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Cesária Évora – “A História De Uma Descoberta”

televisão e rádio >> terça-feira, 05.10.2019
DESTAQUE


A História De Uma Descoberta

CHAMAM a Cesária Évora “rainha da morna”, essa cadência dolente que jorra das ilhas de Cabo Verde como um choro que vem da terra – da alma da terra. Morna é fado atlântico, misto de tragédia e resignação, temperado com o sal do mar. Saudade tropical. Cesária Évora é “Miss Perfumado” e “Crioula sofredora”, senhora do Mindelo que durante meio século deixou perdr o olhar no “Mar Azul”. Como quem esperava que alguém a fosse buscar.
Foram os franceses, há coisa de dois anos. Descobriram-lhe a voz e a fundura do canto. Mas também o corpo pesado e o “alcoolismo imponente” que, juntamente com a voz grave forjada no fogo do grogue velho, fascinaram “nos amis” ao ponto de incluírem Cesária Évora na “aristocracia mundial de cantoras de bar”. O “cliché” mostra a imagem sedutora de uma Bessie Smith africana, copo de “whisky” na mão, cigarro ao canto da boca a queimar-lhe cada canção. Fizeram dela uma estrela – a Cesária que não gosta de dar entrevistas e canta “onde calha”, como ela própria diz. Calhou no Theatre de la Ville e no Olympia de Paris.
O filão da “world music” ajudou a transformá-la num fenómeno. De vendas, bem entendido: 17 mil cópias vendidas de “Mar Azul”, mais 50 mil, até agora, de “Miss Perfumado”, eleito “álbum do ano no domínio da ‘world music’” pelo jornal “Libération”.
Por cá nunca ligámos muito. Cabo Verde, como a Guiné, como Angola, ou como Moçamb, nunca nos disse nada que quiséssemos ouvir. Encerrada a mina, voltámos as costas. Fomos portugueses como nos habituámos a ser. Deixem-nos mas é cá no nosso cantinho. Mas alto aí. Se os franceses gostaram e os jornais escreveram, é porque ela (ela quem?) deve ser boa. E, no fim de contas, até um pouco portuguesa. Um pouco nossa.
E assim, como num conto de fadas, chegada aos 51 anos de idade, abrimos-lhe as portas como quem recebe uma irmã. E deixámos entrar a galope, nas vagas, as mornas de B. Leza, o pai de todas as mornas, que Cesária traz na voz e no coração. Passámos a ter o nome “Cise”, como a cantora é conhecida entre os amigos, na ponta da língua. Obviamente aplaudimos. Por acaso foi no Teatro de São Luiz, em Lisboa, no mês de Maio, mês dos mil odores da Primavera, que os portugueses descobriram “Miss Perfumado”. É mentira, Chico, que haja “tanto mar a nos separar”.
Cesária Évora
SIC, às 22h30

Cesária Évora – “A História De Uma Descoberta” (televisão | concerto | documentário)

televisão e rádio >> terça-feira, 05.10.2019


DESTAQUE
A História De Uma Descoberta


CHAMAM a Cesária Évora “rainha da morna”, essa cadência dolente que jorra das ilhas de Cabo Verde como um choro que vem da terra – da alma da terra. Morna é fado atlântico, misto de tragédia e resignação, temperado com o sal do mar. Saudade tropical. Cesária Évora é “Miss Perfumado” e “Crioula sofredora”, senhora do Mindelo que durante meio século deixou perder o olhar no “Mar Azul”. Como quem esperava que alguém a fosse buscar.
Foram os franceses, há coisa de dois anos. Descobriram-lhe a voz e a fundura do canto. Mas também o corpo pesado e o “alcoolismo imponente” que, juntamente com a voz grave forjada no fogo do grogue velho, fascinaram “nos mais” ao ponto de incluírem Cesária Évora na “aristocracia mundial de cantoras de bar”. O “cliché” mostra a imagem sedutora de uma Bessie Smith africana, copo de “whisky” na mão, cigarro ao canto da boca a queimar-lhe cada canção. Fizeram dela uma estrela – a Cesária que não gosta de dar entrevistas e canta “onde calha”, como ela própria diz. Calhou no Theatre de la Ville e no Olympia de Paris.
O filão da “world music” ajudou a transformá-la num fenómeno. De vendas, bem entendido: 17 mil cópias vendidas de “Mar Azul”, mais 50 mil, até agora, de “Miss Perfumado”, eleito “álbum do ano no domínio da ‘world music’” pelo jornal “Libération”.
Por cá nunca ligámos muito. Cabo Verde, como a Guiné, como Angola, ou como Moçambique, nunca nos disse nada que quiséssemos ouvir. Encerrada a mina, voltámos as costas. Fomos portugueses como nos habituámos a ser. Deixem-nos mas é cá no nosso cantinho. Mas alto aí. Se os franceses gostaram e os jornais escreveram, é porque ela (ela quem?) deve ser boa. E, no fim de contas, até um pouco portuguesa. Um pouco nossa.
E assim, como num conto de fadas, chegada aos 51 anos de idade, abrimos-lhe as portas como quem recebe uma irmã. E deixámos entrar a galope, nas vagas, as mornas de B. Leza, o pai de todas as mornas, que Cesária traz na voz e no coração. Passámos a ter o nome “Cise”, como a cantora é conhecida entre os amigos, na ponta da língua. Obviamente aplaudimos. Por acaso foi no Teatro de São Luiz, em Lisboa, no mês de Maio, mês dos mil odores da Primavera, que os portugueses descobriram “Miss Perfumado”. É mentira, Chico, que haja “tanto mar a nos separar”.
Cesária Évora
SIC, às 22h30

