tradition” – aos Beatles e a Elvis Presley. A personalidade forte dos músicos motivou o fim prematuro desta banda, cujos membros viriam a criar outros projectos e grupos importantes. Pelos Bothy Band e pelo grupo que lhes deu origem, os Seachtar, passaram nomes como Paddy Glackin e Tommy Peoples, antes da formação clássica com Matt Molloy, Paddy Keenan, Kevin Burke, Triona Ní Dhomhnaill, Michéal Ó Domhnaill e Donnal Lunny.
Um disco recomendado: “Old Hag You Have Killed Me”

BUTTONS & BOWS
Pouco conhecidos, fazem a ponte da tradição irlandesa com a Escócia, as ilhas Shetland, a música da Luisiana e a herança francesa do Quebeque. “Reels”, valsas e “hornpipes” são a especialidade deste trio de magníficos: Jackie Daly, no acordeão e concertina, secundado pelos violinos de Séamus McGuire e Manus McGuire.
Um disco recomendado: “The First Month of Summer”

CHIEFTAINS
(ver caixa)

DE DANANN
Juntamente com os Chieftains, os Dubliners e os Boys of the Lugh, os De Danann são uma das bandas de maior longevidade da Irlanda. O primeiro álbum deste grupo, cuja designação se inspirou nos míticos heróis Tanatha De Danann, data de 1975, o mesmo ano de estreia dos Bothy Band e apresenta a fusão dos estilos de Galway e Kerry, nele despontando uma então jovem cantora chamada Dolores Keane. Desde essa data e até ao presente, os De Danann nunca mais pararam de experimentar novos rumos e parentescos da música irlandesa com outras estéticas musicais. Com uma formação flutuante, alternaram obras-primas com discos menos conseguidos, caso do mais recente “1/2 Set in Harlem”, demasiado rendido aos primos americanos. A partir de certa altura, os De Danann passaram a incluir em cada álbum um tema dos Beatles. A música americana-irlandesa de baile dos anos 20, diálogos com cantores tradicionais desdentados da velha geração ou os folclores judeu e da América Latina fazem parte do leque de experiências levadas a cabo pelos DE Danann, também conhecidos pelo naipe de cantoras que passou pelo grupo: Dolores Keane, Maura O’Connell, Caroline Lavelle, Mary Black, Eleanor Shanley…
Alec Finn e Frank Gavin são os sobreviventes da formação original desta banda, pela qual passaram – ao longo das duas décadas que já levam de existência – ilustres como Jack Daly, Mairtin O’Connor e Mary Bergin.
Um disco recomendado: “The Star Spangled Molly”

DERVISH
Apareceram o ano passado e logo mostraram possuir a segurança e o saber dos veteranos. O que, aliado à garra e ao necessário virtuosismo, lhes assegurou desde logo o reconhecimento. Representantes da nova vaga, da qual fazem parte também os Déanta ou os Cran, estão na linha das grandes bandas folk irlandesas da década de 70.
Um disco recomendado: “Harmony Hill”

TRIONA NÍ DHOMNAILL
Herdeira legítima de Sean O’Riada, enquanto cravista de nomeada, Triona é o que se pode chamar uma mulher de múltiplos talentos. A sua voz está ao nível das melhores cantoras da Irlanda. É exímia arranjador a e manuseia com o mesmo à vontade um piano, um clavinete ou um sintetizador. Na sua música convergem influências díspares como a música de câmara, a tradição vocal gaélica e a veia improvisadora jazzística. Terminada a aventura, primeiro com os Skara Brae (com Daithi Sproule, a irmã Maighread e o irmão Michéal), depois com os Bothy Band, Triona formou dois dos mais importantes grupos irlandeses dos anos 80: Touchstone (sediado nos “States”) e Relativity, este com o seu irmão Michéal (com quem colabora também no grupo “new age” Nightnoise) e os dois manos escoceses John e Phil Cunningham. Ou seja, uma espécie de síntese dos Bothy Band com os Silly Wizard.
Um disco recomendado: “Gathering Pace” (Relativity)

DUBLINERS
Reis do “pub folk”, sinonimo de Dublin, os Z. Z. Top (não há na Irlanda barbas mais longas que as dos Dubliners) da folk irlandesa, verdadeiros heróis do “Whiskey in the jar”, aos quais foram beber os Pogues, Oyster Band, Levellers e todas as bandas portuguesas que gostam de parecer irlandesas. Existem há mais de 30 anos, gravaram recentemente um compacto duplo de aniversário e prometeu continuar. “Here’s to the Company!” À deles!!
Um disco recomendado:: “Whiskey on a Sunday”