O Regresso Dos Clássicos – artigo

Pop Rock

5 JANEIRO 1994
O ANO EM MÚSICA POPROCK PORTUGUESA

O REGRESSO DOS CLÁSSICOS


1111

Em 1992 o ano passado passou a sê-lo menos, na música popular portuguesa. Obras fundamentais de décadas anteriores perderam a poeira, os riscos e a “patine”, para se apresentarem de cara lavada no formato digital. Os novos têm desde agora ao seu dispor compêndios onde podem dar de beber à inspiração. Claro que muito ficou por reeditar, mas o caminho parece estar traçado, sem hipótese de retorno.

Durante os primeiros seis meses foram reeditados em Portugal e em CD algumas obras fundamentais da música de Cabo Verde. Primeiro a rainha da morna, Cesária Évora, com “Destino de Belita”, o menos conseguido, “Mar Azul”, um dos discos mais belos de sempre da música lusófona, e “Miss Perfumado” que, só em França, já vendeu para cima de 50 mil exemplares. No mesmo mês chegou aos escaparates outro nome mítico da música das ilhas, António Vicente Lopes, ou Antoninho Travadinha, com “Travadinha – Le Violin du Cap Vert”.
Junho foi o mês da chegada de mais mornas, desta feita assinadas por B. Leza, na voz de Titina. Vitorino foi o primeiro português a merecer honras de reedição. “Leitaria Garrett”, o já clássico retrato de Lisboa do princípio do século, aí está de novo, liberto de ruídos e preconceitos. Já perto do final do ano, o cantor alentejano viria a reincidir, lançando uma colectânea que inclui as canções por si consideradas “as mais bonitas” da sua carreira. Enquanto isso o seu irmão Janita Salomé soltava o “cante” alentejano e outros ventos ainda mais a sul com “Melro”. Em Setembro Pedro Caldeira Cabral mostrou na guitarra portuguesa as suas fusões com a tradição e a música de câmara em “Pedro Caldeira Cabral” e “Duas Faces”. Em minidisc saíram entretanto “Fados de Coimbra”, Traz Outro Amigo Também” e “Cantigas do Maio”, de José Afonso.
Já em Dezembro chegou a vez das homenagens. Vicente da Câmara, José da Câmara e Nuno da Câmara Pereira evocaram os fados e a música de Maria Teresa de Noronha, falecida este ano, em “Tradição”. Homenagem a Maria Teresa de Noronha”. Na calha estão o disco de homenagem a José Afonso, que levará a assinatura da maior parte dos nomes mais conhecidos da nossa cena musical, e outro em que o homenageado será António Variações, com edição prevista já para este mês.
Quem não esperou pelo novo ano foram os Castro e Barius que em “Tributo” “assassinam” a música de José Afonso, Fausto e Vitorino. José Afonso que, se fosse vivo, teria gostado de ver as reedições em compacto que se fizeram de “Galinhas do Mato” e “Zeca Afonso no Coliseu”.
Com a “Pedra Filosofal” voltou a obra de Manuel Freire. Por cumprir fica a promessa de reedição em caixa da obra completa de Adriano Correia de Oliveira. Outras duas caixas de triplos CD’s, entretanto já lançadas, são: uma de declamação de poesia pelo grande João Villaret, outra com “O Melhor” da fadista castiça Hermínia Silva.
“Cavaquinho”, de Júlio Pereira, encetou entretanto a reedição dos primeiros trabalhos deste artista, na mesma altura em que a Banda do Casaco começava pelo fim, lançando as edições em compacto de “No Jardim da Celeste”, “Também Eu” e “Banda do Casaco com Ti Chitas”, deixando para a próxima os quatro álbuns que faltam. A canção ligeira do final dos anos 60 foi recordada através de “Os Primeiros Êxitos” de Carlos Mendes e Fernando Tordo, os mesmos de Falas Tu ou Falo Eu.
Finalmente, num ano que assistiu ao renascimento do rei do twist Vítor Mendes, não causou surpresa o reaparecimento e recuperação de bandas ié-ié dos 60 como os Sheiks e o Conjunto João Paulo. E porque não começar o novo ano a ouvir “A lenda de el-rei D. Sebastião” e “Balada para D. Inês”, duas canções que puseram o comboio em andamento, incluídas na colectânea “A lenda do Quarteto 1111”?

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