DOLORES KEANE
A voz das vozes femininas. Aprendeu a cantar com as tias Rita e Sarah, passou pelos De Danann e rapidamente tornou-se a maior cantora tradicional da Irlanda. O timbre aveludado, a altura grave, a naturalidade e um excepcional controlo de volume da sua voz estabelecem a diferença. Com os Reel Union, é possível escutá-la na faceta mais “hard”, “a capella” e sem arranjos sofisticados, mas é só nos discos com o marido e multi-instrumentista John Faulkner que a música de Dolores Keane (ou Catháín, em gaélico) se eleva mais alto.
Um disco recomendado: “Broken Hearted I’ll Wander”

MICK MOLONEY
Nasceu em Limerick, mas vive nos Estados Unidos. Mick Moloney é certamente um dos mais dignos representantes da colónia irlandesa na América. Reputado executante nos instrumentos de corda dedilhada (guitarra, “bouzouki”, bandolim, banjo), colabora há dez anos com o cantor Robert O’Connell e o acordeonista Jimmy Keane e obras brilhantes centradas na temática da emigração.
Um disco recomendado: “Kilkelly”

CHRISTY MOORE




Equivalente de Dolores Keane no masculino. Ganhou fama nos Planxty, mas a obra posterior a solo mostra-o como um músico prolixo e de grandes recursos, enquanto cantor e compositor, em álbuns que abrangem desde a interpretação fiel de temas tradicionais à canção satírica de intervenção. É hoje uma espécie de patriarca, aglutinador de novas tendências e talentos.
Um disco recomendado: “Ordinary Man”

PATRICK STREET




A superbanda dos anos … que recentemente ressuscitou para os 90. Perfeitos na execução e nos arranjos, o quarteto de luxo formado por Andy Irvine, Jackie Daly, Kevin Burke e Arty McGlynn incarna tudo o que de melhor tinham os Planxty, Bothy Band e De Danann juntos. Descarrilaram na aproximação à pop efectuada em “Irish Times”, pa5ra regressarem em força com “All in Good Time”
Um disco recomendado: Patrick Street”

PLANXTY
Na nossa opinião, a maior banda irlandesa de todos os tempos. Os Planxty conseguiram na sua música o equilíbrio perfeito entre a ancestralidade do reportório tradicional e uma estética completamente contemporânea. Foram, para além de instrumentistas de alto nível, contadores de histórias que misturavam o encanto das lendas com a sátira e a crítica. A aproximação a outras músicas e culturas, sobretudo dos Balcãs (resultante do interesse de Andy Irvine), ou, como no derradeiro “Words & Music”, uma composição de Dylan, integravam-se com toda a naturalidade no estilo do grupo. É difícil definir aquilo que fazia dos Planxty uma banda inimitável. A personalidade e vontade fortes de todos os seus elementos garantiram-lhes uma coesão interna que nunca existiu, por exemplo, nos Bothy Band, nem nos De Danann. Também ao contrário destas duas bandas, os Planxty não deixaram escola, fruto de uma alquimia e de uma conjugação de sensibilidades especiais. As capacidades técnicas dos seus elementos (de todos apenas Liam O’Flynn e Matt Molloy se podem considerar verdadeiros “virtuoses”, havendo sem dúvida outros executantes com maior valia técnica que Andy Irvine, Christy Moore, Johnny Moynihan e Donal Lunny) não se impunham pelo exibicionismo, antes eram postas ao serviço da música. Quem quiser saber por que razão a música tradicional da Irlanda é a mais bela do mundo deve começar por ouvir os Planxty.
Um disco recomendado: “Cold Blow and the Rainy Night”

SKYLARK
Quatro grandes músicos: Len Graham, percussões e uma voz extraordinária, Garry Ó Briain, guitarra e teclados, e Mairtin O’Connor, o mágico do acordeão. Deles se podem dizer que gravaram dois álbuns de música tradicional irlandesa de primeira água. “Vintage Traditional music”. Isto é – da melhor.
Um disco recomendado: “Light and Shade”

TRIAN
Gravaram até à data apenas um álbum, mas tal bastou para os colocar na primeira fila dos grupos irlandeses instalados na América. Liz Carroll é simplesmente uma das maiores violinistas da actualidade. Acompanham-na o omnipresente Daithi Sproule (na guitarra e voz) e Billy McComiskey (ao lado de Aidan Coffey, dos De Danann, um dos jovens lobos do acordeão). Os Trian provam que a distância, mais que cindir, une a alma dos irlandeses. Haverá um nome cor de esmeralda para “saudade”?
Um disco recomendado: “Trian”

(caixa)
O MELHOR DE QUÊ?


THE CHIEFTAINS
The Best of the Chieftains
Columbia Legacy, distri. Sony Music





Chamar “best of” a um disco que abarca apenas um período de três anos – correspondente aos álbuns “The Chieftains 7”, de 1977, “The Chieftains 8”, de 1978, e “The Chieftains 9: Boil the Breakfast Early”, de 1979, por coincidência aqueles que tiveram edição americana na Columbia – de uma banda que já leva 24 álbuns gravados e 31 anos de existência é abusivo. Chamassem-lhe outra coisa qualquer, até porque de fora ficaram obviamente os melhores trabalhos do grupo: “The Chieftains 5”, “The Chieftains 6: Bonaparte’s Retreat” (o tal com Dolores Keane), “The Chieftains 10”, “Celebration” (com Van Morrison e os Milladoiro) e “Celtic Wedding” (dedicado na totalidade à música da Bretanha e ao qual se refere a foto da capa).
Formados em 1963 a partir dos Ceoltoiri Cualann, um projecto saído da imaginação do compositor e cravista Sean O’Riada, os Chieftains foram os primeiros a romper os tabus que algemavam as velhas Ceili Bands. Os tempos soltaram-se e passaram a alternar-se no interior de cada composição (dando origem às célebres transições de ritmo de um “reel” para um “jig” e deste para uma polka ou um “Planxty” que fazem as delícias dos apreciadores deste estilo de música), a instrumentação diversificou-se.
Rapidamente a banda alcançou um estatuto internacional, recebendo convites para fazer bandas sonoras de filmes (“Barry Lyndon” popularizou o nome dos Chieftains em toda a parte), documentários como “Ballad of the Irish Horse” e séries de televisão, como “The Year of the French”, e atraindo a atenção de músicos rock e pop que achavam prestigiante gravar ao lado dos Chieftains. Marianne Faithfull, Rickie Lee Jones, Elvis Costello, Eric Clapton, Kate & Anna McGarrigle, Jackson Browne, Art Garfunkel e Mike Oldfield são alguns dos artistas que gravaram ou tocaram ao vivo com esta banda hoje tornado instituição.
Os Chieftains experimentaram com orquestras e foram à China tocar música chinesa com músicos chineses. Gravaram música da Galiza e da Bretanha. Fizeram “country music” à irlandesa, em conjunto com os “monstros” Willie Nelson, Emmylou Harris, Chet Atkins, Nitty Gritty Dirt Band, Ricky Scaggs, Colin James e Don Williams. Recuperaram o legado de Turlough O’Carolan, dedicaram um disco à harpa céltica e outro à cidade de Dublin. Conseguiram, em suma, transformar a música tradicional da Irlanda numa das músicas mais populares e apreciadas do planeta.
Por tudo isto torna-se quase irrelevante a presente selecção. Claro que a música é óptima e que Paddy Moloney, Matt Molloy, Sean Keane, Martin Fay, Michael Tubridy, Derek Bell e Kevin Coneff garantem prestações de alto nível. Mas poderiam ser estas 12 faixas como poderiam ser outras quaisquer, que a música continuaria a ser óptima na mesma. E, para os neófitos, qual o interesse em começarem por aqui e não, o que seria mais lógico, pelo volume um da discografia do grupo, que, por sinal, se encontra disponível na sua totalidade em Portugal? É que assim até parece que o título é um engano… (7)

Júlio Pereira – “Em Público” (entrevista | biografia)

pop rock >> quarta-feira >> 01.06.1994

EM PÚBLICO


JÚLIO PEREIRA



Nos seus discos, está sobretudo patente a sua faceta de compositor e arranjador, enquanto os espectáculos ao vivo o mostram, acima de tudo, como intérprete. Por que razão nunca gravou um disco ao vivo?
Imaginemos que faço um disco baseado num instrumento, como o cavaquinho, que é acompanhado por vários instrumentos. Isso representa que, se eu quisesse tocar este ou aquele tema ao vivo, teria, ou quereria ter, esses instrumentos que achei por bem, por motivos estéticos, no palco. Mas, depois, põe-se a velha interrogação: quem é que tem escola de música popular, sendo profissional, que me acompanhe neste ou naquele tema? Ao longo destes anos, vivi sempre uma dificuldade. Baseio-me num determinado tipo de música que parte de referências étnicas; depois, vou aprender a tocar este ou aquele instrumento, faço as combinações entre eles, os arranjos, etc. Quando chega a altura de concretizar isto em termos reais, ou seja, em termos humanos, chego à conclusão de que não há pessoas que façam, que toquem com aquela ironia com que eu toquei determinado instrumento em determinado disco.

Mas por que é que os espectáculos têm que ser uma reprodução dos discos? Não consegue separar as duas coisas?
Acabam por ser versões dos temas que utilizo em disco, vamos sempre dar ao mesmo ponto. Eu só posso tocar bem se estiver acompanhado da mesma maneira que foi composta e arranjada no disco.

Quer dizer que tocaria ainda melhor ao vivo se tivesse acompanhantes à altura?
É evidente. Ao longo dos anos, tenho tentado isso. Por exemplo, neste momento, a parelha que faço nas cordas com o Zé Carrapa é algo que eu sei que vai resultar em outras coisas no futuro. É um fulano que, por acaso, até é da minha geração, que toca muito bem cordas e que se está a colar cada vez mais À maneira como eu faço música.

Não haverá, nessa posição, em que são sempre os outros músicos a terem de ir ter consigo, uma certa dose de egocentrismo?
Não acredito em soluções de compromisso. Já fui acompanhante de muitos músicos – uma coisa que eu gosto sempre de ser – e, quando vou acompanhar alguém, tenho que compreender a maneira como é o outro e a sua música. Quem quiser tocar comigo tem que entender a minha.

Um dos aspectos já conhecidos do seu próximo álbum é que, pela primeira vez na sua discografia, será totalmente acústico. Que motivos levaram a esta mudança?
Não sei. O prazer, talvez… Mas é óbvio que o espectáculo do S. Luiz, no ano passado, era já um passo que prenunciava esta mudança…

Em álbuns anteriores, deu ênfase a determinados instrumentos: o cavaquinho, a braguesa, o bandolim. Vai continuar a ser assim?
Não, isso não acontece neste disco. Não quis estar ligado a instrumento nenhum. Foram os instrumentos que me apeteceu tocar e ponto final.

Esse seu interesse, em álbuns anteriores, em valorizar determinados instrumentos prende-se com alguma intenção didáctica?
Não exactamente. No “Cavaquinho”, foi por causa de um arranjo para o Zeca, num tema, segundo creio, chamado “O Cabral fugiu para Espanha”. Era necessária a sonoridade de um cavaquinho e aprendi com o Pedro Caldeira Cabral; mais tarde, com os tocadores populares do Minho. Com “Braguesa”, foi que, quando estava a fazer o próprio “Cavaquinho”, ao ir lá acima, a Braga, conheci um construtor, tomei contacto com as braguesas e comecei a achar piada a este instrumento. Mal acabei o “Cavaquinho”, peguei na braguesa. A história do bandolim é mais conhecida, pois toco-o desde miúdo, bem como a guitarra, nos tempos em que fui músico de rock.

Curiosamente a guitarra nunca foi muito utilizada nos seus discos…
No novo disco, há uma série de temas com guitarra – um pouco por mero acaso. O dono de uma loja de música teve a gentileza de me oferecer uma guitarra, daquelas hiperboas. Achei piada a ter uma guitarra nova e acabei por compor nela alguns temas.

Normalmente todos os seus discos obedecem a um conceito. O novo disco também?
A ideia do novo disco é o som. O som inerente a cada instrumento que toco. Não o som de uma técnica específica, mas o som que cada um deles pode oferecer. Por exemplo, há um tema que fiz na guitarra onde senti a necessidade de um ritmo. Experimentei primeiro com duas folhas de papel esfregadas na mão, mas não gostei. De repente, lembrei-me de fazer esse ritmo esfregando longitudinalmente nas cordas. Saiu um som como nunca tinha ouvido. Este disco resulta muito deste tipo de procura.

Não existe o perigo de ficar demasiado dependente dos instrumentos? Dá ideia que é sempre o instrumento a ditar leis ao intérprete e não o contrário…
Eis uma maneira de explicar por que é que este disco é diferente dos anteriores. “Cavaquinho”, “Braguesa” e “O Meu Bandolim” foram feitos, de facto, dessa maneira, ou seja, fui à procura do som deles através das técnicas tradicionais ou do que quer que seja – e, neste disco, fiz ao contrário. Não vai haver referências directas à música tradicional daqui ou dali, dadas por este ou por aquele instrumento. Um afastamento que julgo ser importante. É como em alguns pintores: todos aqueles que começam baseados numa referência directa a algo, à medida que o tempo passa, vão-se inevitavelmente afastando do ponto de origem, ou seja, naquilo em que se basearam para começar a pintar. Enquanto, nos meus discos anteriores, há uma teimosia minha, com um certo ar didáctico, assumo, neste disco estive-me marimbando para isso.

Pode particularizar os termos desse lado didáctico?
A curiosidade em relação aos instrumentos que toco levou-me a ler livros que nunca tinha lido, a ir a bibliotecas onde nunca tinha entrado, a falar com musicólogos e etnólogos com quem nunca tinha falado. Foram experiências. Ao gravar um disco com um determinado instrumento, é evidente que quero lá meter estas experiências. Não quero, com isto, dizer que sou musicólogo… Sou simplesmente um músico curioso.

Como encara a utilização do cavaquinho na quase totalidade dos grupos de música de raiz tradicional?
Vivemos no país em que vivemos. As pessoas tocam da maneira que sabem e aprendem. Chega-se a uma aldeia qualquer e está um fulano a tocar mal um instrumento. O que é que se lhe vai dizer? Ele toca aquilo que lhe ensinaram. Temos que criticar o sistema todo, um país que ainda não tem uma escola metodológica ligada à educação no que toca à aprendizagem da música. Todos nós aprendemos e, de repente, temos vinte e um anos, somos maiores e vacinados, e ainda desconhecemos o país, a nossa música, os instrumentos, desconhecemos, em suma, toda a interligação possível entre todas estas coisas.

O seu estatuto de multi-instrumentista aliado a alguma da sua música fazem de si uma espécie de Mike Oldfield português…
Já me chamaram isso, em tempos. Hoje, é ridículo, até porque o Mike Oldfield se perdeu em termos musicais. Mas somos da mesma geração e o Mike Oldfield tem uma coisa idêntica a mim, ou vice-versa, que é termos começado no rock e termos afinidades com a música tradicional dos nossos países. A verdade é que el, como o Alan Stivell, está a seguir por um caminho que já não se sabe muito bem qual é e eu não quero seguir por esse caminho.

Há alguma continuidade, um fio condutor, na sua obra?
Há uma coisa em comum e de terrivelmente teimosa: a procura de coisas que estão inequivocamente ligadas a referências que têm a ver com o nosso passado e, a partir delas, tentar criar atmosferas. Com ou sem electrónica.

Mantém alguma ligação com o campo?
Sou terrivelmente urbano mas tenho necessidade do campo. Saio constantemente de Lisboa, não suporto viver o ano inteiro em Lisboa. De há doze anos a esta parte, vou com frequência a Braga.

A Galiza tem influência na sua música?
Não sinto influência em termos musicais, mas sinto uma grande influência em termos humanos.

Consideram-no lá quase um herói…
É… e há programas de rádio com indicativos meus. Não sei explicar mas a Galiza, deixemo-nos de coisas, é uma região específica; para mim, já nem sequer é Espanha e tem sempre mostrado uma grande e impressionante afinidade connosco. Houve, inclusive, um grande número de espectáculos que fiz lá com o Fausto e com o Zeca – a quem fizeram, de resto, posteriormente, uma série de homenagens.

Por falar em José Afonso, com quem privou e tocou durante muito tempo: não acha estranho não o terem convidado para participar no disco “Filhos da Madrugada”?
Achei estranho, de facto. Foi-me explicado, não por Manuel Faria, que já não vejo há anos, que era um disco só de grupos… É um critério que não faz nenhum sentido.

* Compositor, arranjador e multi-instrumentista. Recuperou e divulgou instrumentos de corda portugueses, como o cavaquinho e a viola braguesa, em álbuns que lhes foram dedicados. Acabou de realizar uma digressão pela Áustria e prepara o lançamento, em Setembro ou Outubro, de um novo álbum de música exclusivamente acústica, com as colaborações das cantoras Maria João e Filipa Pais.